Papa Francisco dialogou com membros do Conselho Judaico Mundial a quatro dias do funeral do ex-Presidente de Israel Shimon Peres

Proximidade e amizade.

O diálogo e a amizade entre judeus e católicos e entre estes e os muçulmanos, o acolhimento dos migrantes, não obstante os temores ligados ao fundamentalismo terrorista e a memória do Shoah: estes foram os temas principais que o Papa Francisco tratou durante o diálogo com os membros do Conselho Judaico Mundial com o qual se encontrou na tarde de 26 de Setembro em Santa Marta. Sete pronunciamentos – uma introdução e seis perguntas em diversas línguas (Inglês, Italiano e Espanhol) – articularam a conversação, na qual o Pontífice participou respondendo em Italiano.

«Neste Domingo celebramos o ano-novo judaico, o Rosh haShana – observou o primeiro dos seus interlocutores no início do encontro, dirigindo-se a Francisco – e os judeus do mundo encontram-se e trocam votos de um doce e feliz ano novo». Ao mesmo tempo, prosseguiu, dirigem-se também «àquelas pessoas que foram mais gentis com os judeus, a fim de lhes desejar um feliz ano novo. O dom que se permutam é um bolo recheado de mel, com os votos de doçura e luz. E o senhor foi um amigo sincero do povo judeu e nós agradecemos-lhe muito por tudo o que faz». Por isso, acrescentou, «transmitimos também ao senhor os votos de paz, paz para o Médio Oriente», onde «os católicos continuam a ser assassinados porque são católicos. E é necessário que façamos o possível para levar a paz; é preciso que haja paz entre Israel e Palestina. Desejamos muito, deveras muito, trabalhar juntos com o senhor a fim de que esta paz se torne possível». Depois de ter oferecido o doce, segundo a tradição, o rabino mostrou ao Pontífice a menorá que «pela primeira vez será exposta, visível ao mundo», por ocasião de uma exposição conjunta entre o Vaticano e o museu judaico de Roma.

Por sua vez, o Papa agradeceu «esta visita tão amigável» e «o esforço de vos aproximar, porque a proximidade é uma bênção de Deus. Ao contrário, quando nos afastamos acontecem situações terríveis, as antipatias, as guerras. E a nossa proximidade não é só física, de boa educação».

«Não, a nossa boa proximidade – afirmou – é essencial! Não se pode compreender o Cristianismo sem as suas raízes judaicas. E por isso um cristão não pode ser anti-semita». O diálogo entre católicos e judeus «é um caminhar juntos, aproximando-nos uns dos outros, conhecendo-nos melhor, dialogando, fazendo amizade e indo em frente. Somos filhos de Abraão!». Por isso, confiou o Pontífice, «tenho tantos amigos judeus dos quais gosto muito. Mas para mim é natural. E falo convosco e com os meus amigos da paz mundial que todos desejamos. Esta é uma tarefa que devemos realizar juntos».

Em seguida Francisco agradeceu a visita realizada «poucos dias antes do ano novo» e desejou aos presentes «o melhor, o melhor para cada um de vós. Desejo-vos a doçura, a verdadeira que vem de Deus. E peço-vos também para rezar por mim, pelo meu trabalho, pelo meu serviço à paz, à unidade, à fraternidade de todos nós».

Dizendo-se comovido pelas palavras do Pontífice, um segundo interlocutor perguntou-lhe se «quando falamos de paz podemos fazer mais para tentar alcançar os muçulmanos» – visto «que também eles são filhos da mesma família de Abraão» – para «procurar diminuir as tensões que estão na raiz de tantos problemas». O Papa respondeu afirmativamente, frisando que, com base na própria experiência pessoal, ajudam muito neste processo «a proximidade e a mansidão. Não ter medo de falar».

«É verdade – reconheceu – que nestes últimos tempos surgiram grupos fortes de terrorismo, que feriram os cristãos, os judeus, os yazidis, muitas pessoas e muitas minorias no Médio Oriente». Mas é também verdade que em cada religião se encontram grupos mais ou menos pequenos de fundamentalistas. «O fundamentalismo – disse – é o inimigo do diálogo. Também nós cristãos, católicos, tivemos alguns desses grupos». Mas «com os que não são fundamentalistas, que mantêm uma atitude amigável, fraterna», é preciso «falar como irmãos. “Tu és muçulmano, eu sou judeu, eu sou cristão…”: isto pode ser feito. Conviver com amizade». Depois, acrescentou, «os teólogos farão o debate teológico, porque é necessário, mas é tarefa deles. A nossa é a amizade com as pessoas que não são tão fundamentalistas».

