Olhando em Redor

Males que vêm por bem

Há a ideia generalizada de que a queda das receitas na indústria do Jogo – o principal motor da economia – pode prejudicar Macau em vários aspectos, essencialmente por estar fortemente dependente deste sector e não ter a sua economia devidamente diversificada.

Tenho uma opinião bastante contrária, porque a queda de receitas é uma oportunidade de ouro para o Executivo da RAEM não levar o território ao abismo. Em suma, porque já era tempo dos especuladores deixarem de ter aqui a sua galinha dos ovos de ouro. Aspas, aspas, para aquelas personagens de colarinho branco. Já para não mencionar certos lóbis há muito instalados, que terão agora de se adaptar à nova realidade.

Julgo, porém, que esta quebra de receitas continua aquém dos níveis aceitáveis, porque o Governo ainda vai adoptar outras medidas que se enquadram no reajustamento económico e no nível do padrão de vida da maior parte da população (a classe média), por a reserva financeira garantir-lhe alguma margem de manobra para suportar esta mudança.

Acima de tudo, seria contra-producente se Macau continuasse a viver acima das suas possibilidades, porque muitos sectores vitais para o dia-a-dia das pessoas estavam altamente inflacionados, surgindo à cabeça o mercado imobiliário e os bens de consumo de primeira necessidade.

Se as receitas provenientes do Jogo continuassem a bater desmesurados recordes trimestrais, semestrais e anuais, Macau arriscaria a que a sua classe média caminhasse a passos largos para o abismo, por não conseguir fazer face à subida avassaladora do custo de vida, originando, no pior cenário, convulsões sociais. Pois bem, é isto mesmo que não interessa ao Governo local, muito menos ao Poder Central.

O naipe de secretários que compõe o Executivo, em funções há quase um ano, trouxe maioritariamente uma forma diferente de governar e de tratar a coisa pública, facto comprovado pelo que até agora tem acontecido no debate sectorial das Linhas de Acção Governativa para 2016.

Já era tempo de haver políticas mais consentâneas com o bem-estar da população em geral, e não apenas com os sectores empresarial e do Jogo. É assim natural que determinadas forças vivas afectas a estas duas áreas continuem a mostrar pessimismo, ou infundadas preocupações, porque nada mais estão a fazer do que a olhar pelos seus interesses, por vezes corporativos. Aliás, outra coisa não seria de esperar para quem tem como objectivo principal o lucro pelo lucro, porque a responsabilidade social é coisa de somenos importância – para todos os efeitos, ao nível empresarial, sem o lucro não há a responsabilidade social.

Posto isto, espero que o Executivo consolide o seu trabalho nos próximos quatro anos e não se desvie um milímetro da preocupação demonstrada em servir os reais interesses da população. Até porque ainda há muito por fazer no âmbito das cinco pastas governativas.

 

Mais um tiro no pé

No mesmo dia em que o yuan passou a ser referência no cabaz de moedas do FMI (a par do dólar americano, do euro, da libra e do iene japonês), o Rand Merchant Bank, do grupo sul-africano FirstRand, suspendeu a venda de dólares americanos a Angola.

A decisão, em vigor desde a passada segunda-feira, foi tomada após o Bank of America ter informado o banco sul-africano que deixaria de fornecer-lhe dólares americanos com destino a Angola a partir do final de Novembro.

«Apesar de não haver uma justificação oficial para esta decisão do maior banco comercial americano, o único que fornece dólares a Angola através daquela instituição sul-africana, fontes credíveis garantem que o Bank of America desconfia do destino dado às elevadas quantidades de dólares em notas que circulam em Angola», referia a página online da Voz da América, acrescentando que as mesmas fontes indicavam que as autoridades americanas (Reserva Federal dos Estados Unidos e Bank of America) temem que os dólares americanos vendidos a Angola possam estar a financiar o branqueamento de capitais e o terrorismo.

Face a esta tomada de posição, parece-me que os Estados Unidos estão a dar mais um tiro no pé, à imagem do que têm feito um pouco por todo o mundo onde enfiam o bedelho.

Só para mencionar algumas situações, embora por circunstâncias diferentes, tem havido dos pesos e duas medidas, seja com o Iraque, a Síria e a Líbia, seja com a República Popular da China e a Tailândia (no mais recente caso, o embaixador norte-americano em Banguecoque, Glyn T. Davies, devia estar calado e respeitar a soberania do país onde está acreditado, em vez de questionar a lei de “lèse majesté”).

O precedente não é novo em relação à Tailândia, porque fruto de várias ingerências norte-americanas, o país do Sudeste Asiático tem estreitado cada vez mais as suas relações com a China.

Não me admira nada que o mesmo suceda com Angola, que poderá olhar para o yuan como uma mais valia para a sua economia, porque até à data a tomada de posição unilateral das autoridades norte-americanas sobre o destino dos dólares americanos nada mais são do que pura especulação.

Em tom irónico, diria que os Estados Unidos até nem têm aliados peritos no branqueamento de capitais, nem no financiamento do terrorismo. Uns na Europa e outros no Médio Oriente.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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