Uma história antiga

A Igreja no Sri Lanka

Por estes dias celebrámos a Visita dos Reis Magos ao Menino Jesus em Belém. Na próxima semana uma outra visita terá lugar. Uma visita apostólica do Papa Francisco ao Sri Lanka, entre 12 e 15 de Janeiro, rumando depois até às Filipinas.

Perguntará o caro leitor: “Mas afinal, que relação há entre os Reis Magos e o Sri Lanka?” Ou Ceilão, ou Tapobrana… Afinal, uma ilha tradicionalmente recordada pelos seus templos budistas, por exemplo, ali a sul da Índia. Mas uma ilha desde sempre conhecida no Ocidente, até mesmo no imaginário, pelos seus rios e montanhas constelados de pedrarias e gemas preciosas. Pois, nesse imaginário mergulha uma lenda antiga, que relata que uma sibila, há cerca de 2000 anos, de seu nome “ Índica”, tendo sabido do nascimento de Jesus em Belém, tudo fez para que um rei da ilha, de seu nome Gaspar (Peria Perumal), demandasse Mascate, no Omã, e ali se juntasse a outros dois reis do Oriente, para irem à Judeia adorar o Deus Menino ali nascido. No regresso, trouxe o rei um retábulo com imagem da Virgem.

Uma lenda, mas como todas, com algo para se ler nas entrelinhas, como por exemplo a provável chegada de cristãos à ilha de Ceilão nos primeiros séculos do Cristianismo. Algo que não se pode comprovar, como também a tradição de que fora S. Tomé (ou Tomás), ou S. Bartolomeu, pretensos apóstolos do Malabar (costa ocidental da Índia), quem também terão cristianizado Ceilão. Ou S. Filipe, através de um eunuco etíope que se teria convertido e fixado na ilha. Tradição, lendas, narrativas, mas pouco mais. Teremos que esperar por 535 para termos a referência mais antiga à presença de comunidades cristãs em Ceilão, oriundas da Pérsia, de acordo com o mercador de Alexandria, Cosme Indicopleustes. Pouco mais se sabe acerca desta referência isolada. Mesmo os viajantes medievais, Marco Polo, frei Odorico de Pordenone ou Marignolli, no séc. XIV, tenham ou não por ali passado, nada noticiam acerca de Ceilão. Além dos focos hindus, principalmente no Norte, no reino de Jaffna, a ilha permaneceu maioritariamente budista, como o ainda é na actualidade.

Todavia, o Cristianismo chegaria de forma mais efectiva a Ceilão no século XVI, trazido pelos portugueses. Estes, perseguindo a pirataria dos “mouros” na costa indiana, atracam pela primeira vez em Ceilão em 1506, comandados por Lourenço de Almeida, filho de Francisco de Almeida, primeiro vice-rei português da Índia. Galle foi o ponto costeiro de primeiro contacto, vindos das Maldivas. As pedras preciosas e a canela eram então os grandes atractivos de Ceilão. Contudo, apesar de não existir escopo missionário nessa expedição, erigiu-se a primeira capela em Ceilão, em Colombo, com orago de S. Lourenço, com celebração de missa por frei Vicente, franciscano. A missionação só se iniciou a partir de meados de Quinhentos. A liberdade de evangelização do território passou a fazer parte dos acordos dos portugueses com os reinos da ilha.

Entre 1515 e 1534 Ceilão fez parte da diocese do Funchal, passando a depender da de Goa naquele último ano, até 1557. Entre esta data e 1836 estará a ilha integrada na diocese indiana de Cochim. Os primeiros religiosos a laborar na ilha foram franciscanos, a partir dos anos 40 do séc. XVI. As conversões foram consideráveis, começando por serem numerosas entre os escravos, que assim se alforriavam e livravam de peias senhoriais ao abraçarem a nova fé. Mas também cidadãos livres, de vários grupos sociais, aderiram à fé católica, num clima de tolerância e até favorecimento ao esforço evangelizador. S. Francisco Xavier, nos princípios daqueles anos 40, sendo já famoso pela sua obra missionária na costa de Pescaria (Índia), foi convidado a ir a Ceilão em viagem de missão, o que não se registou, dada a sua actividade estar então centrada em Travancore, na Índia. Este convite atesta a vitalidade missionária, como infelizmente também atestam os martírios e perseguições que também se moveram pontualmente contra os convertidos, por parte de alguns soberanos da ilha. O terceiro quartel do séc XVI regista alguns episódios desses. Mas não frearam os esforços de franciscanos, agostinhos, dominicanos e jesuítas, surgindo algum clero nativo já no seio destas ordens no séc. XVII. Este século seria porém o tempo do ocaso português na ilha, que se esfumaria em meados da centúria, quando os holandeses impõem o seu jugo sobre Ceilão e as proibições e restrições aos católicos cingaleses. Os quais, porém, não desapareceram, pelo contrário: resilientemente, suportaram a protestantização de Ceilão e continuaram a sobreviver algumas comunidades.

Deste tempo, recordemos o beato José Vaz (1651-1711), oratoriano de Goa, que disfarçado de escravo passou para a ilha para assegurar os sacramentos entre os católicos e efectuar conversões. Quando faleceu, em 1711, deixou 30 mil cingaleses convertidos, apesar das represálias e perseguições. Foi beatificado em 1995 por S. João Paulo II, que o designou como Apóstolo do Sri Lanka. Mas a sua posterioridade já não foi obra de portugueses. Sacerdotes católicos holandeses e irlandeses continuariam nos séculos seguintes o zelo missionário português, mantendo as comunidades vivas e activas. O Norte e o Noroeste, bem como a costa ocidental, esta em menor grau, foram e são as regiões de maior implantação católica até hoje.

Será um país com cerca de 1,5 milhões de católicos, numa população de 22 milhões de habitantes (aproximadamente, 7% da população), que o Papa Francisco irá encontrar, com uma arquidiocese (Colombo, sede metropolitana), e onze dioceses sufragâneas: Jaffna, Anuradhapura, Badulla, Balticaloa, Galle, Kandy, Chillaw, Kurunegala, Mannar, Ratnapura e Trincomalee. A guerrilha Tâmil, muito presente durante muito tempo no Norte, na diocese de Jaffna, obrigou ao encerramento de 110 igrejas/capelas e de 15 comunidades religiosas. Contudo, a Igreja Católica continua a crescer no País, atingindo em certas circunscrições metade da população desses territórios, com vocações e dinâmica de relevo no quadro asiático.

Vítor Teixeira 

vteixeira@porto.ucp.pt

Universidade Católica Portuguesa

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