O Pontífice fez referência a algumas críticas recebidas após a viagem a Lesbos, porque «no avião eu trouxe três famílias muçulmanas». Mas na realidade «a amizade deve ser exercida» para além das diferenças religiosas. «Nós na Argentina – disse – temos uma experiência de convivência bastante boa. Porque chegaram vagas migratórias do Oriente, do Médio Oriente, e todos nós tivemos na escola companheiros judeus ou muçulmanos». Continuando com as recordações pessoais, Francisco explicou que «os argentinos são muito respeitadores, e como a maioria dos judeus provinham da região de Odessa», praticamente na Argentina «todos os judeus são “russos”. E como todos os muçulmanos – os sírios, os libaneses – vinham com o passaporte do grande império otomano, eram todos “turcos”. E entre nós, cordialmente, são chamados: “o russo”, “o turco”». Mas sempre «com grande amizade».

«Eu – confidenciou – tive muitos amigos judeus; menos muçulmanos, porque a maior parte deles foi para a região noroeste do País; alguns vivem em Buenos Aires, mas a maioria reside no noroeste. E acredito que isto, fazer amizade, falar com as pessoas tranquilas», não com os grupos fundamentalistas, «e rezar uns pelos outros, faça bem. Eu rezo por vós e pelos muçulmanos, e sei que muitos de vós e tantos muçulmanos rezam por mim».

A segunda pergunta teve origem na consideração de que a maior parte dos presentes no encontro fossem imigrados e como tal capazes de compreender profundamente os problemas de quantos deixam a própria pátria, chegando a um novo país. «Quando chegámos – explicou – nem sempre recebemos as boas-vindas, e no entanto, ao mesmo tempo, temos medo dos imigrantes que provêm do Médio Oriente, porque entre eles alguns odeiam os judeus. Temos medo pelos nossos filhos» e «para nós este é um problema muito sério: rezamos muito pela paz e olhamos para ela». Mas «os que não vêm em paz preocupam-nos muito», admitiu citando algumas estatísticas segundo as quais 70 por cento dos judeus no mundo teriam medo quando vão ao templo por ocasião do Rosh haShana, pois temem um atentado. «É terrível – confidenciou – quando vamos ao templo, vemos os soldados do lado de fora, que nos protegem: não deveria ser assim. Dirigimo-nos ao Senhor e perguntamos-lhe: o que podemos fazer? Neste âmbito temos deveras grande necessidade da sua guia».

Por sua vez Francisco observou que «também no instituto judaico de Buenos Aires, depois dos atentados perpetrados, há agora pequenas barreiras para defender o edifício». De facto, recordou, «os judeus sofreram dois atentados grandes» na capital argentina, perpetrados «por pessoas de fora que respondiam a interesses fundamentalistas».

Quanto ao fenómeno migratório, o Pontífice convidou a avaliar precisamente esta «dupla experiência: ser recebido e ser integrado». Porque «receber sem integração não é bom». E citou o exemplo das «famílias que vieram» de Lesbos (às quais se acrescentaram sucessivamente outras nove pessoas) e que são um exemplo positivo de integração: as cinco crianças sírias, três dias depois da chegada já «estavam na escola, para se integrarem». E quando «após alguns meses os convidei para almoçar – disse Francisco – as crianças falavam o Italiano como a língua materna. E tinham amigos cristãos, italianos». Os pais estão a integrar-se «um pouco mais lentamente», contudo «encontraram trabalho, um era alfaiate, outro engenheiro e começaram a trabalhar»: e trabalho significa integração.

«Isto – evidenciou Francisco – é muito importante. Receber sem integrar é mau». Portanto, quando se fala das migrações, é verdade que «há perigo, mas a solução é a integração». Uma integração que deve ser «dupla: também eles devem aceitar ser integrados».

