Opinião

Quando leões saem da jaula

Como já tive ocasião de afirmar antes, não sou adepto de nenhum clube de futebol em particular, embora nutra alguma simpatia por alguns. Já foi ver jogos aos estádios do Porto, do Benfica, do Sporting e do Belenenses, mas prefiro assistir aos jogos no sofá da minha sala. Não sou um “doente” da bola, mas vibro de alguma maneira sempre que assisto aos jogos da Selecção Nacional ou de clubes portugueses, indiferentemente de quem são, sempre que jogam com clubes estrangeiros. Acho que há sempre coisas mais importantes em que pensar, que não o futebol, mas não posso deixar de considerar que esta actividade desportiva é um enorme polo de atenção social e, como tal, deve merecer o meu reparo.

O fenómeno futebolístico em Portugal tem, nos últimos tempos, extravasado a mera competição desportiva, para se tornar um terreno de violenta batalha verbal e física entre dirigentes, comentadores, claques e simples adeptos. Tudo isto enquadrado por uma imprensa especializada em incendiar os leitores desta modalidade. E esta realidade, para além de diversas situações de perversão desportiva, é comum a todos os grandes clubes.

O que se passou na semana passada na Academia do Sporting, com a invasão de cerca de cinquenta adeptos sportinguistas (de cara tapada), dispostos a “ajustar contas” com os jogadores da sua equipa pelos maus resultados obtidos, é bem demonstrativo do fanatismo terrorista que se atingiu.

Já há muito que me impressionava a agressividade das claques nos estádios e a sua ferocidade quando para lá se dirigiam em “caixa policial”, cercados de polícias armados até aos dentes, numa perfeita encenação da entrada dos gladiadores numa arena romana, ladeados pela guarda pretoriana. As cenas de pancadaria antes, durante e após os jogos eram o prenúncio de que, para essa gente, “ir ao futebol” já não era apenas o lugar ideal para explanar desabridamente a alegria ou para o desabafar agastado de meros impropérios. Para eles, “ir ao futebol” é atingir a irascibilidade para exercitar a agressão física, a cólera e a intimidação para com quem se oponha aos interesses do seu clube e/ou, neste caso do Sporting, do seu presidente.

Bruno de Carvalho (BdC), ao longo da sua trajectória enquanto presidente do Sporting Clube de Portugal, tem tido um comportamento público de uma ferocidade linguística para com “tudo o que mexe” no universo deste desporto em particular. As suas impetuosas atitudes críticas e condenações aos clubes adversários, aos árbitros, à Imprensa, aos organismos desportivos e, desta vez, aos seus próprios jogadores, têm vindo a inflamar os adeptos e a propiciar acontecimentos como aqueles que este clube viveu.

BdC atingiu aquilo a que se propunha nas suas declarações, ou seja, tornar-se um presidente/adepto, mas inverteu a posição sobrepondo o adepto ao presidente, talvez com mesmo espírito e sagacidade do tempo em que era membro da claque “Juventude Leonina” e que tantos votos lhe granjeou nas últimas eleições.

Sobre os factos passados na Academia e as altercações entre adeptos e jogadores nos últimos jogos, pode pensar-se que o presidente do Sporting não chegou ao extremo de mandar os seus adeptos bater nos seus jogadores por não ter gostado da sua prestação desportiva. Mas o facto de ter “vindo para a rua” demonstrar o seu colérico descontentamento e ameaçá-los com processos disciplinares foi o rastilho para tudo o que aconteceu na Academia.

Não sei porque deixaram entrar homens encapuçados e com atitudes violentas na Academia do Sporting. Não sei porque é que o dispositivo de vigilância estava desligado. Também não sei porque é que BdC não foi assistir, como tinha prometido, ao treino dos jogadores que antecedia o jogo final da Taça de Portugal. Mas estou quase certo de que as atitudes anteriores deste senhor, tornado supostamente dono dos destinos deste histórico clube, tiveram como efeito o “abrir a jaula a leões enraivecidos” e colocar o treinador Jorge Jesus e os jogadores molestados numa posição de apatia de esforços, face a um clube que, pela voz do seu presidente e respectivos acólitos, não lhes transmitia confiança e empenhamento. Conclusão imediata: alguns jogadores e membros da equipa técnica feridos, participações à polícia dos jogadores, 23 detidos em prisão preventiva, ameaças de rescisão de contrato pelos jogadores, demissões na estrutura directiva do clube e o único troféu ainda ao alcance do Sporting perdido!

O que é curioso na personalidade deste dirigente desportivo, através das inúmeras e demoradas conferências de Imprensa que tem solicitado após os acontecimentos, reafirmando tudo o que antes disse e não se demitindo (à mistura com alusões sentimentais e familiares, incompreensíveis ao contexto), é que não compreende ou não quer compreender as consequências do seu comportamento, porque sofre de algum trauma psiquiátrico ou, por último, receia que alguma culpa lhe seja imputada e o faça perder um salário anual de perto dos duzentos mil euros, para além de outras mordomias.

Ao condenar também os accionistas da SAD, dizendo-se vítima de uma cabala deles, esquece-se no entanto que os clubes desta dimensão são autênticas indústrias financeiras, em que os únicos activos são os jogadores e a relação entre quem dispõe do dinheiro e quem o utiliza tem de pautar-se pela confiança dos primeiros nos segundos. A não ser assim e apesar das normas estatutárias do clube ainda permitiram a BdC manter-se como presidente, levar até ao fim a sua irredutibilidade pode fazer com que o notável Sporting Clube de Portugal perca muito mais do que taças….

LUIS BARREIRA

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