Sónia Chaves, técnica de arte e restauro

«Perpetuar um legado que é de todos»

Numa altura em que se assinalam os dez anos da atribuição do título Património da Humanidade a determinados edifícios históricos de Macau, e, legitimamente, se pode questionar a capacidade para manter esse legado devidamente preservado, O Clarim falou com Sónia Chaves, técnica de conservação e restauro, para tentar perceber alguns dos meandros de uma actividade até agora muito pouco divulgada. Embora não conheça pessoalmente o território, Sónia tem aqui vários amigos, e, «se a oportunidade surgir», gostaria de poder ajudar «a manter em forma o interior de algumas dessas pérolas arquitectónicas que deixámos no Oriente».

A crise que afecta Portugal reflecte-se de forma demolidora na área do restauro, desprovida de fundos para poder continuar a sua função, Sónia, «especializada na conservação e restauro da pintura mural», não consegue de momento exercer a sua actividade, e, por isso, trabalha diariamente num conhecido alfarrabista da baixa de Lisboa. «Não me posso queixar da companhia. É boa e recomenda-se, mas preferia estar num andaime a retocar uma estátua ou a dourar o capitel de uma coluna jónica», comenta em tom jocoso.

«Rigor metodológico e paixão na execução» definem bem a profissão que exerce. Rigor em cada fase de um sempre minucioso trabalho para que, depois, no final, se possa analisar a obra no seu todo. Ao longo do processo o conhecimento dos factos históricos e das técnicas artísticas utilizadas nas diferentes épocas é obrigatório, o que pressupõe estudos prévios bastante apurados.

Sónia Chaves lembra que actualmente existem em Portugal várias escolas profissionais dedicadas ao ramo. Cita como exemplo o Centro Luso-Italiano de Conservação e Restauro que desenvolve «projectos integrados de valorização e gestão do património histórico e artístico que vão desde o diagnóstico e levantamento à promoção e gestão de monumentos, acervos e museus e locais de interesse histórico e à promoção de eventos». Com protocolos internacionais com o Istituto per l’Arte e il Restauro – Palazzo Spinelli de Florenza e a Cultural Heritage Tourism Association de Florença, o Centro Luso-Italiano realizou já mais de 400 intervenções nas áreas da pintura (tela e tábua), escultura em madeira, escultura em pedra, talha dourada, cerâmica, cerâmica arqueológica e documentos gráficos. Estes protocolos representam, «não só reconhecimento do trabalho desenvolvido e dos rigorosos princípios que o regem, mas também a garantia de intercâmbio permanente de informação técnica e científica com diferentes especialistas de renome internacional». A instituição conta com uma bolsa de colaboradores supervisionada por técnicos superiores seleccionados pela sua elevada formação académica, qualidade e rigor ético nas intervenções realizadas na sua área específica de actuação.

Assim, «o Centro Luso Italiano de Conservação e Restauro constitui um centro privilegiado de polarização de conhecimentos e tecnologias ligadas à área do Património o que permite garantir os mais elevados padrões éticos e de qualidade em todas as intervenções realizadas». Um dos cursos que disponibiliza «aborda de forma sintética a iconografia cristológica e mariana em recursos de estudo variados», curso esse que pretende facultar o formando de ferramentas «essenciais para reconhecer as principais representações e atributos de Jesus Cristo e da Virgem Maria».

Além de escolas profissionais, também as universidades integram no seu currículo cursos no sector da conservação e restauro. É o caso da Universidade Católica, com licenciatura nessa área fiel com o modelo enunciado no Tratado de Bolonha. Profundamente envolvida na salvaguarda do Património Cultural em Portugal, o Curso de Arte – Especialização em Conservação e Restauro «é um curso dinâmico e pleno de desafios, capaz de atrair todos os que gostam de obras de arte e da sua recuperação». É, além disso, um curso que alia uma importante componente de História da Arte e de Teoria do Restauro a actividades práticas de conservação de materiais orgânicos e inorgânicos. Nesse contexto os planos curriculares permitem não só «a aquisição de competências fundamentais nas áreas da conservação e reabilitação de bens culturais», como também «o estudo aprofundado sobre a Arte e o Património portugueses e internacionais, noções de inventariação do património cultural artístico, a sua divulgação e igualmente noções de gestão dos bens culturais móveis e imóveis».

Mas quais os processos necessários para fazer um bom restauro? «Primeiro de tudo», realça Sónia Chaves, «é necessário ter um conhecimento amplo das diferentes disciplinas de história, física, química, estética, etc… que completam o domínio das diferentes técnicas». Depois, há que fazer sempre «um trabalho preventivo e curativo de cada obra para assegurar a integridade do objecto».

Em Portugal, o património mais sujeito a trabalhos de restauro são sobretudo as igrejas e os palácios, mas também alguns dos belos solares do interior do País ou algumas vivendas da faixa costeira.

Sónia Chaves trabalhou durante alguns de forma independente antes de integrar a os quadros de uma conhecida empresa responsável por várias intervenções em igrejas e palácios em todo o País. «Foi uma experiência muito enriquecedora, tanto em conhecimento como nas técnicas diversas na pintura decorativa e douramento», diz. O trabalho que mais a marcou decorreu na Igreja de São Paulo, em Lisboa. «A nossa equipa era excepcional e toda a operação primou pelo maior rigor possível, a cada milímetro de execução». Estamos a falar da tela pintada a óleo de 420m2 no tecto do templo e que retrata a ascensão de São Paulo ao reino dos céus. «Só existem duas dessas representações na Europa», recorda Sónia.

Como se sabe muitos dos fundos para os trabalhos de restauro provêm de mecenas, públicos ou privados, cujo apoio Sónia Chaves considera fundamental, «pois o Estado quase nada investe». Uma das soluções mais utilizadas para financiar as obras de restauro é o recurso a painéis publicitários afixados aos oleados e faixas protectoras enquanto decorrem os trabalhos, algo que Sónia considera perfeitamente legítimo. «É sempre uma mais-valia. Tanto para o patrocinador, que assim vê o seu investimento premiado, como para o Estado, que pode dessa forma garantir a perpetuação de um legado que é, não esqueçamos, de todos», conclui.

Joaquim Magalhães de Castro

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