Um “português” na Guarda Suíça.
Sabia que também se fala Português na Guarda Suíça, a tropa de elite do Papa? Filho de portugueses emigrados na Suíça, mas com raízes profundas em Portugal, Marco Tavares Marques leva a cultura portuguesa ao Vaticano e explica como é que o espírito português o ajuda na tarefa diária de proteger o Papa.
É o primeiro “português” a fazer parte da Guarda Suíça. A suspeita, lançada à reportagem da Família Cristã por D. José Bettencourt, bispo português recém-nomeado pelo Papa como núncio apostólico para a Geórgia e a Arménia, e confirmada pelo capitão Duruz, da Guarda Suíça, quando nos cruzamos dentro do Vaticano.
Marco Tavares Marques é suíço de nascença, filho de pais portugueses que emigraram há mais de trinta anos para a Suíça. «A minha mãe é de Proença-a-Nova e o meu pai de Ladeira, ambos de Castelo Branco. Estão na Suíça desde 1982, a minha mãe, e 1984, o meu pai. Eu tenho 23 anos, nascido e criado na Suíça». Os pais falavam Português e os filhos Alemão, mas «dos oito aos doze anos tive lições de Português, embora reconheça que me falta prática (risos)», diz à Família Cristã quando nos sentamos para conversar no refeitório da messe da Guarda Suíça. É o primeiro soldado da Guarda Suíça com sangue lusitano, segundo nos informam, e isso é digno de notícia. Até porque não é qualquer um que faz parte da Guarda Suíça, o exército mais pequeno do mundo, conforme anunciava uma curta-metragem que estreou há pouco tempo em Portugal, precisamente sobre esta unidade de elite, cuja principal função é, desde a sua criação, proteger a vida do Papa.
Criada a pedido do Papa Júlio II, em 1502, o primeiro destacamento, sempre de homens oriundos da Suíça, foi liderado pelo capitão Kaspar von Silenem, e era constituído pelos homens mais fortes dos cantões suíços de Uri, Zurique e Lucerna. Alguns anos mais tarde, em 1527, ficaram mais conhecidos porque conseguiram repelir de forma heroica o ataque dos exércitos de Carlos V contra Roma e o Vaticano. Nesse dia, 180 soldados da Guarda Suíça combateram mil invasores e conseguiram retirar para o Castelo de Sant’Angelo o Papa Clemente VII, garantindo que não era morto pelo invasor.
Hoje, a excelência da Guarda mantém-se, embora não participem em conflitos armados há muitos anos. O objectivo também não mudou: proteger a vida do Papa. «O nosso trabalho é invisível, mas muito importante. Somos um pouco como os Serviços Secretos dos Estados Unidos. Falamos com todas as pessoas que são importantes para a segurança do País e da cidade e articulamos tudo com a nossa tarefa de proteger o Santo Padre», dentro e fora de Roma, explica-nos Marco Marques.
Além do trabalho de protecção pessoal do Papa, o dia a dia destes soldados é passado no controlo de pessoas que entram e saem dos territórios do Vaticano. Nas portas principais daquele que é o Estado mais pequeno do mundo, encontramos sempre guardas suíços que, de forma pronta e solícita, informam as pessoas, orientam… e vigiam. «O problema maior é que, mesmo que haja muita gente feliz e de boa vontade entre aqueles que nos visitam e que participam nas celebrações com o Papa, há sempre quem não seja, e é essa pessoa que temos de encontrar no meio das outras. Por isso é que é muito importante falar com as pessoas quando elas chegam à Praça, a perguntar o caminho, etc. Devemos observar como é que as pessoas se comportam», refere.
Marco tem 23 anos e está na Guarda Suíça desde Novembro de 2016. Já tinha feito o exército regular na Suíça, uma das condições para poder integrar a Guarda Suíça, e veio em passeio com o seu grupo de Crisma até ao Vaticano. «Há sete anos vim cá com o meu grupo de Crisma. Viemos cá para conhecer a realidade e como funciona todo este mundo. O nosso padre, que fez muito pelos jovens, disse-nos sempre que isto era muito bonito. Depois de quatro visitas, decidi ingressar, em Agosto de 2016. Sempre foi um sonho, porque fiz o exército na Suíça, não em Portugal, e tive sempre o modo de vida militar presente», conta-nos com um sorriso.
