Santa Maria, Mãe de Deus – I

Benedicta Tu in Mulieribus!

  1. Bendita sois vós entre as mulheres!

Este ano comemora-se o centenário das aparições da Virgem de Fátima que decorreram entre Maio e Outubro de 1917 na Cova da Iria, em Portugal. O Santuário de Fátima, construído onde essas aparições tiveram lugar, é, juntamente com o Santuário de Lourdes, um dos principais centros internacionais de culto mariano visitado todos os anos por milhões de peregrinos de todo o mundo. Na verdade, num ano não-comemorativo visitam Fátima entre 4 a 5 milhões de pessoas, já Lourdes recebe cerca de 8 milhões de visitantes, Aparecida, no Brasil, 6,6 milhões, e Guadalupe, no México, ganha o prémio com cerca de 20 milhões de peregrinos por ano, constituindo-se assim como o maior centro de peregrinações do mundo em termos de número de visitantes.

Os seus 20 milhões de visitantes anuais estão muito longe dos 2,3 milhões de muçulmanos que visitam Meca anualmente por ocasião da “Hajj”.

 

O CULTO MARIANO

O culto mariano é parte essencial da fé católica e as suas raízes penetram fundo no seio da Igreja Universal. Assim, a veneração da Virgem Santa Maria apresenta-se como um elemento unificador de todas as tendências da Igreja Católica, pois tanto romanos como orientais mostram pela Mãe do Redentor semelhante devoção. Pelo contrário, os protestantes e evangélicos consideram que o culto mariano se rivaliza com o culto a Deus e a Jesus Cristo, e no seu zelo escrupuloso de não ofender a Deus por venerar a sua mãe, chegam mesmo a desrespeitá-la. Esta não era, porém, a bem da verdade, a posição inicial de Lutero, o pai da reforma protestante, o qual era muito devoto da Virgem Maria; já Calvino desde o início considerou o culto de Maria, e a veneração de santos e anjos, como actos de idolatria.

Mas não se trata, o culto da Virgem Maria, de um acto de idolatria nem, muito menos, se rivaliza este com o culto de Jesus Cristo. Isto porque o culto mariano não faz nenhum sentido a não ser à luz de Cristo, pois Maria não seria merecedora de nenhuma veneração não fosse a divindade do seu filho.

A veneração ou culto à Virgem Maria começou por estar integrada no culto ao seu filho. Assim, a comemoração da Anunciação da Virgem, por exemplo, deriva da Encarnação do Senhor, pois estes dois eventos referem-se, na verdade, ao mesmo facto visto de duas perspectivas diferentes: a Encarnação tem Jesus como seu sujeito enquanto que a Anunciação mostra o mesmo evento mas de uma perspectiva mariana. Mas, a verdade é que sem Cristo e a sua Encarnação, a Anunciação nunca se teria dado. Este caso, entre outros, mostra bem como o culto mariano só existe em consequência do culto a Jesus, seu filho.

A partir do séc. IV, e sobretudo depois da definição do dogma de Maria como “Theotókos” (Grego θεοτόκος, Latim “Deípara”) isto é Mãe de Deus, advogado por Santo Cirilo de Alexandria no Concílio de Éfeso (431), o culto de Maria torna-se mais autónomo e como tal começam a aparecer festividades relativas apenas à Virgem Maria como seja a Dormição que viria, no Ocidente, a dar a festividade da Assumpção de Maria. Mas mesmo aqui, o mistério que subjaz à Assumpção de Maria depende de Cristo, na medida que Maria só é assumida aos céus em corpo e alma em virtude da sua maternidade do salvador.

