Sábio e Doutor da Igreja
Santo Agostinho, ou Aurelius Augustinus Hipponensis (em Latim), nasceu em Tagaste, na Numídia (moderna Souk Ahras, Argélia), no norte da África, no dia 13 de Novembro do ano 354. Filho de Patrício, um pagão, materialista e mundano, e de Mónica, profundamente cristã, que depois se tornaria santa. A influência dos pais foi muito grande na sua vida, primeiro por parte de Patrício, depois e de forma mais decisiva por Santa Mónica. Agostinho morreria em Hipona (Hippo Regius), também na Numídia, a 28 de Agosto de 430. Tinha 75 anos de idade mas uma obra e pensamento que o tornariam não apenas Santo mas também Doutor da Igreja, um dos sábios mais influente do Cristianismo e não só, de toda a filosofia ocidental, uma das figuras mais importantes do conhecimento e um dos fundadores da humanidade moderna.
O Doutor da Graça, como é conhecido, foi o máximo pensador do Cristianismo do primeiro milénio da Encarnação, um dos maiores génios de todos os tempos. As suas Confissões e a Cidade de Deus são as suas obras mais famosas, entre dezenas que escreveu, todas decisivas, mas aquelas fazendo parte do património, do DNA, da matriz, da cultura ocidental e principalmente do Cristianismo. E não só! A Filosofia e a Teologia muito lhe devem, incontornavelmente.
Agostinho realizou os primeiros estudos em Tagaste, indo depois para Madaura, actual M’Daourouch, a trinta quilómetros da sua cidade natal. Com 17 anos de idade, seis depois da ida para Madaura, foi para Cartago, onde Romaniano, amigo do pai, o ajudou e se tornou seu protector; durante três anos dedicou-se com afinco ao estudo e à leitura de livros, entre os quais se destaca o “Hortênsio” de Cícero, que o impressiona profundamente. A sua formação era ainda de matriz pagã, no entanto. Com vinte anos regressou a Tagaste, como professor, com uma mulher e um filho, Adeodato, retornando pouco depois para Cartago também como professor. Foi ensinar em Roma, rumando depois para Milão, onde conquista a cátedra de Retórica na casa imperial, desenvolvendo também a actividade de professor daquela disciplina.
Agostinho, apesar dos sucessos como professor, do reconhecimento, era um homem inquieto que sentia o coração vazio, poderíamos dizer. Não era feliz. Mónica, sua mãe, acabaria por o encontrar em Milão, impulsionando-o a ir ouvir pregações de (Santo) Ambrósio, arcebispo da cidade e grande pensador, também ele mais tarde considerado Doutor da Igreja. O Hedonismo dominava a vida mundana de Agostinho, a par do Maniqueísmo, dualista, que lhe dominava o pensamento e os estudos.
Mas Agostinho continuava mergulhado naquele vazio. Estava numa longa caminhada, numa luta para se transformar, o seu coração, principalmente. No mês de Agosto de 386, meditando no jardim, ouviu uma voz de criança, que lhe disse «tolle et lege» (toma e lê). Eram as Cartas de São Paulo, onde leu, entre outros notáveis pensamentos: “Não é nos prazeres da vida, mas em seguir a Cristo que se encontra a felicidade”. Sim, bateram forte no âmago de Agostinho estas palavras. Dissiparam-se-lhe as dúvidas. Era pois a sua conversão. Eis a felicidade, pois encontrou Deus no seu coração, a paz e a verdade que procurava, como mais tarde referiria. Em 387, na Vigília da Páscoa, era baptizado. Em 388, o seu filho, Adeodato, considerado uma inteligência superior e que vivia com o pai, faleceria, afectando Agostinho de forma decisiva.
Agostinho decide então voltar a Tagaste, para morar com seus amigos e entregar-se inteiramente ao serviço de Deus por meio da oração e o estudo. Em 391, em Hipona, era proclamado sacerdote pelo povo, tendo sido ordenado pelo bispo Valério. Em 395 era consagrado bispo da cidade, daí Agostinho de Hipona. Vivia em comunidade, tentando seguir o ideal das primeiras comunidades cristãs, na pobreza e na partilha. A comunidade eclesial de Hipona, em torno do prelado Agostinho, era formada em boa parte por pobres, dos quais a voz era aquele santo bispo, que os apoiava, defendia.
Agostinho enquanto bispo defendia que uma das suas funções era administrar os bens da Igreja, de forma a recolher daí benefícios, para depois os dividir entre os pobres. Acolher os peregrinos, proteger órfãos e viúvas, entre outras funções, notabilizaram o episcopado de Agostinho, tudo encarando como um serviço aos pobres e à Igreja. Contrariado, foi ainda juiz, afamado pela inteligência e justiça.
Tinha ainda tempo, numa era de labor apostólico intenso, de pregação, acção pastoral, etc., para estudar e escrever, mas principalmente, orar. Escreveu, tanto quanto sabemos, 113 obras, sem contar as Cartas – conservam-se mais de duzentas – e os Sermões. A maior parte das obras de Santo Agostinho surgiu no contexto dos problemas ou das preocupações doutrinais em debate na Igreja do seu tempo; as polémicas em que ele mesmo esteve envolvido, principalmente contra os Maniqueístas (heresia que defendia um confuso dualismo cósmico – o bem contra o mal em eterno conflito – e desvalorizavam de forma perversa toda a Criação), os Donatistas (que atribuíam a eficácia dos sacramentos unicamente ao ministro, negando sua acção, como sinal eficaz da graça e ainda se consideravam a “Igreja dos santos”) e os Pelagianistas (que defendiam que o homem se salva por suas próprias forças, sem precisar da graça de Deus).
Além do combate aos adversários da Igreja, este prolífico Autor escreveu outras obras, de natureza exegética (“Sobre a Trindade”), e pastoral (“Sobre a Catequese dos simples”). Mas, destaque-se a Cidade de Deus, o primeiro intento de interpretação cristã da história, e as Confissões, onde Agostinho demonstra que o Mal é gerado pela fraqueza dos homens, além de evidenciar e demonstrar Deus como fonte de todo o Bem e da Verdade absoluta. As Confissões são pois um louvor à Graça de Deus. A sua obra e todo o seu pensamento ultrapassariam todavia os limites da sua época e viriam a influenciar decisivamente, para lá do Ano Mil, toda a Idade Média e depois até à nossa época, no pensamento, na Filosofia e na Teologia, na cultura e na vida religiosa. Agostinho morreu no dia 28 de Agosto do ano 430 e seus restos, depois de longa peregrinação, descansam na cidade de Pavia, no norte da Itália.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa