As nossas sociedades modernas, profusamente influenciadas por todo o tipo de estatísticas, artigos de imprensa, debates televisivos e comentaristas, sobre a situação económica em que nos encontramos e das suas perspectivas de futuro, têm feito dos conceitos económicos, expressos por uns e por outros, a preocupação fundamental das nossas vidas. Acordamos ao “som” do défice e deitamo-nos preocupados com o fraco crescimento económico!
Como resultado desta profusão de informação, a economia assume assim a causa e a consequência do sucesso ou insucesso das políticas, tornando-se o elemento determinante do voto popular e das pressões a que está sujeita por interesses privados e pelas regras impostas pelos mercados.
Cidadãos e Governos estremecem perante a iminência de fracos resultados económicos e eventual recessão. Para os primeiros, na categoria de trabalhadores por conta de outrem, essa circunstância faz prever a possibilidade de uma subida de impostos, diminuição de salários e do respectivo poder de compra. Para os Governos, a sua preocupação fundamental reside nas previsíveis percas de eleitorado.
Mas, e os outros, os proprietários do capital e definidores da evolução dos mercados e do sistema financeiro? De facto, e para muitos deles, uma má situação económica dos países não corresponde necessariamente a uma perca de ganhos, antes o seu contrário!
A globalização e o seu conjunto de interesses económicos traz-nos também ao conhecimento público muitas verdades, tantas vezes sonegadas por todos aqueles que fazem da economia a sua doutrina de excelência e o meio indispensável para influenciar a opinião pública.
Vem isto a propósito de um relatório produzido por uma organização não-governamental (Oxfam), intitulado “Bem-estar público ou lucro privado” e que foi apresentado no recente Fórum Económico Mundial de Davos, pequena cidade Suíça onde anualmente se realiza um encontro de líderes mundiais, empresariais e políticos, para definirem a agenda da globalização para os próximos tempos.
O referido relatório dá indicações muito claras de como as contradições entre o “bem-estar público” e o “lucro privado” influenciam negativamente a luta contra a pobreza, prejudica as economias e aumenta a indignação em todo o mundo, suscitando a revolta das populações mais pobres e de todos aqueles cujos valores morais não suportam tamanhas desigualdades sociais.
Diz o relatório, apenas em alguns aspectos que este texto pode suportar:
– Em 2018, a fortuna dos multimilionários cresceu doze por cento, a um ritmo de dois mil e 200 milhões de euros por dia, enquanto a riqueza da metade mais pobre da população mundial reduziu onze por cento;
– Os Governos aumentam profundamente as desigualdades ao não fornecer aos serviços públicos, como educação e saúde, o financiamento necessário, ao conceder benefícios fiscais às grandes corporações e aos ricos e ao não coibir a evasão fiscal;
– Se um por cento dos mais ricos pagasse apenas 0,5 por cento a mais de impostos sobre a sua riqueza, poderia ser angariado mais dinheiro do que o necessário para escolarizar 262 milhões de crianças que agora não têm acesso à educação e fornecer assistência médica para salvar a vida de 3,3 milhões de pessoas;
– Em alguns países, como o Brasil, os dez por cento mais pobres da população pagam uma percentagem maior de impostos sobre os seus rendimentos do que os dez por cento mais ricos;
– Com o dinheiro que as empresas deixam de pagar de impostos a cada ano, devido aos benefícios fiscais, seria possível contratar 93 mil médicos na Guatemala e 349 mil no Brasil, construir 120 mil casas na República Dominicana e setenta mil no Paraguai, e contratar 94 mil professores na Bolívia ou 41 mil em El Salvador.
O relatório da Oxfam, apresentado em Davos, é uma linha contínua de denúncias das grandes injustiças sociais provocadas pelos decisores políticos, sob influência e imposição dos interesses e influenciadores económicos, para quem o crescimento económico não tem consequência directa numa distribuição socialmente equitativa da riqueza criada, factor decisivo e apenas possível de ser corrigido por decisão política.
A observação do que se passa em praticamente todo o mundo com as migrações, as manifestações e as revoltas, provocadas pela extrema pobreza em que vivem largos extractos da população mundial, muitas vezes sujeitas a manipulações de todo o género onde pautam todo o tipo de populismos, deveria conduzir os dirigentes políticos, nomeadamente aqueles que se arrogam de defender os sistemas democráticos, a tomar consciência de que a continuidade destes enormes fossos sociais acabará por nos destruir.
A economia é importante, claro que sim! Mas o primado da política sobre a economia não pode continuar a ser letra morta dos manuais de aprendizagem das nossas comunidades políticas.
LUIS BARREIRA