 

A NATUREZA DO CULTO A MARIA

O culto prestado à Virgem Maria é-lhe devido em primeiro lugar por causa do seu estatuto de Mãe de Deus e em segundo pela sua concepção imaculada, que a prepara para o mistério da maternidade divina. O culto ou veneração de Maria é substancialmente diferente do culto devido a Deus e a Jesus Cristo. O culto devido a Deus e a Jesus Cristo enquanto pessoa da Santíssima Trindade é a adoração, em Latim “cultus latriae”, enquanto que o culto prestado à Virgem Maria é a veneração. Veneração é também prestada aos santos, aos mártires e até aos anjos. Mas, em virtude do seu estatuto de Mãe de Deus, a veneração à Virgem tem um grau mais elevado do que a veneração aos demais santos. Assim, embora em Português nós não façamos diferença no uso da palavra veneração, teologicamente estas duas variedades de veneração são distintas entre si os seus nomes em Latim reflectem essa diferença. A veneração dos santos é chamada “cultus duliae” enquanto que a veneração da Virgem Maria é chamada de “cultus hyperduliae”, em que o prefixo hyper- mostra o carácter particular da veneração a Maria.

A veneração da Virgem Maria é também diferente do culto devido a Deus na medida em que a adoração a Deus é-lhe devida em vista de quem Ele é em si mesmo (perseitas), já a veneração à Virgem Maria lhe advém da relação que esta tem com Deus por ser mãe de Jesus; é através de Deus que ela se torna merecedora de culto. Toda a dignidade da Virgem Maria vem-lhe de Deus em virtude da sua maternidade da segunda pessoa da Santíssima Trindade.

 

MARIA NAS ESCRITURAS

O culto da Virgem Maria encontra a sua justificação em primeiro lugar na Sagrada Escritura. O Anjo Gabriel dirige-se à Virgem Maria dizendo «Bendita sois vós entre as Mulheres» (Lc. 1,28), palavras repetidas na saudação da sua prima Isabel aquando do episódio da Visitação (Lc. 1,42), momento em que pela boca de Isabel, Maria é reconhecida como Mãe de Deus pela primeira vez na Sagrada Escritura «de onde me é dado, que me venha visitar a mãe do meu Senhor?».

O cântico do “Magnificat” profetiza o estatuto venerando de Maria ao dizer «De agora em diante chamar-me-ão Bem-aventurada todas as gerações» (Lc.1,48). Ainda no evangelho segundo São Lucas se faz referência a uma mulher que de entre a multidão grita a Jesus dizendo «Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que te amamentaste» (Lc. 11,27), ao que Ele responde «Antes bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus, e a observam» (Lc. 11,28), como que dando o motivo pelo qual a sua Mãe é Bem-aventurada, ou seja, por ouvir e observar a palavra de Deus ao dizer o seu Sim!

A Virgem Maria já se encontra presente em muitas passagens do Antigo Testamento, quer prefigurada em personagens femininas como Sara, Rebeca, Raquel entre outras, quer invocada em imagens como a Filha de Sião ou Arca do Pacto. De todas as passagens do Antigo Testamento em que se pode ver a imagem prefigurada da Virgem Maria, as mais importantes encontram-se no Livro do Génesis e na Profecia de Isaías.

 

A MÃE DO SALVADOR DO MUNDO

No Livro do Génesis, depois de Adão e Eva terem comido do fruto que lhes havia sido proibido, Deus amaldiçoa a serpente por esta ter conduzido em erro o Homem: «Então o Senhor Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isso, maldita serás tu entre todos os animais domésticos, e entre todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a sua descendência; esta te esmagará a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar» (Gn. 3.14-15). Esta passagem profetiza Jesus como o descendente da mulher, e esta mulher é Maria, a Nova Eva. O descendente de Maria esmagará a cabeça da serpente, aqui usada como imagem do erro e do mal. Esta interpretação só é possível de se fazer a partir do texto da Vulgata, já que no original Hebraico o género gramatical dos pronomes não permite esta interpretação.

Já a profecia de Isaías é mais directa no seu conteúdo: «Portanto o Senhor, ele mesmo, vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e o seu nome será Emanuel» (Is. 7:14). Esta passagem refere-se a Maria como a virgem que conceberá ao Emanuel. Emanuel, do Hebraico עִמָּנוּאֵל, é uma palavra composta que quer dizer “Deus entre nós” ou “Deus connosco”, querendo-se esta referir à pessoa da Trindade que habitará entre os Homens.

Estes dois textos do Antigo Testamento que profetizam a vinda e a missão de Jesus, primeiro como fim do mal e do erro e o segundo como a incarnação de Deus como Homem, fazem-no em estrita conexão com a Virgem Maria, sua mãe.

