Retratos do nosso tempo

VATICANO E O MUNDO

Retratos do nosso tempo

O meu texto de hoje, desejei-o múltiplo nas questões focadas, como naquelas conversas em que se quer falar de muita coisa, mas em que não há muito tempo para tudo. E intitulei-o como acima leram – Retratos do nosso tempo – porque, numa civilização dominada pela imagem, muitas das mensagens que trocamos, no decurso dos dias, assumem a forma de fotos ou vídeos, mais ricos uns e outros do que mil palavras.

O ABSURDO DOS DIAS

Quem olha para a realidade das notícias e não se detém um pouco, para recuar e pensar no que vê, parece-se mais com um espectador de teatro absurdo, do que outra coisa, procurando, durante duas horas, o sentido do que se passa no palco, mesmo diante dos seus olhos. É que as notícias não trazem só as notícias, mas a paisagem humana que lhes dá contexto. E nas cenas de rua ou em ambientes mais restritos, a televisão e a Internet mostram-nos hoje, como nunca anteriormente, o modo como as pessoas vivem, como reagem, como estão condicionadas pela cultura, pelas crenças e tradições, e pelos ambientes sociais ligados à sua condição económica.

Num ápice, de notícia para notícia, vemos o mundo nas suas grandezas e nas suas misérias, na extrema riqueza e na pobreza extrema, e o sucesso e a desesperança estampados no rosto de quem vive como se em planetas diferentes, dentro deste nosso único globo.

Saber olhar para os povos e para os países através das notícias – das cenas de conflito aos actos de abnegação humanitária – é compreender melhor o mundo, é tirar a temperatura do mundo.

FACEBOOK: A CONVERSA INTERROMPIDA

O que se diz e o que deveria ficar por dizer, nas plataformas sociais.

Um episódio entre muitos, na fluidez dos dias e das conversas. Era para me limitar a uma observação ligeira sobre a obra de um conhecido autor de ficção científica, e afinal resultou numa “conversa a três” sobre a Ciência e a Fé, sobre a Liberdade do Homem perante Deus, sobre quem é Este Deus que intervém, ou não, nas nossas vidas.

Não estávamos de acordo. Para uns a Ciência que tudo explica, para outros a teimosia da Fé que “vê” para além da Ciência. Como terminar cortesmente um princípio de discussão, sobre tema tão sério e que excedia largamente aquele meio de comunicação utilizado? Pois fizemo-lo. Percebendo que, como disse um dos meus interlocutores, «amigo é quem pensa connosco, não quem pensa como nós». Excelente lição!

Mas há ainda outra lição a tirar. A de que as plataformas sociais não servem para toda a comunicação, sobretudo quando a complexidade dos temas abordados requer explicações mais longas e ponderadas do que a mera linguagem telegráfica dos famosos “twitters”, tão definitivos nos seus juízos, de um famoso líder mundial.

O GRANDE VIAJANTE

As homilias de cada manhã cedo em Roma, proferidas pelo bispo vestido de branco, na Casa Santa Marta, são como alimento para a jornada, de quem precisa de uma luz acesa, mesmo em pleno dia – e todos nós precisamos.

E o grande viajante lá partirá, dentro em breve, ao encontro de duas outras comunidades de cristãos que a aventura missionária semeou em muitos pontos da Ásia, desta feita na Tailândia e no Japão.

Toda a gente tem hoje a percepção de que a centralidade da Ásia neste século, por oposição ao domínio europeu em séculos mais recentes, não será – não é – apenas económica, nem cultural no sentido mais tradicional do termo, mas também espiritual, religiosa. Porque qualquer que seja a sua geografia, o homem é um ser total.

Sociedades sacudidas por uma modernidade alucinante, as sociedades asiáticas precisam de forjar, no seu interior, como todas as outras invadidas pelo progresso tecnológico, as bases um novo credo no espírito do homem, credo fundado na solidariedade autêntica, generosa, sem barreiras, num humanismo novo que ultrapasse as fronteiras dos nacionalismos e abra cada povo aos desafios do universal.

Lembrando valores comuns a todos, as viagens do Papa podem ajudar a tecer essa nova consciência do universal. A catolicidade da Igreja não é afinal outra coisa.

A PERVERSÃO DO INDIVIDUALISMO

Nas sociedades ocidentais, urbanas, a ausência de normas, em muitos sectores da vida, desde as regras vestimentárias até às de pura cortesia, salientam o império do individualismo, o mais extremo, confundindo-se até espaço público e privado, como expressão da liberdade de cada um.

Os media exacerbam essa ausência de normas, ou o seu relaxamento, até ao limite da sua extinção. Da maneira de vestir à maneira de falar, do comportamento cortês à sua negação, como antiquado e desajustado, tudo está em rápida evolução. E os mais velhos interrogam-se onde vai tudo parar.

Esta referência “moralista” pode ser chocante, pré-anunciando quem sabe um ataque feroz contra alguma informalidade, ganha com os novos tempos, mormente por parte dos jovens que souberam derrotar o formalismo excessivo, cerimonioso, de épocas passadas.

Lembro-me por exemplo do comportamento dos professores catedráticos no meu tempo, na Universidade, e da distância que cultivavam com os alunos, deuses que eram de um Olimpo só deles, feito de sumidades, inatingíveis, quase etéreas.

Quando pude ter acesso, através da Internet, às conferências e debates de muitas Universidades americanas e mesmo europeias, pude observar encantado que nelas dominava, geralmente, um ambiente descomprimido, de colaboração respeitosa mas afável, entre docentes e discentes. Nem sempre é assim, como se sabe.

Claro que alguma informalidade é saudável, claro que o espírito de colaboração é preferível ao da hierarquia rígida, mas os excessos da primeira parecem confirmar o fenómeno da ausência ou erosão de normas. E isso não é saudável, nem para as sociedades, nem para os indivíduos.

SEMENTES DE VIOLÊNCIA

Nos últimos tempos, seguindo os noticiários do que se passa em Portugal, quem não fica aterrado com episódios de violência nos estabelecimentos escolares, evidenciando fracturas sociais graves?

Primeiro a demissão das famílias, e das escolas, das suas responsabilidades respectivas, atribuindo-se reciprocamente culpas que afinal compartilham. Depois, a leitura que os jovens fazem do que é viver nas periferias. Nas periferias das cidades e por isso nas periferias das oportunidades.

Eu ia a perguntar: mas… quem afinal ensina aos mais jovens que excesso é excesso, pudor é pudor? Que cortesia é boa educação?

Mas como fazer-lhes essas perguntas sem má consciência, quando a sociedade rejeita em vez de integrar, discrimina em vez de conferir dignidade, rebaixa em vez de respeitar?

Claro que a violência deve ser punida. Mas os decisores políticos têm hoje toda uma panóplia de instrumentos não só para inventariar os males sociais, como e principalmente para compreender e remediar as causas.

Carlos Frota

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