Os Quakers – X
Rezar. Adorar. Sim, os Quakers fazem-no, de forma silenciosa. A adoração é para eles a sua forma de demonstrar a consciência de Deus, da Sua presença em cada um. Podem-no fazer sozinhos, mas em grupo a espera de Deus torna-se mais intensa, acreditam, pois podem descobrir um sentido mais profundo da presença de Deus. A adoração quaker é concebida para permitir que Deus ensine e transforme os que O adoram, para que intervenha em cada e Se faça sentir. Assim entendem os Quakers a adoração, que tem um sentido mais próprio que o conceito de oração.
Os quakers convocam, por isso, reuniões que não são mais do que eventos de adoração, em vez de serviços religiosos. Numa dessas reuniões, para adoração, um grupo de pessoas fica sentado numa sala em rigoroso silêncio durante uma hora. De vez em quando, alguém pode falar livre mas brevemente, como se fosse uma manifestação divina, mas por vezes pode decorrer uma hora inteira sem se dizer uma qualquer palavra. É o silêncio absoluto, um mergulho na interioridade e na essência do ser, no âmago onde acreditam encontrar Deus em cada um. Refira-se que estas reuniões de adoração são abertas a todos. E as crianças, por exemplo, são especialmente bem-vindas. Há como que uma educação na reflexão contemplativa desde sempre, uma forma de treinar o indivíduo e o espírito.
Não há Sacramentos, como já vimos. Como também não existe Liturgia, nem qualquer ritualidade, como acima aludimos, nem sendo necessária uma igreja ou templo, ou tabernáculo: uma sala, ou um quarto, um espaço fechado, ou quase, servem. A adoração quaker é muito diferente da adoração da maioria das igrejas cristãs, pois não segue uma liturgia definida ou um código de regras – um culto não tem estrutura e ninguém o dirige (há grupos em que há uma espécie de “pastor” ou “ministro”). Se duas ou três pessoas se congregam para estar em silêncio uma hora que seja, já existe adoração, não são pois necessárias fórmulas, credos, códigos, rituais. «Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, então Eu estou no meio deles» (Mateus 18,20), eis a inspiração bíblica da adoração silenciosa quaker, que começa quando dois ou três quakers se juntam para meditar. Mesmo que a Bíblia não seja fundamental, ela é fonte de inspiração e referência.
Espiritualidade e adoração
Estão sentados frente a frente, num quadrado ou em círculo. Em silêncio. Desta forma têm consciência de que são um grupo de adoração e que estão de acordo com um dos preceitos quakers mais importantes: igualdade, estatuto igual. Todos esperam em silêncio, na partilha do mesmo, até que alguém seja movido pelo Espírito (isto é, que seja acometido de forte sentimento religioso) e se manifeste, retornando ao silêncio e à reflexão. Mas atenção, não se fala por falar ou assim de repente sem mais: uma pessoa só falará se estiver convencida e segura de que tem algo que deva dizer e ser partilhado. Com efeito, é raro que uma pessoa fale mais de uma vez, que haja “fala-baratos” ou se excedam em monólogos. Como é igualmente comum que uma reunião de adoração decorra em total silêncio meditativo. Não significa falta de fé ou não manifestação de Deus, ou de inspiração espiritual, mas tão somente uma adoração que decorre como ela é: em silêncio e caminho interior.
Se se falar, as palavras serão breves, podendo resumir-se a leituras de um texto, que pode ser da Bíblia, ou de outro livro edificante, ou a orações; por vezes podem ser uma partilha de uma experiência pessoal, espiritual, não sem entendendo aqui quaisquer paralelismos com psicoterapias de grupo ou reunião de profilaxia de qualquer adição. Cada interpelação durante a reunião é seguida por um período de silêncio, que pode ser um tempo de reflexão sobre a partilha do membro congregado ou não. Mas estas participações são importantes, mesmo que breves ou até raras, pois os quakers acreditam que Deus fala por meio dessas contribuições feitas na reunião. Algumas pessoas dizem que muitas vezes existe a sensação de que uma presença divina se instalou no grupo, que as move a falar e partilhar algo. Ou sentem-na, mas não a expressão, porque é para ser assim mesmo…
Na espiritualidade quaker acredita-se que as palavras devem vir da alma, a luz interior, mas não da mente. Os quakers sabem que mesmo que as palavras que eles se sintam motivados a partilhar não tenham um significado particular para si mesmos, que as entendam como pouco relevantes ou sem importância, elas podem, no entanto, serem portadoras de uma mensagem de Deus aos outros. Fala-se pouco, medem-se as palavras, regressa-se ao silêncio, porque cada palavra tem um valor importante, enquanto elo de ligação a Deus, ou Ele a falar através de alguém, mesmo uma criança que seja. Pode não haver uma resposta externa, na forma de reflexão subsequente, à contribuição de outras pessoas, mas, se houver, será algo que se baseia positivamente na contribuição anterior, na tomada de palavra de alguém, que é espontânea e sem ordem alguma (mas não de forma tempestiva ou impositiva). Mas atenção, a discussão não faz parte da reunião. Ou seja, se alguém, porventura, reflectir sobre as palavras de alguém, mesmo que muito tempo depois, será algo positivo e de continuidade, não de contraponto ou debate, antes uma espécie de “complemento” ou continuidade.
Muita gente pergunta a um quaker o que é que ele faz numa reunião daquelas, em silêncio e sem discussão nem orações. A resposta é simples: cada um dos presentes, em igualdade e abertura, está à espera, de ouvir a sua alma, o “fundo do seu coração”, à espera que por aí surja o toque de “algo” para além de si e do que quotidiano, da sua existência e do seu corpo. É a expectativa silenciosa e tranquila de “ouvir a voz tranquila de Deus”, algo que não tem uma palavra que defina ou verbalize. É apenas um sentimento profundo, interior, uma espécie de… epifania tranquila… Alguns dizem que apenas estão a “ouvir” (mas não uma voz, atenção), ou numa concentração pura, numa atenção total, uma espera em que nada é esperado nem intencionalmente sequer. Apenas é algo de “dentro”, para além de tudo… em silêncio, que é parte da adoração e dá o tempo e espaço a cada um para essa “espera”, para se aproximarem de Deus e cada um dos outros e de todos, do grupo, em igualdade. É uma forma de se separarem da dureza do quotidiano e da realidade da vida diária. Interrompendo pensamentos, as ansiedades e problemas, suspendendo a vida por um momento e perscrutando a sua interioridade. Os quakers acreditam que é nessa quietude silenciosa que Deus pode falar com eles, como recordava Fox. William Penn dizia que «o verdadeiro silêncio (…)é para o espírito o que o sono é para o corpo, alimento e frescura». Sem haver um “eu” solitário, mas um todo que é um “nós”, em silêncio.
A reunião termina quando os anciãos apertam as mãos.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa