O poder de escolher inteligentemente

Como a verdade nos pode libertar

O bispo de Xangai, D. Fan Zhong Liang, faleceu a 16 de Março de 2014. D. Fan esteve muitos anos preso, mas o arcebispo D. Savio Hon Tai Fai, secretário da Congregação para a Evangelização, do Vaticano, escreveu o seguinte: «A liberdade exterior do bispo Fan foi sempre restringida, mas não a sua liberdade interior».

É sobre essa liberdade interior de que iremos falar hoje…

Deixem-me começar com uma analogia. Digamos que foram convidados a irem a um restaurante novo. Começaríeis de imediato a pedir comida? Penso que não. Talvez perguntássemos antes que tipo de comida estaria disponível nesse local. E gostaríamos de saber mais pormenores sobre se a comida era frita ou feita no forno, se tinha cogumelos ou carne de vaca, etc., etc.

Gostaríamos de saber antes de tomar uma decisão.

Todos temos que tomar decisões a todo o momento: Se nos levantamos de manhã, ou não, se tomamos o pequeno almoço agora ou não, se vamos comer uma sanduíche ou talvez preparar umas canja… O acto de escolher é parte integrante da nossa vida e é um poder que nós temos. Mas é um poder que só é usado correctamente depois de termos pensado sobre as escolhas possíveis. A este poder chamamos “liberdade”.

Muita gente pensa que ser livre é, simplesmente, ter a capacidade de fazer o que se quer. Na realidade isso é impossível. Gostaria imenso de poder voar e evitar os problemas do trânsito, mas… não posso. E deixei de ser livre por isso?

O Catecismo da Igreja Católica ensina-nos o seguinte: «A Liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de fazer ou não fazer algo, de fazer isto ou aquilo, e dessa forma agir deliberadamente sob a nossa própria responsabilidade. De livre vontade cada um de nós estrutura a sua própria vida». Vamos guardar esta definição.

Primeiro ponto: A liberdade NÃO É IRRACIONAL. É um poder baseado não apenas na vontade, mas também na razão. Fazer escolhas é um poder, mas escolhas ponderadas. É o poder de efectuar escolhas, racionais, informadas e inteligentes. Efectuar uma escolha livre significa conhecer quais as escolhas possíveis, e quais as consequências que daí advirão de cada uma delas.

Precisamos de ler o menu, antes de poder pedir a comida. Se soubermos pouco sobre cada possível escolha, poderemos hesitar e protelar a nossa decisão. Poderemos mesmo sair do restaurante. Quanto mais souber sobre cada possível escolha, mais segura será a nossa decisão, e mais determinada será essa decisão, e assim muito mais livre será a minha acção de escolher. Além disso, quando a escolha a ser efectuada se relaciona com o bem ou o mal, o acto de ponderar que está subjacente a esta escolha chama-se “consciência”.

Este facto explica porque Jesus Cristo ligou a liberdade com a verdade. A mente necessita da verdade, como o estômago precisa de comida. St. Agostinho, para provar que todos os homens procuram a verdade, disse que conhecia muita gente que gostava de enganar os outros, mas que não conhecia ninguém que quisesse ser enganado. Naturalmente escolhemos a verdade. Queremos ter os factos concretos, se bem que muitas vezes fujamos com medo de enfrentar a realidade. «Vós conhecereis a verdade, e a verdade libertar-vos-á» (João 8:32). Apenas podemos exercer o poder de liberdade correctamente quando a nossa mente conhece a verdade sobre todas as escolhas possíveis que se apresentam perante nós.

E porque é que Jesus nos deu esta liberdade? Porque queria que fossemos amigos. Um escravo não pode ser um amigo. Um amigo tem que ter a liberdade de dizer “Sim” ou “Não”. William May escreveu em “Uma Introdução à Teologia Moral”: «Se a oferta da própria vida de Deus e a amizade são para serem oferecidas, então devem ser aceites livremente; não pode ser forçada a outros, ou conseguida de qualquer outra maneira senão a escolha livre de alguém que dá e de outro alguém a quem é dado».

Segundo ponto: Onde existe liberdade existe RESPONSABILIDADE. Porquê? A liberdade faz-me dono das minhas acções. Conforme William May escreveu: «Pessoas são elas próprias, sui iuris, quer dizer sob o seu próprio arbítrio ou razão. As suas escolhas e acções pertencem-lhes, não seguem as escolhas e as acções de terceiros». Quando decido fazer algo a decisão é minha, pertence-me. E, como nas coisas que nos pertencem, é nossa a responsabilidade inerente a elas.

Deixem-me dar-lhes este exemplo: Suponhamos que sou dono de um carro de Fórmula E. Se entrar num Grande Prémio com esse carro e ele chegar em primeiro, quem recebe o prémio? Naturalmente que sou eu! E se ao conduzir o mesmo carro, numa rua, bater noutro carro? Serei processado. Ninguém irá processar o meu carro. O carro é meu e eu serei recompensado ou punido por tudo aquilo que eu fizer com ele.

Não pomos um cão em tribunal por sujar a entrada da nossa casa. Nós queixamo-nos do seu dono. Ele é o responsável pelas acções do seu cão, porque ele lhe pertence. A minha liberdade faz-me o senhor das minhas acções e faz-me responsável por elas…. Se eu aceito essa responsabilidade, ou não, é outra questão.

Terceiro ponto: A Livre Escolha dá aos seres humanos o poder de «construir ou destruir as suas vidas devido às suas escolhas, de livre vontade» continua William May.

Pela minha liberdade determino o meu futuro. Ao escolher uma opção IMPONHO A MIM MESMO UM LIMITE e fecho a porta a outras possíveis boas escolhas por serem incompatíveis. É este o paradoxo da liberdade, que nem sempre temos vontade de o aceitar. A vida é assim. Mas, porque nem todos estão de acordo em terem limitações, há pessoas que se recusam a tomar decisões importantes nas suas vidas, do género aceitar a vocação matrimonial ou o celibato. Mas mais tarde ou mais cedo terão de fazer a sua escolha e tomar uma decisão. Ninguém pode ficar a olhar para o menu para sempre, e morrer à fome.

Deixem-me acabar com estas palavras do livro de Ben Sira (também chamado Eclesiastes): «No início, Deus criou o homem e entregou-o ao seu próprio juízo. Se quiseres, observarás os mandamentos. Ser-lhes fiel é questão da tua boa vontade. Ele pôs diante de ti o fogo e a água; estende a mão para o que quiseres. Diante do homem estão a vida e a morte; o que ele escolher, isso lhe será dado» (15:14-17).

Pe. José Mario Mandía

jmomandia@gmail.com

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