Já “cheira” a Natal
Pouco mais de duas semanas depois da minha chegada às Caraíbas, precisamente à ilha de Curaçao, o veleiro está com o casco pintado, um dos estais reparado – torceu por incompetência da Curaçao Marine, que não assumiu a responsabilidade – velas nos respectivos locais, retranca, mastro, enrolador de proa, motor testado e quase todos os sistemas a funcionar.
Cheguei a 8 de Novembro e no dia 13 já o Dee estava na água. A 19 mudei para o ancoradouro onde estou até à chegada do resto da tripulação, em meados de Dezembro.
Havia calculado cinco a dez dias em doca seca, mais cinco a dez no pontão da marina. Consegui terminar tudo em pouco mais de dez dias, isto é, em metade do tempo. Graças a Deus não houve complicações de maior, apesar do percalço do estai. Como meti aos mãos no problema assim que percebi que iriam “sacudir a água do capote”, rapidamente resolvi a questão.
Relativamente à preparação do barco, pouco mais há a adiantar. Está tudo dentro dos parâmetros operacionais que já esperava, sem que tenha feito grandes investimentos. Resta um problema com o sistema de água doce, que não tem pressão. Havia uma fuga numa das ligações no compartimento do motor. A fuga foi reparada, mas o sistema continua sem pressão. Os próximos dias vão ser dedicados a tratar deste pequeno problema. A ver se consigo encontrar uma solução para o mesmo. Caso não seja possível, vamos ter de nos adaptar.
Na semana passada, já depois de ter terminado os trabalhos necessários, o vento aumentou, pelo que decidi esperar uns dias. Aproveitei para arrumar mais algumas coisas no interior do veleiro e lavar o convés. Durante todo o fim-de-semana o vento soprou forte, mas no início da semana baixou para níveis mais aceitáveis. Pelo que dizem, é normal nesta época do ano.
Com tantos projectos e tarefas não restou muito tempo para conviver com amigos e com as outras pessoas que vivem ou frequentam a marina. Nas próximas semanas, caso não haja nenhuma complicação que necessite de mais atenção da minha parte, irei tentar descobrir o que a comunidade portuguesa e católica de Curaçao está a preparar para a Quadra de Natal. Há uma igreja dedicada a Nossa Senhora de Fátima. Vou procurar falar com o pároco para saber qual o programa para a época de Natal.
Nós ainda não decidimos se iremos aqui estar até ao Natal, pois somos capazes de ficar com poucos dias para chegar a outra ilha antes do Ano Novo. No dia 7 de Janeiro é o aniversário da Maria e não queremos correr o risco de o celebrar no mar. O mais sensato será deixar a ilha antes de 20 de Dezembro, para termos dias suficientes para aportar numa das ilhas localizadas a Norte (Jamaica, Hispanhola, Porto Rico, ou até mesmo as Ilhas Virgens Americanas).
Voltando ao lado religioso da ilha de Curaçao – predominantemente católico, embora haja grande presença de protestantes, não fosse uma antiga colónia holandesa – a sua vertente católica é pois visível em muitos locais. Aos fins-de-semana, especialmente ao Domingo, é normal ver as igrejas cheias logo de manhã cedo. Como acontecia há muitos anos em Portugal e Macau, são local de encontro da comunidade. É nos adros das igrejas que os amigos e familiares se encontram ao final da semana para falar sobre aquilo que a correria dos chamados dias úteis de trabalho não lhes permitiu partilhar.
As missas, pelo que me foi dado a constatar, são rezadas essencialmente em Papiamentu (um dialecto local, algo semelhante ao Patuá), mas também em Holandês e Espanhol, as línguas mais faladas. Há igualmente serviço religioso em Inglês. Várias vezes ao ano é ainda celebrado em Português, uma vez que a comunidade portuguesa é relevante em Curaçao, sendo parte considerável da sociedade. Muitos são portugueses da Madeira que vieram nos anos 30 para trabalhar na refinaria da Shell. Entretanto, chegaram muitos portugueses e luso-descendentes da Venezuela devido à crise que se vive neste país da América Latina.
Das famílias que vieram nos anos 30, algumas já vão na terceira e quarta gerações. Embora estejam completamente integrados nos hábitos locais, continuam a preservar as características da cultura portuguesa, nomeadamente as suas raízes madeirenses. Aliás, um dos restaurantes mais caros e mais bem frequentados da ilha serve a típica espetada madeirenses. Até no próprio Governo há pelo menos dois altos dignitários com sangue português.
Apesar do clima ser quente e tórrido a maior parte do ano, tal não impede que sintamos o espírito natalício. É verdade que o Natal está inevitavelmente ligado ao frio e à neve, mas nem por isso os habitantes de Curaçao deixam de se sentir embalados na Quadra que apregoa a bondade e a entreajuda.
À semelhança do resto do mundo, o lado comercial do Natal está bem espelhado nos estabelecimentos abertos ao público, sobretudo nos centros comerciais, os quais competem entre si para ver quem consegue as decorações mais extravagantes. Claro está que não faltam as tradicionais árvores de Natal, que por cá são todas artificiais. Obviamente!
João Santos Gomes