Gastronomia Macaense no Martim Moniz
Há dias estivemos à beira-mar… a trabalhar! Mais propriamente em Carcavelos, nas avançadíssimas instalações da Universidade Nova de Lisboa – “Nova School of Business and Economics”, onde decorreu a oitava edição das Conferências do Estoril. Trata-se de um evento que já tem lugar de relevo no calendário de encontros internacionais em Portugal, e que de ano para ano vai ganhando cada vez mais peso por força da lista de individualidades que traz a País com o objectivo de se debaterem os mais diversos assuntos.
A edição deste ano, intitulada “Empowering Humanity – from local to global justice”, contou com a participação de personalidades tão díspares como o actual ministro da Justiça e da Segurança Pública do Brasil, Sérgio Moro – mais conhecido pelo seu desempenho enquanto juiz, ao ter ditado a pena de prisão do antigo Presidente Lula da Silva –; Ou Wang Hui, fundador e director do Instituto Tsinghua de Estudos Avançados em Humanidades e Ciências Sociais; Carlos Mesa, Presidente da República da Bolívia; ou Juan Guaidó, actual Presidente da Assembleia Nacional da República Bolivariana da Venezuela e Presidente interino do País, que participou por vídeo-conferência.
No conjunto dos 95 oradores marcaram ainda presença o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que continuou a sua saga de “selfies”, a qual parece infindável; vários laureados com o Prémio Nobel e muitas individualidades ligadas a causas humanitárias e ambientalistas, para além, claro está, de jornalistas portugueses e estrangeiros.
Foram três dias de grande actividade no novo campus da Universidade Nova, o que atraiu milhares de visitantes que quiseram ver e ouvir o que os convidados tinham para dizer.
Nós também estivemos presentes no evento com o nosso negócio de comida de rua tailandesa. Parqueámos na “Praça de Street Food”, criada propositadamente para os dias da conferência, por forma a podermos servir condignamente os participantes e alunos nas pausas das palestras. E foram muitos aqueles que entre as rondas de encontros nos procuraram para beber e comer.
Como por volta das cinco/seis horas já não havia ninguém para servirmos refeições, durantes estes dias fomos até Lisboa, com o principal propósito de visitarmos e jantarmos na capital, especialmente nos lugares que mais gostamos.
No primeiro dia decidimos ir até ao Martim Moniz, conhecido como a zona dos chineses em Lisboa, para almoçarmos no Palácio de Hong Kong, restaurante localizado numa transversal à Avenida Almirante Reis. Para quem não sabe, é dos poucos que serve “dim-sum” em Portugal, sendo a nosso ver o que melhor consegue – diríamos de forma quase perfeita – transportar o sabor e a vivência das casas de “iam-tchá” de Macau e Hong Kong para Portugal. É para nós, que de tempos a tempos acabamos por sucumbir às saudades dos anos passados no Oriente, um ponto de referência. Infelizmente, quando lá chegámos já era tarde, pelo que tivemos de procurar uma alternativa. Como precisávamos de nos abastecer no supermercado “Oriental”, situado na rotunda do Martim Moniz, e sabíamos que há agora num primeiro andar uma zona de restaurantes asiáticos, rapidamente decidimos onde havíamos de comer. O espaço chama-se “Mercado Oriental” e é formado por pequenos balcões-restaurante – o que nos fez lembrar a zona de restauração que existe no mercado de Gongbei –, que servem desde comida chinesa, a japonesa, coreana e de Macau! Pelo que apurei junto dos proprietários do local, o negócio está a ter muito sucesso.
Fomos ver, muito curiosos, qual era a oferta e logo demos com o “minchi”. Havia também “chao min”, “camarão à Riquexó(!)”, “caril de peixe”, “hor fan” e “bao zai fan”. Este último acabou por ser uma das nossas escolhas e estava muito bem confeccionado. Do menu fazia parte a “sopa lacassá” e o “tchai de bonzo”. Pedimos também o “caril de peixe”, mas infelizmente nada tem a ver com o caril que se come em qualquer restaurante de Macau. Na minha memória sensorial ficará para sempre o que se vende no restaurante “Cidade”, na zona de São Lourenço.
A verdade é que o restaurante “Taberna Macau” é já um sucesso e tem pernas para continuar em frente. Além destes pratos, o menu oferece como sobremesa a “bebinca” e a “batatada”. No nosso caso ficámos pelo “bao zai fan” e pelo “caril de peixe”, pois quisemos também experimentar a culinária coreana. Havemos de provar os outros pratos da culinária macaense noutra ocasião.
Preferências pessoais à parte, falta de rigor quanto à autenticidade de alguns pratos e outros pequenos detalhes, a verdade é que esta iniciativa empresarial vem desmentir aquilo que sempre se ouviu de que a comida macaense não é economicamente viável. Ora, este exemplo prova precisamente o contrário. Os seus mentores não têm mãos a medir e o negócio parece estar muito bem direccionado. Embora não seja luxuoso ou pretensioso, oferece uma culinária diferente e muito bem servida. Surpreendentemente, mesmo para Lisboa e estando numa zona essencialmente turística, os preços são muito acessíveis. Por dois pratos pagámos quinze euros. Curiosamente, por um prato de massa o coreano cobrou quase tanto como o macaense por dois.
É pena que em Lisboa e no resto de Portugal não haja mais oferta de comida macaense. Sabemos que há mais dois ou três locais onde se pode comer alguns pratos macaenses, mas nunca os experimentámos. Segundo vários filhos da terra radicados em Portugal, a gastronomia macaense não é economicamente viável. Aliás, esta era uma das justificações que se ouvia em Macau, sempre que se abordava a inexistência de restaurantes tipicamente macaenses. Antes era apenas o Riquexó, o qual teimosamente lá foi sobrevivendo – e sobrevive – fazendo as nossas delícias.
Posto isto, chega-se à conclusão que tanto em Portugal como em Macau é possível servir boa comida macaense, sem ter de se recorrer a apoios do Governo. Acima de tudo é preciso engenho e arte por parte de quem investe.
Fica desde já o nosso compromisso de que iremos voltar à “Taberna Macau” com o intuito de experimentarmos os restantes pratos. Até mais não seja pelo facto da Maria ter uma costela macaense. Ainda há dias nos disse que tem saudades do território, porque tem «saudades de comer comida de Macau».
João Santos Gomes