Vencer uma batalha para perder a guerra
Macau juntou-se, em boa hora, ao movimento global que visa banir o chamado plástico descartável e a iniciativa, se mais não for porque teve génese na sociedade civil, merece ser aplaudida, ainda que o foco das boas intenções de quem assinou a petição recentemente entregue ao Governo esteja, a bem dizer, deslocado.
Por um lado, porque coloca o tónus da decisão nos consumidores, quando a única forma de banir palhinhas, cotonetes e empecilhos que tais é, sem apelo e sem agravo, proibir que sejam – pura e simplesmente – fabricados. Por outro lado, porque o plástico – qualquer plástico – é por natureza descartável. Famílias há que guardam o faqueiro da avó, os copos de cristal da tia ou a camurça do avô, mas não serão muitos os que se propõem preservar o alguidar onde a Marianinha tomou o primeiro banho ou o biberão com que o Pedrinho – agora homem feito e pai de filhos – adormeceu todas as santas noites até aos cinco anos.
Um objecto em plástico até se pode revestir de um valor sentimental intrínseco, mas o seu escasso valor económico mais tarde ou mais cedo condena-o ao oblívio e do esquecimento a um aterro sanitário não vai mais do que um rasteiro passo. O facto de ser um material barato é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.
Mais do que qualquer outro recurso ou invenção do génio humano, o vilipendiado plástico revolucionou os costumes e abriu portas a uma melhoria substancial da qualidade de vida a populações que, de outra forma, estariam condenadas à mais áspera das condições de sobrevivência.
Tomem-se alguns rincões de África como exemplo. Desde que lhe ofereceram um par de sandálias – daqueles que naufragam aos milhares nas praias dos continentes africano e asiático – a sudanesa Nourah percorre em duas horas o trajecto até ao poço onde a sua família se abastece de água. De pés descalços, o percurso era bem mais penoso e demorado. Com o tempo ganho, a rapariga ajuda os pais nas lides agrícolas, sendo passível de se esperar, primeiro, uma melhor performance do agregado familiar e depois uma eventual melhoria em termos de produção.
Nas chamadas sociedades em vias de desenvolvimento, o plástico alavancou (e continua a alavancar) milhões de pessoas da pobreza, garantindo-lhes uma dignidade até agora inédita. Significa calçado barato, soluções de armazenamento fiáveis face à inclemência dos elementos, brinquedos pouco onerosos e um vislumbre da infância para quem nunca a teve. Mais do que cartilhas de boas intenções quanto a direitos e garantias, o plástico foi responsável pelo mais imediato dos processos de democratização e de nivelamento social, o que se caracteriza pelo acesso a meios de subsistência baratos.
O problema é que para uma boa parte da população mundial, o acesso a materiais como o plástico, a borracha e outros derivados, continua a ser a forma mais barata de fugir à mais destituta pobreza. A guerra aberta que as chamadas sociedades desenvolvidas decretaram ao plástico só se prefigura como uma causa concretizável para quem tem recursos para custear alternativas que são, o mais das vezes, substancialmente mais caras. As boas intenções esbarram na mais imediata das percepções: a de que o mundo continua a vogar a diferentes velocidades e, enquanto assim for, os oceanos vão continuar a ser o cemitério de uma dialéctica acentuadamente desigual de desenvolvimento.
Marco Carvalho