Regina Alves

Uma vida em Chaves.

Regina Alves é o nome pelo qual é conhecida em Macau. Nascida na família macaense Alves, de que também faz parte o advogado Leonel Alves, seu primo, desde os dezoito anos que vive em Portugal.

Foi em 1967 que chegou a Coimbra para estudar Serviço Social, curso que terminou mas que nunca chegou a exercer. O casamento com um médico, natural de Aveiro, trocou-lhe as voltas da vida, acabando por se fixar na cidade de Chaves, lá bem no Norte de Portugal, junto a Espanha, em 1981.

O marido, depois de se formar, foi para ali trabalhar e por lá se mantiveram até aos dias de hoje. A ida para Macau foi algumas vezes abordada a pedido da família no território, visto haver necessidade de clínicos em Macau, mas o facto do marido não dominar a língua chinesa e não concordar com a necessidade de efectuar consultas recorrendo a um intérprete acabou por pesar na decisão de ficar em Portugal, onde desenvolveu a carreira profissional. Regina Alves foi coadjuvando o marido no consultório clínico até se reformar, ao mesmo tempo que ia criando três filhos e ajudando com os netos.

«– Agora, já reformados, poderia ser a altura ideal para irem viver para Macau», atirámos, em jeito de desafio. Regina, com um sorriso nos lábios, explicou que «ideal até poderia ser, mas não faria qualquer sentido passado todos estes anos». Além de que o marido «tem uma ligação afectiva muito forte com a mãe», de idade muito avançada. «E com filhos e netos» nas suas vidas, regressar à terra natal, mesmo que apenas durante um ano, «não faria muito sentido», insiste. Tanto mais que Macau é muito quente no Verão e no Inverno também não é muito agradável com a humidade e temperaturas mais baixas. Estando a família muito bem integrada na cidade de Chaves, onde é conhecida de todos, a mudança para Macau seria despropositada.

De Macau guarda «as memórias normais de uma rapariga cheia de vida e de muitos amigos». Uma infância e juventude vividas numa habitação da Santa Casa da Misericórdia de Macau, na Calçada de Santo Agostinho. Guarda também «alegres memórias dos piqueniques, das brincadeiras na rua, dos passeios de bicicleta com os amigos e amigas, mas também dos cheiros e sabores de uma cidade que quase já não existe».

Com especial carinho lembra-se das tardadas de cinema cantonense com as três irmãs. «Comprávamos bilhetes de cinema e passávamos a tarde inteira a ver filmes chineses».

«Dos amigos de Macau, do grupo do Liceu Nacional Infante D. Henrique», Regina lembra que eram «tão amigos, uma amizade tão forte, que nunca houve namoros entre eles». Assim se mantiveram amigos até hoje. «Dos que vieram para Portugal, para continuar os estudos, alguns, poucos, regressaram a Macau, mas vieram outra vez para Portugal».

A primeira visita a Macau, depois de ter rumado a Portugal para estudar, foi em 1975, já casada e com um filho a fazer três anos. Nessa primeira viagem passou dois meses em Macau e não notou grandes diferenças relativamente à cidade que tinha deixado oito anos antes. O território ainda mantinha a fisionomia tradicional, as pessoas continuavam as mesmas. «As mesmas ruas, lojas, caras conhecidas, enfim, nada havia mudado em meia-dúzia de anos». Até o característico bafo de Macau ainda se mantinha quando em Agosto regressou a Portugal.

Numa das idas a Macau ficou «chocada» com as mudanças na cidade que a viu nascer, embora fosse algo que vinha notando nos anos que visitara o território. O que mais a surpreendeu pela negativa foi a falta de educação dos taxistas. Nunca irá esquecer que apanhou um táxi à chegada, tendo dito a morada, com o nome da rua e o número da porta. O taxista respondeu, de forma ríspida, que não valia a pena dar o número, pois iria deixá-los na rua indicada mas eles que procurassem o prédio… Durante todo o percurso, o taxista não deixou de falar ao telefone, usando linguagem obscena, sem se importar que os clientes percebessem o que dizia.

O desenvolvimento desenfreado tem acarretado alguns aspectos negativos, salientando o facto da cidade se ter «descaracterizado». Mesmo com o grande esforço de preservação das zonas mais antigas e características de Macau, Regina considera que se «perdeu muito do tradicional. Preserva-se mas descaracteriza-se». Dá como exemplos o «Largo do Senado e a zona entre o Jardim Camões e os Três Candeeiros, que tão bem conhecia da minha infância e juventude. Perderam muito do seu encanto». Refere ainda o reordenamento da Baía da Praia Grande, que «agora já não é baía. Podem defender os lagos e a sua beleza – diz Regina – mas a baía tinha um encanto insubstituível. Perdeu-se muito com algumas intervenções que foram feitas na parte mais emblemática do território».

Nas últimas passagens por Macau notou «cada vez menos macaenses na rua. E isso fez com que perguntasse a alguns amigos como faziam para se encontrar». Uma pessoa amiga explicou que «falam pelo telefone, evitando sair ao máximo, porque os locais onde se costumavam encontrar, ou já não existem, ou estão tão cheios que nem apetece a sair. Não há lugares para beber um café; quanto muito combinam um almoço, ou jantar, para meter a conversa em dia».

Apesar de tudo, reconhece que nos últimos anos, e principalmente na última visita a Macau com os irmãos em Novembro do ano passado, notou grandes melhorias na higiene das ruas. «Notei uma maior limpeza dos espaços públicos e uma maior consciência, nomeadamente dos donos de cães de companhia, para a necessidade de apanhar as fezes dos animais e manter os espaços públicos limpos».

Por último perguntámos a razão de não ter Bilhete de Identidade de Residente de Macau, visto que nasceu no território e poderia requerer o documento. Com o semblante triste, respondeu que «é preciso ser macaense para sentir o que é entrar na própria terra com passaporte», acrescentando: «Poderia até ter documentos chineses. A minha avó paterna é chinesa, o que me deixa muito orgulhosa. Infelizmente tive de optar por manter os documentos portugueses. Não há dupla nacionalidade. É pena que a China não permita que os macaenses sejam ao mesmo tempo portugueses e chineses».

JOÃO SANTOS GOMES

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