Beda, o Venerável: centrar a história antes e depois de Cristo
Falaremos agora de um dos últimos Pais da Igreja do Ocidente. São Beda nasceu em Inglaterra, em 672 ou 673. Com a idade de sete anos, os pais colocaram-no sob os cuidados de um mosteiro beneditino próximo. Ele próprio escreveu na sua obra Historia Ecclesiastica gentis Anglorum (“História Eclesiástica dos Povos Ingleses”): “Apliquei-me inteiramente ao estudo das Escrituras; e entre a observância da Regra monástica e o encargo diário de cantar na igreja, sempre me deleitei em aprender, ou ensinar, ou escrever”.
O facto de ter vivido no mosteiro desde tenra idade deu-lhe a oportunidade de ler e aprender com os preciosos manuscritos que aí se encontravam. Comenta o Papa Bento XVI: “O ensinamento e a fama dos escritos proporcionaram-lhes muitas amizades com as principais personalidades do seu tempo, que o encorajaram a continuar o seu trabalho, do qual muitos beneficiavam” (Audiência Geral de 18 de Fevereiro de 2009). Os interesses abrangem os saberes do seu tempo: Filosofia, Astronomia, Aritmética, Gramática, História da Igreja, Vida dos Santos e, sobretudo, a Sagrada Escritura. Tudo isto contribuiu para um rápido amadurecimento. Aos dezanove anos, foi ordenado diácono e, aos trinta, sacerdote.
O seu trabalho incluía a cópia de livros e também a redacção dos seus próprios livros (45 da sua autoria e trinta comentários à Sagrada Escritura). Quase não viajou, permanecendo no mosteiro até à morte. O volume de trabalho que tinha em mãos não o fez esquecer a razão última que o motivava. Concluiu a sua obra mais notável com a seguinte oração: “Suplico-te, ó bom Jesus, que àquele a quem concedeste docemente beber das palavras da tua ciência, concedas também, na tua benignidade, que venha um dia a ti, fonte de toda a sabedoria, e apareça para sempre diante da tua face” (História Eclesiástica dos Povos Ingleses).
A 26 de Maio de 737, véspera da Festa da Ascensão, o Senhor respondeu à sua oração e chamou-o a casa. Tinha acabado de fazer uma tradução anglo-saxónica do Evangelho de João e, nos seus últimos momentos, rezou a sua oração preferida: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Como era, no princípio, agora e sempre”.
Quais foram os principais temas dos seus estudos e escritos?
Primeiro, a Sagrada Escritura. Ao interpretar a Bíblia, fazia duas tarefas: tentava compreender o sentido literal do texto e, depois, reflectia sobre a forma como todos estes ensinamentos convergem em Cristo (sentido espiritual). Ele via tanto o Antigo como o Novo Testamento como caminhos que nos conduzem a Jesus Cristo. No estudo sobre o sentido espiritual, apontou as figuras da Antiga Aliança. O Papa Bento XVI cita um exemplo: “A tenda da aliança que Moisés levantou no deserto e o primeiro e segundo templo de Jerusalém são imagens da Igreja, novo templo edificado sobre Cristo e os Apóstolos com pedras vivas, cimentadas pela caridade do Espírito. E como para a construção do antigo templo contribuíram também pessoas pagãs, pondo à disposição materiais preciosos e a experiência técnica dos seus mestres-de-obras, assim para a edificação da Igreja contribuem apóstolos e mestres provenientes não apenas das antigas linhagens judaica, grega e latina, mas também dos novos povos, entre os quais apraz a Beda enumerar os Iro-Celtas e os Anglo-Saxões. São Beda vê crescer a universalidade da Igreja, que não é limitada a uma determinada cultura, mas compõe-se de todas as culturas do mundo que devem abrir-se a Cristo e encontrar nele o seu ponto de chegada” (Audiência Geral de 18 de Fevereiro de 2009).
Para além da Sagrada Escritura, trabalhou também sobre a História da Igreja que é, de facto, uma continuação da História da Salvação que começou no Antigo Testamento e passa pelo Novo Testamento. “Depois de se ter interessado pela época descrita nos Actos dos Apóstolos, ele volta a percorrer a história dos Padres e dos Concílios, persuadido de que a obra do Espírito Santo continua na história” (Audiência Geral de 18 de Fevereiro de 2009).
Este interesse pela História da Salvação e a formação em ciências levaram-no a escrever o tratado De temporum ratione (“Sobre a contagem do tempo”), um tratado de Astronomia e Cronometria. Nessa altura, discutia-se intensamente a ciência da contagem do tempo e a arte de construir calendários. Propôs “uma cronologia que se tornará a base do Calendário universal ‘ab incarnatione Domini’ [a partir da encarnação do Senhor – Anno Domini, o ‘ano do Senhor’]. Já desde então calculava-se o tempo a partir da fundação da cidade de Roma. Vendo que o verdadeiro ponto de referência, o centro da história, é o nascimento de Cristo, Beda transmitiu-nos este calendário que lê a história a partir da Encarnação do Senhor” (Audiência Geral de 18 de Fevereiro de 2009).
Na obra histórica, registou os seis primeiros Concílios Ecuménicos, apresentando a doutrina cristã correcta sobre Cristo e a Santíssima Virgem. A História Eclesiástica dos Povos Ingleses trouxe-lhe a fama de “pai da historiografia inglesa”. O Venerável Beda sublinhou duas das quatro marcas da Igreja: a catolicidade e a apostolicidade. Conseguiu “convencer todas as Igrejas Iro-Celtas e dos Pitti a celebrar unitariamente a Páscoa segundo o calendário romano. O Cálculo por ele cientificamente elaborado para estabelecer a data exacta da celebração pascal, e por isso todo o ciclo do ano litúrgico, tornou-se o texto de referência para toda a Igreja católica” (Audiência Geral de 18 de Fevereiro de 2009).
Por fim, foi também um eminente estudioso da Teologia litúrgica. Através das suas Homilias sobre os Evangelhos para os Domingos e dias de Festa, faz uma exposição mistagógica dos mistérios que celebramos e relaciona-os com a vida quotidiana. Este modo de ensinar explica o significado espiritual interior dos sinais exteriores e dos rituais da liturgia. Beda ensinou que o Baptismo torna cada pessoa não só cristã, mas transforma-a num Cristo.
Ao unir estes três campos de interesse – a Escritura, a História e a Liturgia – Bede transmitiu uma mensagem para diferentes tipos de pessoas: para académicos, para pastores, para pessoas consagradas e para leigos.
Pe. José Mario Mandía