Presença portuguesa visitada… por franceses
A família Da Cruz, uma das dezassete de luso-descendentes que ainda hoje habita no conhecido Bairro de Santa Cruz, em Banguecoque (zona de Thonburi, na margem esquerda do rio Chaopraya, onde o rei Taksin se instalou quando deixou Ayuthaya), deu-nos a conhecer todo o espólio que está na família há gerações e que deu origem ao Museu do Baan Kudi Chin.
As raízes familiares não são conhecidas em profundidade, mas segundo Navinee Pongthai, a responsável e mentora de todo o projecto, esta é uma pesquisa contínua e que espera dar frutos em breve. O museu nasceu depois de uma viagem a Portugal com o marido, onde visitou Fátima e outros locais que lhe eram queridos e conhecidos de histórias de infância. No regresso à Tailândia, Navinee, com o marido, começou a pensar sobre o que poderiam fazer para que o legado da sua família de luso-descendentes, e de todas as outras que vivem, ou viviam, no Bairro de Santa Cruz, não se perdesse. E também para que estivesse acessível a outras pessoas, nomeadamente aos jovens tailandeses que tivessem interesse em conhecer um pouco mais da história secular das relações da Tailândia com Portugal.
Relembrando um pouco da história da presença portuguesa no Sião, esta remonta ao período da antiga capital Ayuthaya. Os portugueses foram os primeiros ocidentais a chegar a estas terras, em 1511, e os primeiros a assinar um tratado de amizade com os monarcas tailandeses, em 1518. Após a queda da antiga capital durante as invasões birmanesas, o rei Taksin resolveu estabelecer a nova capital na zona da actual Banguecoque, primeiro em Thonburi e alguns anos mais tarde em Banguecoque. No processo de relocalização da capital o rei trouxe a população e também os portugueses que tinham o seu próprio bairro na antiga capital. O seu contributo militar e comercial era de grande importância para o monarca e tal foi recompensado com um terreno na nova capital, à semelhança do que já havia acontecido em Ayuthaya.
O terreno foi oferecido à comunidade luso-descendente pelo rei Taksin, depois destes o terem ajudado a expulsar os invasores. O rei fê-lo num dia santo, o da Exaltação da Santa Cruz, pelo que o padre a quem o monarca havia oferecido o terreno decidiu chamar a igreja de Santa Cruz. Ainda hoje este é o nome do Bairro, mas também é conhecido (talvez porque é assim que lhe chamam na oralidade) por Baan Kudi Chin, pois ali também vivia uma grande comunidade chinesa. Devido a esta influência, a própria igreja apresenta aspectos arquitectónicos chineses, sendo conhecida como Wat Kudi Chin – a igreja chinesa).
São muitas destas histórias que se podem ver e aprofundar nas salas e corredores do Museu do Baan Kudi Chin, um espólio que pertence ao Bairro, mas que na verdade enaltece toda a herança portuguesa.
Chegar até ao local não é complicado; a igreja de Santa Cruz é um dos atractivos que a Autoridade de Turismo da Tailândia recomenda na capital do reino. Depois de chegar ao Wat Kudi Chin tentar encontrar o museu no emaranhado de ruas pode parecer um desafio impossível; felizmente, há várias indicações que tornam a tarefa mais fácil.
Na nossa visita ao museu não tivemos qualquer dificuldade. Iniciámos a caminhada desde a ponte Rama I, num percurso bastante agradável e que nos deu a oportunidade descobrir outros aspectos do Bairro.
O espaço museológico, que nasceu há pouco mais de dois anos, é privado e não conta com qualquer tipo de apoio financeiro do Estado, conforme nos explicou Navinee Pongthai. Ainda assim, é impressionante a qualidade do que expõem ao público. O edifício está instalado numa antiga mansão da família Da Cruz e integra toda a zona térrea, parte do primeiro andar e terraço. Mesmo quem não tenha qualquer conhecimento da história da presença lusa no Sião, no final da visita ficará a saber certamente os aspectos mais importantes dessa vivência.
Quando questionada sobre quem visita o museu, Navinee Pongthai respondeu que apesar de «não terem ainda apurados esses dados há a ideia de que são metade tailandeses, metade estrangeiros». Em relação aos tailandeses, «a maioria são jovens que graças às novas tecnologias e às redes sociais vão sabendo da existência do museu». Muitos estão de alguma forma «ligados a famílias luso-descendentes» que viveram na zona, mas que entretanto mudaram para outros locais. Quanto aos estrangeiros, esperando nós que uma grande parte fossem portugueses, em busca de aspectos relacionados com a presença lusa, Navinee Pongthai disse que «na sua maioria são franceses», o que pode ser explicado pelo facto da Embaixada de França ter inserida informação sobre o museu num dos guias que disponibiliza aos franceses que visitam Banguecoque.
Para além da visita ao museu, é quase obrigatório entrar na igreja de Santa Cruz e passar pela fábrica do khanom farang (bolo estrangeiro), uma das mais emblemáticas heranças gastronómicas portuguesas, exclusiva do Bairro de Santa Cruz. É a Padaria Thanusingha que confecciona os bolos, uma espécie de pão-de-ló em pequenas formas, de acordo com uma receita centenária que foi passada de geração em geração. Tem um pequeno café onde se pode beber chá ou um refresco enquanto se comem os bolos – uma experiência a não perder logo a seguir à entrada do museu.
JOÃO SANTOS GOMES