São Francisco Xavier

O Peregrino de Deus

«De que vale a um homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?» (Mc 8, 36)

Na passada quarta-feira, dia 3 de Dezembro, há 462 anos, aqui perto, na ilha de Sanchoão (Shàngchuān dǎo, ou ilha de S. João) partia para a Casa do Pai o Aventureiro de Deus, como lhe chamou o padre Lamet, SJ, que no século dava pelo nome de Francisco de Jassu AzpilkKueta Atondo y Aznáres, mas que ficou mais conhecido como Francisco (de) Xavier, presbítero da Companhia de Jesus, santo. De Xavier, porque nasceu no castelo homónimo, em Navarra, a 7 de Abril de 1506, pertencente à família aristocrática navarra que recebe o mesmo patronímico. Nobre no nascimento, na linhagem, mas mais nobre fora no coração e na virtude, as verdadeiras nobrezas. 46 anos depois daquele dia de Abril exalou o seu último suspiro para a maior peregrinação. Com Francisco de Xavier o mundo tornou-se total, apátrida, uma infinita vinha do Senhor para a lavra da missão.

Em 1525, depois de atribulada infância e adolescência, por entre guerras e mudanças, o alegre, doce, amável, gracioso Francisco começa mais uma demanda, desta feita Paris, bem para lá dos Pirenéus que acolitaram os seus passos até então. Paris, Sorbona, olimpo dos sábios e eruditos do seu tempo, universidade por excelência, às portas do turbilhão reformista que assolava a Europa: calvinistas, luteranos, anglicanos, anabaptistas, etc., irradiavam cada vez mais pela Europa, entre Paris e o Norte. Francisco ali chegava, em 1525, com cerca de 19 anos. Por ali ficou, começando a sua experiência de mundo. Para trás ficavam os estudos em Pamplona e noutras cidades navarras. Paris mudaria, todavia, a sua vida.

Os seus estudos universitários, propriamente ditos, apenas começaram em 1528, segundo vários autores. Seguro é que ali, em Paris, chegando a estudar filosofia, literatura e humanidades no Colégio de Sta. Bárbara, então dirigido por um português, Diogo de Gouveia, segue para a Sorbona, a universidade. Aqui conhece Iñigo López de Regalde, do castelo de Loiola, em Azpeitia, na Guipuzcoa (Países Bascos). Inácio, assim lhe chamemos, que nasceu em 1491 e viria a falecer em 1556. As relações entre ambos não começaram, ao que parece, da melhor forma, quando surge o intento de ambos de fundarem uma sociedade apostólica para defesa da Igreja e propagação da fé no mundo, que então se abria cada vez mais aos “novos mundos”. Mas Inácio, mais maduro e com resiliência, convenceria Francisco, lembrando-lhe: «De que vale a um homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?» (Mc 8, 36)…

No Verão de 1534, a 15 de Agosto, Inácio de Loyola e Francisco Xavier congregam-se com os companheiros de universidade e de exercícios espirituais, Pedro Fabro, Alfonso Salmeron, Diego Laynez, Nicolau Bobadilla e Simão Rodrigues (português), na Capela de Saint-Denis, em Montmartre (Paris), fazendo votos de castidade, obediência e pobreza, submetendo-se à disposição do Papa para que este os envie onde entender ser necessário. Escopo de missão, de fervor apostólico que estão assim na matriz da fundação de um novo instituto religioso, a Companhia de Jesus, que rapidamente enxamearia pelo mundo, convertendo, ensinando, evangelizando, aproximando os mundos e lutando pela defesa da fé. O Papa Paulo III só aprovará o novo instituto em 1541. Entretanto, Francisco ordena-se sacerdote em Veneza, a 24 de Junho de 1537, dia de S. João Baptista, padroeiro de Macau, curiosamente.

Portugal estava então a dilatar o seu império ultramarino, em particular no Oriente, onde dominava o Índico e se balançava para o Extremo Oriente. Para além do comércio e actividades militares, também o escopo missionário animava a Coroa Portuguesa. D. João III pede a Roma o envio dos jovens presbíteros da Companhia de Jesus, ainda à espera da aprovação papal, mas já laborando em Roma. Francisco é destinado às Índias e vem para Lisboa, de onde sai para o Oriente no seu aniversário, em 1541. Poliglota (falava Castelhano e Euskera, dominava também o Alemão, Francês e Italiano, além do Latim, não tendo dificuldades com o Português), a missão era o seu destino. E a sua eterna peregrinação. Que começa em Goa, em Maio de 1542, com Francisco de Mansilha e Paulo Camarate. Nas prisões, no hospital Real e junto dos leprosos em S. Lázaro em Goa, começa o seu zelo, com tempo para escrever um Catecismo que mais tarde seria traduzido em várias línguas na Ásia. Depois deste “estágio” goês passa em 1543 para a “Costa da Pescaria”, Sul da Índia. Até 1549 percorre boa parte da Índia, Ceilão, Malaca, Celebes, Molucas, onde missiona em 1546-47. Neste ano conhece em Malaca Fernão Mendes Pinto, viajante e mercador português a regressar do Japão.

Nasce um novo objectivo de missão para Francisco: o Japão. A sua acção missionária era já intensa, imparável. Não vamos aqui avaliá-la, mas podemos referir que o jesuíta nunca descurou o aperfeiçoamento metodológico nem o assumir de falhas. Mas a sua obra nunca cessou, estendeu-se ao Japão, onde se acha entre 1549 e 1551, quando regressa à Índia, com novas ideias e projectos. Mas com muitas inimizades. Inácio lá longe em Roma era o organizador, Francisco o apóstolo, o homem de acção. A China, depois da etapa nipónica, de renovação de métodos e de reflexão de formas de missão, de consciência de problemas e inêxitos, passa a ser o seu zénite. Dar a conhecer o Cristianismo à imensa China. Mas tal não passou de um sonho. Ainda jovem, mas de fraca saúde, o antes gracioso e elegante Francisco, agora um sacerdote engolido pela enfermidade e pela severidade de vida, pobreza e zelo missionário, num afã imparável, sucumbia às portas da China, não longe da actual Macau, que na altura não era mais do que Hou-Kiang, com quem os portugueses de Sanchoão e Lampacau comerciavam. Ali, com o seu discípulo, António, agarrado ao crucifico que Inácio lhe oferecera um dia que perdera e o mar lho devolver no Oriente, numa choupana à espera de navio para Cantão, morria o Apóstolo das Índias, acabando a sua interminável peregrinação no vale de lágrimas do mundo. Em 1622 foi canonizado por Gregório XV, sendo Patrono das Missões desde 1904. Francisco Xavier foi o portador do Evangelho nos trópicos, o semeador do Evangelho da alteridade.

 Vítor Teixeira

Universidade de São José

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