As Primeiras Testemunhas
Depois da Ressurreição, Jesus deixou-se ver por muitos dos seus discípulos e até comeu e bebeu com eles. No entanto, a princípio muitos não foram capazes de o reconhecer, não até que abertos os seus olhos, finalmente puderam ver que era o Senhor.
Jesus aparece a sua Mãe
De acordo com a Tradição da Igreja, depois da ressurreição, Jesus encontrou-se com sua Mãe. Este encontro não vem descrito nos evangelhos tal como o encontro com Verónica no caminho do Calvário também não vem. Mas a tradição do encontro de Jesus Ressuscitado com Maria, sua mãe, está muito bem representado, por exemplo, em pinturas medievais ou nas procissões de Semana Santa nos países do sul da Europa.
Em Salamanca, para mencionar um caso, a seguir à Missa de Domingo de Páscoa, depois de terem andado em procissão por toda a cidade cada qual seguindo o seu próprio itinerário, os andores de Cristo Ressuscitado e de Nossa Senhora das Dores finalmente se encontram frente a frente na Praça da Sé. O manto negro de Nossa Senhora cai e esta passa a envergar um glorioso manto branco, transformando-se assim em Nossa Senhora da Alegria. A Procissão do Encontro é particularmente emotiva e põe termo às procissões de Semana Santa em muitas cidades espanholas.
Seria apenas lógico que Jesus se tivesse encontrado com aquela que sendo sua mãe o acompanhou até ao patíbulo da cruz e estupefacta assistiu impotente a todo aquele horrendo espectáculo ainda que esse encontro não viesse descrito nos evangelhos. Mas, o Evangelho de São Lucas conta um episódio da infância de Jesus que poderia ser visto como uma prefiguração deste encontro.
Lc., 2 45E, como o não encontrassem, voltaram a Jerusalém em busca dele. 46E aconteceu que, passados três dias, o acharam no templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os. (…) 48E, quando o viram, maravilharam-se, e disse-lhe sua mãe: Filho, por que fizeste assim para connosco? Eis que teu pai e eu, ansiosos, te procurávamos. 49E ele lhes disse: Por que é que me procuráveis? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai? 50E eles não compreenderam as palavras que lhes dizia. (…) 51E sua mãe guardava no coração todas essas coisas.
Este episódio solto da adolescência de Jesus é algo excepcional e vê-lo como uma prefiguração do posterior encontro provê-lo-ia de alguma razão de ser. Também aqui, encontrando-se Jesus e sua mãe em Jerusalém por ocasião da Páscoa Judaica, este desaparece e ressurge passados três dias e que mais poderia ser, senãotratar dos negócios de seu pai,o descer aos infernos para libertar os mortos das suas cadeias e o voltar à vida para assim proclamar a vitória da vida sobre a morte? Em ambas situações Maria está em agonia até que se dá o reencontro. Talvez a maior diferença entre os dois episódios seja o facto de que após a visita do ressuscitado, Maria finalmente foi capaz de entender todas aquelas coisas que ao decorrer dos anos foi guardando no seu coração.
Jesus aparece a Maria Madalena
É de notar-se que, de acordo com os evangelhos, a Ressurreição de Cristo é testemunhada primeiro não por Pedro ou por outro apóstolo, mas por mulheres, que são consideradas pela sociedade judaica da altura quase como cidadãos de segunda. Uma destas mulheres que primeiro testemunhou a ressurreição foi Maria Madalena.
Quando Maria Madalena encontra Jesus fora do sepulcro esta não o reconhece e pensa estar a falar com o jardineiro. A palavra para jardineiro usada no original Grego do Novo Testamento é κηπουρός kēpourós (hortulanusna Vulgata). Mas esta palavra grega, composta de κῆπος kḗpos“jardim” e οὖρος oúros“guarda, vigia”, não quer dizerjardineirono sentido que nós hoje lhe damos mas sim guardaou vigiade um jardim.
Na antiguidade, os cemitérios ficavam sempre fora das muralhas por medo de epidemias. Nós sabemos que o lugar do enterro de Jesus ficava fora das muralhas de Jerusalém, ainda que hoje a igreja do Santo Sepulcro se encontre dentro das actuais muralhas, e sabemos também que não se tratava de um cemitério qualquer já que a tumba onde o corpo de Jesus foi deposto pertencia a José de Arimateia, membro do Sinédrio. Assim sendo, este kēpourós deveria tratar-se de uma espécie de guarda que manteria fora do cemitério, por exemplo, leprosos que se refugiavam onde podiam, ladrões que roubavam quem vinha visitar as tumbas dos seus antepassados ou outros que não tinham destino certo.
Aquando da expulsão do Homem do Jardim do Éden por causa do pecado original, Querubins passaram a guardar a entrada do jardim e uma espada de fogo impedia o acesso à Árvore da Vida. A palavra κῆπος kḗpos “jardim” não aparece na Septuaginta, a versão Grega do Antigo Testamento. Em vez disso a Septuaginta traduz a palavra jardim na expressão hebraica גַּן־עֵדֶןgan- ‘ēden“Jardim do Éden, ou dos Prazeres” pela palavra παράδεισος parádeisos, palavra persa cujo significado original era jardim, e desde então usada para se referir ao Paraíso.
A tradução grega traz consigo consequências teológicas para a interpretação destes textos já que o Paraíso é a recompensa final para os justos. Também o Tamud faz referência a um Jardim do Éden superior como recompensa final.
Junto ao sepulcro, Maria Madalena, a princípio toma Jesus pelo guarda do cemitério, pelo responsável por impedir a entrada a pessoas estranhas, função similar àquela que tinham os Querubins que foram postos à porta do Jardim do Éden. Mas assim que Jesus chama Maria Madalena pelo seu próprio nome, esta imediatamente reconhece Jesus e este deixa de ser a imagem do guarda que bloqueia a entrada ao jardim, muito pelo contrário ele é o verdadeiro caminho para o Paraíso; a sua cruz transformou-se na verdadeira Árvore da Vida que toma agora o lugar da antiga árvore no centro do jardim cujo acesso era impedido pela espada de fogo da antiga lei.
O triunfo da vida sobre a morte que nos chega através da Paixão, Morte de Ressurreição de Jesus Cristo abriu as portas do Paraíso que por causa do pecado permaneciam fechadas; a Ressurreição retira os guardas e permite-nos o acesso à Árvore da Vida.
Roberto Ceolin
Universidade de São José