Não há saúde sem saúde mental
A afirmação é da Organização Mundial de Saúde (OMS) e não se refere apenas a um conceito de saúde global, à dita “mente sã em corpo são”. À medida que vão surgindo novos estudos sobre a saúde (e a doença) mental, mais peso se vai verificando na correlação entre saúde e doenças físicas e mentais. Dedicar tempo e atenção à saúde mental é um dos meios de nos ajudarmos a manter saudáveis.
Cada vez mais temos ouvido falar de saúde mental, não só porque os especialistas se têm feito ouvir de modo mais audível, nomeadamente a OMS que, reconhecendo a importância da saúde mental e do acesso à mesma, lançou, em 2019, a “Iniciativa especial para a saúde mental (2019-2023): Cobertura médica universal para a saúde mental”, mas também porque o momento que o mundo atravessa, seja ao nível da escalada de violência e guerra num crescente número de países (experiências traumáticas), seja por estarmos em contexto de pandemia, tem despertado mais a consciência para o impacto e as consequências da realidade na saúde mental.
Embora ainda não existam dados nem estudos que permitam concluir sobre as consequências da pandemia na saúde mental (até porque ainda estamos a vivê-la e não há um distanciamento), o facto de termos sido expostos a esta realidade trouxe o tema para o centro das atenções, com várias pessoas a experimentarem episódios de enfraquecimento da sua saúde mental, ansiedade e “stresse” em alturas de confinamento, por exemplo.
A necessidade de continuação da discussão impõe-se, porque os estudos e os números sobre esta realidade revelam que ela tem impacto, e isto se quisermos apenas cingir-nos a números e factos. Porque há depois o lado mais difícil de medir, mas também de prevenir e cuidar, o do sofrimento que estas doenças trazem consigo.
Há números (da OMS) que cheguem para chamar a atenção para o problema: as duas condições mentais mais comuns, a depressão e a ansiedade, custam, sozinhas, à economia global, um trilião de dólares todos os anos. Apesar deste número, os orçamentos dos países contemplam, em média, menos de dois por cento dos gastos na saúde mental.
Algumas doenças ou perturbações do foro mental/psiquiátrico, como a depressão, a doença bipolar, a dependência do álcool ou também a vivência de acontecimentos muito traumáticos, podem constituir factores de risco no suicídio. Por ano morrem mais de setecentas mil pessoas no mundo por suicídio, uma pessoa a cada quarenta segundos. Em Portugal, corresponde a três mortes por dia. Este, por sua vez, é a quarta causa de morte no mundo para pessoas entre os quinze e os 29 anos (e a principal para crianças e jovens portugueses entre os dez e os 29).
Dados de 2017 indicam que, na última década, houve um aumento de treze por cento nas doenças mentais e elas são actualmente responsáveis por um em cada cinco anos vividos com incapacidade.
Em Portugal, o mais recente “Estudo Epidemiológico sobre a Saúde Psicológica” dos portugueses indica que os problemas de saúde mental afectam um em cada cinco portugueses. O consumo de ansiolíticos e antidepressivos reforça estes dados, colocando Portugal no quinto lugar da OCDE no consumo destes medicamentos, com o dobro do consumo relativamente a alguns países do mesmo grupo.
Para aqueles que têm mais dificuldade em “visualizar” as doenças e as consequências da ausência de saúde mental, a OMS também estabelece uma relação entre a saúde e a doença física e mental, alertando que há uma correlação entre algumas delas, nomeadamente as doenças cardiovasculares, que podem levar à depressão e vice-versa. O diagnóstico e a vivência de alguma doença que cause sofrimento ou dor física e/ou mental também está relacionado com o aumento da probabilidade de desenvolver alguma perturbação ou doença mental.
A saúde no seu todo, física e mental, influencia e é influenciada pelos mais variados factores da nossa vida, como por exemplo os económicos. Na saúde física é fácil perceber que uma economia frágil potencie o agravamento da saúde, pela dificuldade no acesso a alimentação e a cuidados médicos, por exemplo. O mesmo é válido para a saúde mental; as crises económicas têm um grande impacto na saúde mental (o desemprego potencia o aparecimento ou agravamento de doenças como a depressão), sendo que o inverso também acontece, com as doenças mentais a terem um grande impacto a nível económico.
A palavra de ordem, quando falamos em saúde, é prevenir e educar. A prevenção permite uma diminuição de custos e uma optimização de resultados. Prevenir factores de risco e trabalhar competências (educar) e recursos que permitam evitar o aumento das doenças mentais vai diminuir o seu impacto nos indivíduos e na sociedade, o que não é irrelevante, como mostram os números.
É para isto que têm alertado ao longo dos anos não só a OMS mas também os profissionais de saúde mental. Os efeitos menos visíveis que os das doenças físicas e o estigma associado a estas doenças, assim como a falta de investimento e de estruturas, agravaram o impacto destas doenças, dando-lhes, agora, maior visibilidade. O programa especial da OMS tem como objectivo garantir o acesso universal à saúde (a nível de cobertura e de capacidade económica) a mais cem milhões de pessoas em doze países prioritários.
Em Portugal, o Governo anunciou cerca de 88 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência para serem aplicados na área da saúde mental.
No passado dia 10 de Outubro assinalou-se o Dia Mundial da Saúde Mental. Convém não esquecer que esta é uma área que necessita também da nossa reflexão e do nosso “trabalho de casa”, em relação a nós e aos outros (a quem podemos ajudar).
RITA BRUNO
In Família Cristã