Depois, um judeu que vive na Argentina agradeceu ao Papa a sua acção em dois âmbitos específicos – a crise humanitária e os refugiados sírios – e a encíclica “Laudato si”, que «foi de incrível inspiração para o mundo». De resto, explicou, a Argentina «foi um dos primeiros grandes países que assinou o acordo de Paris» sobre o meio ambiente e é também «um dos poucos países da América Latina que aceitou receber refugiados em grande número». Eis então a pergunta: como se pode «convencer outros países a aceitar um número maior de refugiados nesta grave crise humanitária?».

O Pontífice observou que «na Argentina existe uma situação especial, porque tanto os Estados Unidos como a Argentina são lugares para onde iam os migrantes da Europa. Eu – disse – sou filho de imigrantes: meu pai chegou com 24 anos e toda a família se integrou imediatamente». Neste sentido, segundo Francisco, outro país «importante» é a Venezuela, porque no seu tecido social «tem muito sangue judeu».

Das Américas que recebem os refugiados, o discurso deslocou-se para a Europa, em particular a centro-oriental onde, observou outro dos presentes, «as palavras de ódio são muito fortes contra os imigrantes. O que podemos fazer – questionou-se – contra estas palavras de ódio?».

O Papa respondeu que «a Europa envelheceu», retomando uma ideia já exposta durante a sua visita a Estrasburgo e depois no Vaticano por ocasião da atribuição do prémio Carlos Magno. «Não posso falar – disse – da “mãe-Europa”. Falo da “avó-Europa”. E pensar que ela foi feita com tantas migrações, na história, que a enriqueceram! Agora vejo que se fecha: cada país fecha-se para se defender. Respeito cada país, não me envolvo nas políticas internas», mas há algo que denota falta de criatividade: «à Europa falta criatividade». É suficiente considerar que «um dos problemas mais graves» do continente é «a diminuição de nascimentos», seguida pela «falta de trabalho. E isto é grave», provoca «o cansaço europeu». Eis então a necessidade de «recuperar uma economia social de mercado, que vença a economia “líquida” e o rendimento mais concreto». A propósito de realidade, o pensamento de Francisco dirigiu-se em particular para «os camponeses, os nossos avós».

Para muitos dos presentes a figura dos avós está inseparavelmente ligada à tragédia do Shoah. Um deles referiu-se precisamente à visita do Pontífice a Auschwitz, «que para todos nós é fonte de recordações terríveis», e à sua escolha do silêncio, que foi muito apreciada pelos judeus. Mas, observou, se «isto está bem quando se visita Auschwitz, quando depois na Europa acontecem coisas terríveis, como vemos todos os dias, talvez já não sirva o silêncio mas deve-se erguer um forte clamor de todas as religiões juntas; de todos nós, juntamente com as instituições».

Francisco concordou com o facto de que sobre certas questões hoje «há demasiado silêncio. Fala-se pouco», sobretudo «das perseguições». E refletiu sobre «as perseguições dos cristãos, por exemplo, dos pobres yazidis», que «ninguém quer» e sobre os quais se fala pouco. «E o povo judeu? Também». Por isso, insistiu, «devemos falar juntos: em prol da convivência, da paz, da fraternidade e da amizade. Somos todos irmãos! Há demasiado silêncio, mas silêncio nocivo».

Por fim, o testemunho de um homem que recentemente jantou na casa do Presidente Santos na Colômbia, onde se concluiu um importantíssimo processo de paz. O chefe de Estado colombiano, disse ao Papa, «pediu-me para lhe transmitir um agradecimento e espera uma bênção da sua parte. O senhor é um bom exemplo no mundo, neste momento em que grupos que foram inimigos por cinquenta anos podem conviver em paz e desenvolver um futuro melhor».

O Papa respondeu que a assinatura do acordo de 26 de Setembro não é só uma conclusão, mas um verdadeiro início. De facto, com este gesto, «o processo não terminou: porque o povo colombiano, através do plebiscito, deverá votar “sim” ou “não”. Vejo duas situações: o Presidente Santos arriscou tudo pela paz, mas vejo também outra parte que arrisca tudo para continuar a guerra. E isto fere a alma».

In L’Osservatore Romano

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