O primeiro texto anuncia, imediatamente após a queda do Homem, o modo como o mundo há-de ser redimido e o segundo profetiza como há-de chegar o Messias de Israel que virá para redimir o mundo; em ambos é Maria a porta pela qual a salvação entra no mundo.

A dignidade da Virgem Mãe advém do facto de que Jesus Cristo, sendo verdadeiro Deus e também verdadeiro Homem, recebe a sua humanidade de Maria e é daí também que deriva o papel activo de Santa Maria na redenção do género humano. É por causa desta participação, já preanunciada na Antiga Aliança, que a Virgem Maria tem o estatuto que tem e é em virtude desse estatuto que nós a veneramos.

 

A CAUTELA NECESSÁRIA NO CULTO MARIANO

É a devoção à virgem Maria que leva milhões de pessoas todos os anos a deslocarem-se aos grandes centros de peregrinações, como sejam Guadalupe, Lourdes ou Fátima e é a participação que Maria tem na vida activa da Igreja que faz destes centros de peregrinações parte do culto mariano. Na verdade na maior parte deles, embora não em todos, a Virgem Maria pareceu trazendo alguma mensagem para a humanidade e para a Igreja.

Cautela, no entanto deve ser exercida no que diz respeitos a aparições da Virgem Maria e a peregrinações a centros de culto mariano e os fieis devem esperar as devidas aprovações de Roma para visitar tais lugares a perigo de caírem nas redes de fraudes, muitas vezes bastante elaboradas, que nas mais das vezes estão apenas atrás do dinheiro dos fieis.

É preciso ter paciência e esperar que as autoridades romanas que têm peritos capazes de determinar se os fenómenos registados são ou não de natureza sobrenatural (Latim “constat de supernaturalitate”). É certo que as investigações podem levar anos; as aparições de Fátima só foram aprovadas em 1930, treze anos após terem acontecido. Também as outras duas aparições confirmadas pela Igreja depois de Fátima, as aparições na vila de Beauraing, entre Novembro de 1932 e Janeiro de 1933 e as de Banneux, entre Janeiro e Março de 1933, ambas na Bélgica, só foram aprovadas pelo Santo Ofício 16 anos depois, em 1949.

Em Espanha há cerca de 200 supostas aparições da Virgem Maria, algumas como as de Prado Nuevo del Escorial, negadas pela Igreja e com pesados processos judiciais encima ou as de Peña Sagra, Santander, já negadas quatro vezes pelo Prelado cantábrico e com confirmação das suas decisões por parte de Roma. Apesar de tudo isto estas aparições continuam a arrastar fiéis que muitas vezes se põem à mercê de elaborados esquemas, que muitas vezes no final acabam por afastá-los da Igreja quando esta, ao cumprir o seu dever de escrutínio de tais fenómenos, nega o seu carácter sobrenatural.

Em Abril de 2002, o programa “Al Descubierto”, do canal espanhol Antena 3 pôs a nu a fraude da chamada “La Virgen de la Bola de Luz”, quando as câmaras de televisão, com a ajuda de jornalistas que se fizeram passar por devotos prontos a fazer um grande donativo em dinheiro com câmaras ocultas apanhou em flagrante a suposta vidente, Carmen Lopez, de túnica e peruca e com a bola de luz nas mãos. Era assim chamada porque a virgem aparecia à noite no meio das árvores com uma grande bola de luz vermelha nas mãos. Mas as câmaras aproximaram-se e apanharam a vidente e o marido de túnica e de peruca, ela a fazer-se passar de Virgem Maria e ele de Nosso Senhor. As aparições decorriam em El Higueron, Sevilha, há anos e apesar da proibição e dos muitos avisos de fraude por parte do arcebispo de Sevilha, sacerdotes continuavam a levar fiéis à tais aparições, a confessar no local e a celebrar missas.

Os fiéis não têm as ferramentas metodológicas necessárias para saber se as supostas aparições são ou não verdadeiras, e devem esperar pela confirmação da Igreja. De qualquer modo, o arcebispo de Sevilha deixa uma pista, diz ele que quanto mais espectaculares os fenómenos mais difíceis de serem verdadeiros.

Roberto Ceolin 

Universidade de São José

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