É que o facto de ser católico (outra das condições necessárias para integrar a Guarda) torna isto em mais do que uma simples missão de trabalho. «Ser da Guarda Suíça é mais uma vocação do que um trabalho ou uma carreira. Ser católico e ser guarda do Papa é mais que um trabalho. Para mim é uma honra e uma aventura, porque há muitas coisas aqui que não vivemos na Suíça ou em Portugal. A Guarda é uma família fechada, é a parte suíça do Vaticano, e por isso funciona melhor que muitas coisas. Ser guarda aqui é uma aventura», reconhece.
Mesmo que guardar este Papa seja um trabalho complicado, por bons motivos. «O Papa não é um chefe de Estado normal, e o Papa Francisco torna o trabalho mais difícil (risos), porque vai ter com as pessoas e quebra o protocolo», o que requer uma atenção redobrada da parte dos guardas.
Do Papa, Marco tem apenas coisas boas para dizer. Até porque, na rotação do serviço que faz, calha-lhe algumas vezes ficar de guarda ao quarto onde o Papa reside. «No serviço da noite, quando estamos à frente do seu apartamento, ele cruza-se connosco muitas vezes. Cumprimenta-nos sempre, e falamos um pouco», conta este elemento da Guarda Suíça, que lhe reconhece uma «aura» especial. «Nunca sei o que lhe dizer, porque é uma pessoa com uma aura muito especial, nos seus olhos vê-se uma pessoa que já viu muitas coisas, e que sabe muitas coisas. Normalmente é ele que fala connosco, e nós respondemos», revela.
Marco vai uma vez por ano a Portugal, pois tem lá família, e até reconhece que gostava de lá morar um dia mais tarde. Apesar de não ter nascido em terras lusas, não perde as raízes que, adianta, lhe são uma mais-valia no trabalho que desempenha todos os dias no Vaticano. Ser português «faz diferença principalmente por causa da língua». «Para mim foi muito mais fácil aprender o Italiano e o Espanhol. Eu nasci com duas culturas, e para mim é muito fácil aceitar uma terceira ou quarta culturas, enquanto uma pessoa que apenas conheça uma cultura tem mais dificuldades», diz.
Além disso, aquele espírito hospitaleiro e desenrascado do português ajuda no contacto com todos os que procuram visitar os espaços do Vaticano. «Tenho um carácter mais aberto, e Roma tem tantas culturas e turistas, ajuda muito isso. Muitos de nós, depois de um turno de oito horas, estão muito cansados, mas eu não, não me cansa nada, gosto muito de falar com as pessoas e de ver tantas pessoas diferentes», explica.
O apoio das famílias portuguesas e da cultura portuguesa também faz diferença, porque «é especial para mim ser português e fazer parte da Guarda Suíça», conta, revelando o imenso «orgulho» que a sua família sente por tê-lo ali, ao serviço do Papa Francisco.
Quanto ao treino, desenganem-se os que acham que este é um exercito só para ser visto com os seus fatos coloridos aos Domingos na Praça de São Pedro. «Temos formação específica para lidar com qualquer tipo de situações. Temos sempre de frequentar primeiro o exército e estamos preparados para lidar com tudo. Somos mais sensíveis a estas questões, porque somos responsáveis pela segurança do Santo Padre, e por isso nos últimos cinco anos temos feito muita segurança» conta, acrescentando que treinam regularmente e são uma força de intervenção bem preparada.
Os membros da Guarda Suíça cumprem comissões de 26 meses, mas podem ser convidados a permanecer mais tempo. Para fora do País, só acompanham o Papa os oficiais mais graduados, pelo que Marco ainda não o fez. Os soldados que cumprem essa comissão devem ser solteiros, mas não necessariamente celibatários, ao contrário de alguns mitos. Se permanecerem mais anos, já poderão casar-se, conforme o fizeram alguns dos oficiais.
Enquanto nos leva a conhecer o depósito das armas, os dormitórios e os vários espaços onde circulam, Marco deixa a garantia de que esta é uma experiência única para si, e que pode ser para mais. «Recomendo isto a todos os que se possam candidatar. É muito duro e difícil, mas o sentimento com que ficamos de estar aqui é muito maior do que as dificuldades que enfrentamos no dia a dia. O sentimento que temos como guardas é muito maior, e recomendo a todos que venham ver e queiram fazer a experiência», explica, em bom Português, este “nosso” guarda do Papa.
RICARDO PERNA
Família Cristã