FUTUROS DIPLOMATAS DA SANTA SÉ PODERÃO VIR A TRABALHAR EM MACAU E HONG KONG
O Papa Francisco quer que os futuros diplomatas da Santa Sé trabalham durante um ano nos territórios missionários, categoria na qual se encontram as dioceses de Macau e Hong Kong. A recomendação foi feita em meados do corrente mês numa carta enviada ao prelado norte-americano D. Joseph Salvador Marino, actual responsável pela Academia Eclesiástica Pontifícia, a famosa escola do Vaticano para a formação dos diplomatas que vão servir na rede da nunciatura apostólica. As novas regras arrancaram aplausos em Macau.
Na missiva, o Sumo Pontífice pede a Marino que seja incluído no currículo dos futuros núncios pelo menos um ano de experiência missionária. O Papa entende que a “nova experiência pessoal de missão fora da diocese de origem junto das respectivas comunidades” enriquece a “sólida formação sacerdotal e pastoral” assegurada pela Academia Eclesiástica Pontifícia.
O padre Franz Gassner, missionário da Congregação do Verbo Divino, aplaude a recomendação emanada pelo Papa Francisco e sustenta que o expediente da experiência missionária oferece aos futuros núncios tempo precioso de preparação para as funções diplomáticas de que serão posteriormente investidos. Para o também professor-assistente da Universidade de São José (USJ), a decisão agora tomada pela Cúria Romana peca apenas por tardia. «Pode ser algo novo para a Santa Sé, mas não é propriamente revolucionário, uma vez que já é uma prática comum em muitas congregações religiosas, dada a cada vez maior globalização e os desenvolvimentos mais recentes. No seio da minha própria congregação, a Congregação do Verbo Divino, há a opção de optar por um programa de formação em contexto de missão desde 1982», explicou o sacerdote austríaco. «Os seminaristas, na qualidade de futuros missionários, devem ausentar-se por dois ou mesmo três anos e passar tempo precioso de formação no contexto de um novo país e de uma nova cultura. Isto é feito durante o período normal de formação, com o propósito de os familiarizar não só com uma nova cultura e uma nova língua, mas também com a situação eclesiástica específica de um determinado local», acrescentou o docente da Faculdade de Estudos Religioso da USJ.
O padre Franz Gassner está convicto de que, se a medida agora anunciada pelo Papa Francisco for bem implementada, as novas prerrogativas para a formação dos futuros núncios apostólicos poderão ajudar a cúpula da Santa Sé a entender melhor as diferentes dinâmicas da Igreja nos países em que está oficialmente presente. Diplomatas com um conhecimento mais profundo das realidades locais – sustentou o sacerdote – poderão contribuir de forma mais eficaz para a unidade e a missão da Igreja: «Com este novo elemento de formação, os futuros diplomatas da Santa Sé vão ganhar um maior entendimento das “igrejas locais”, das culturas em que estão inseridas, das necessidades e dos desafios com que se deparam». Mais: «Se as novas regras forem bem implementadas vão, muito seguramente, beneficiar de forma muito visível o trabalho desenvolvido pela rede diplomática da Santa Sé, até porque os futuros diplomatas estarão mais familiarizados com as realidades locais, vão falar bem a língua e, como tal, serão capazes de construir melhores pontes entre as “igrejas locais” e a Santa Sé, algo que é muito importante para a unidade e a missão da Igreja».
A nova experiência formativa vai entrar já em vigor, abrangendo os alunos que frequentem a Academia Eclesiástica Pontifícia no ano lectivo de 2020/2021. O objectivo expresso pela Santa Sé – e que vai ao encontro do destacado pelo padre Franz Gassner – passa por possibilitar que os futuros núncios apostólicos participem na “actividade evangelizadora quotidiana” junto da Igreja espalhada pelo mundo.
Para o jesuíta Jaroslaw Duraj, as novas regras para a formação de diplomatas vão contribuir para sanar um fosso que pouco ou nada favorece o trabalho evangélico promovido pela Igreja Católica. «Pessoalmente, fico muito contente com esta decisão promovida pelo Papa de introduzir esta mudança. As novas regras vão ajudar os representantes da Santa Sé a conhecerem um pouco melhor as diferentes culturas nos contextos dos serviços diplomáticos que lhes são consignados», acredita o sacerdote polaco. «Os núncios diplomáticos parecem muitas vezes desligados da realidade do contexto missionário em que actuam. Se não conhecem e não compreendem as condições sociais e a cultura de um determinado país como é que podem ajudar a Santa Sé a responder de forma adequada aos problemas religiosos das nações onde servem?», questiona o padre Jaroslaw Duraj.
O jesuíta e investigador do Instituto Ricci de Macau considera que a decisão do Papa Francisco eleva as expectativas das “igrejas locais” em relação ao papel da rede diplomática da Santa Sé. O sacerdote polaco reconhece que a eficácia da medida vai depender, em muito, do rigor com que é implementada, mas elogia, ainda assim, o impulso reformista de Jorge Mario Bergogolio «Vamos ver que resultados poderão daqui advir. Eu não quero especular em demasia. O único aspecto que eu gostava de salientar é a abordagem muito consequente do Papa Francisco ao colocar a sua visão da reforma da Cúria Romana ao serviço da evangelização. Sugiro que leia o excelente discurso que o Papa fez em 2019 perante os núncios apostólicos em que fala do Decálogo que eles devem seguir», aconselhou.
A decisão é, na prática, a primeira medida tomada pelo Sumo Pontífice no âmbito da exortação apostólica “Querida Amazónia”, na qual – para suprir a falta de sacerdotes em vastas áreas da floresta amazónica – Francisco propôs o reforço do número de missionários.
O Papa argentino já tinha expressado no seu discurso final no Sínodo da Amazónia a importância de os diplomatas passarem um ano nas zonas mais carenciadas do mundo. «Para a Europa, que precisa acordar; para África, sedenta de reconciliação; para a América Latina, sedenta de comida e interioridade; para a América do Norte, determinada a redescobrir as raízes de uma identidade que não se define a partir da exclusão; para a Ásia e Oceânia, desafiada pela capacidade de dialogar com a vastidão das culturas ancestrais», referenciou, na ocasião, o Santo Padre.
Marco Carvalho