O nosso tempo

Europa, entre o medo e a esperança

Milhares de refugiados, deslocados das suas terras de origem, provenientes do Médio Oriente e da África Subsaariana, fazem hoje parte da paisagem mediática na Europa, omnipresentes que estão já dentro ou nas fronteiras dos países de destino final. E por isso, nos noticiários televisivos e nas redes sociais da Internet, onde os comentários abundam, os positivos e os negativos, sobre a sua presença.

São jovens e velhos, mulheres e crianças, maioritariamente muçulmanos que procuram abrigo no continente europeu.

Procuram alternativa à guerra e sua destruição, bem patente nas imagens que nos chegam diariamente da Síria. E também à pobreza e ao desemprego, vindos de países em paz, ou numa relativa paz civil – mas que se mostram incapazes de integrar (económica e, por isso, socialmente) o maior número dos seus naturais.

Para além da realidade dos conflitos e dos insucessos das políticas de desenvolvimento, este fluxo de gente é também um produto da chamada globalização, e desde logo da informação permanente e global.

Uma informação que tem mostrado ao mundo pobre o quão apetecível é um continente europeu em paz e próspero…

…pese embora a crise, infinitamente mais benigna, para quem nunca teve nada ou perdeu tudo. Enfim, uma terra de oportunidades, para quem quer sobreviver e reconstruir a sua vida. Uma espécie de sonho americano ao pé da porta.

 

Da reacção social ao debate político

A reacção dos europeus a esta nova e súbita presença de “estrangeiros” no seu solo é, inevitavelmente, díspare. E a Europa oscila entre o medo e a esperança. Entre os que acolhem e os que recusam acolher.

As esperanças dos segundos repousam na convicção da capacidade das sociedades europeias de gerirem com sucesso, embora com algum sofrimento (os reajustamentos deste tipo nunca são fáceis nem automáticos)este processo complexo de integração, súbita e à escala colectiva, inspirando-se nas experiências do imediato pós-guerra.

Aí foram milhões a ser deslocados pelo conflito, numa Europa destruída. Aqui serão milhares “apenas”, numa Europa reconstruída e rica, por comparação ao pós-guerra, o que nos ajuda a não esquecer e a não sobrevalorizar as proporções do fenómeno actual.

E, como consequência de tal integração, um melhor reconhecimento da Europa como continente da diversidade cultural.

Aqui, as dificuldades – inevitáveis, a gerir as diferenças – serão sempre empoladas por alguns, para eventuais ganhos políticos nacionais, intencionalmente esquecidos de que a Europa quis-se também extra-europeia, transcultural. E “universal” mesmo, quando lançou raízes em África, na Ásia, na América Latina. Mas, é claro, a simplificação extremista tem sempre a memória curta. Convém à demagogia do discurso.

Os medos dos primeiros são todavia vários: o medo da “invasão”, o medo da descaracterização e perda de identidade, o medo da competição no local de trabalho, o medo de aceitar o refugiado como seu igual, para além da cor da pele, da língua, religião e cultura diferentes.

No que toca à descaracterização étnica, por exemplo, e tendo em linha de conta a diferença de evolução demográfica entre a comunidade recém-chegada e a que a “acolhe” (poligamia aceite pelo código religioso; e famílias, mesmo monogâmicas, mais numerosas) – os gurus da previsão antecipam já uma futura maioria europeia mestiça, a sobrepor-se, em número, ao núcleo caucasiano originário.

Daí a xenofobia que serve como primeiro escudo protector da identidade alemã, da identidade sueca, etc., etc. por grupos conotados com a extrema-direita nos respectivos países, mas cujo argumentário vai sendo progressivamente aceite pelo cidadão comum, à medida que o medo se cultiva, se propaga e se expande.

Por coincidência (?), notícias vêm a lume sobre o interesse renascido na compra de livros conotados com as teorias da superioridade racial, como a obra prima do género e que foi cartilha maternal para milhões, na Alemanha dos anos 30 e 40 do século passado.

Por outro lado… e aqui está também o busílis…

Graças à efervescência ideológica, religiosa e cultural do Médio Oriente, muitos dos jovens muçulmanos que integram essa imensa mole humana de refugiados, não assumem exactamente a postura de quem se encontra em estado de necessidade e pede ajuda, mas a oposta, a de quem chega a terra conquistada, futura província de um império construído segundo os padrões do seu imaginário califado.

É óbvio que tal postura alimenta ainda mais o medo, a xenofobia, a exclusão.

Incidentes, aqui e ali, nos países de acolhimento, sobretudo no relacionamento dos refugiados jovens com mulheres locais, têm acentuado a sensação de desfasamento cultural e ético, a exigir pronta resposta das autoridades. Incluindo, naturalmente, as policiais. Resposta fatalmente tardia, porque sempre reactiva a episódios já ocorridos.

 

A resposta tem de ser política

Dizia há dias o engenheiro António Guterres, ex-alto comissário da ONU para os refugiados, que a resposta europeia à crise no acolhimento dos milhares e milhares de recém-chegados da Síria e doutras origens foi, tem sido um insucesso completo.

Ora, prevê-se a partir daqui, para os líderes políticos europeus, um desafio ainda maior, o da definição e concretização de uma estratégia conjunta de integração dessas pessoas individuais ou/e dessas famílias nas sociedades nacionais que as estão a receber.

Assim, às orientações firmes no domínio da segurança que se esperam, impondo a lei e a ordem e evitando o caos, em áreas urbanas sensíveis, como em todas as outras, sem discriminação, aguarda-se também a resposta política, institucional, financeira, às urgências de integração escolar, laboral e todas as outras que facilitem a inserção dos recém-vindos.

Os insucessos na integração dos jovens magrebinos, por exemplo em França, da anterior vaga de imigração, não é exemplo a seguir. Há que inovar-se.

O caminho não será pois fácil, nem para as autoridades, nem para os actores associativos e de voluntariado social, nem para os próprios refugiados, a quem espera a maior das surpresas. Por mais que se critiquem os “malefícios” anestesiantes do Estado social europeu, as nossas sociedades não são propriamente conjuntos de assistidos.

Por isso, desinseridos das suas estruturas naturais de solidariedade, os refugiados terão grande dificuldade em adaptar-se ao salve-se-quem-puder do liberalismo individual e egoísta, que contrasta com o espírito de entreajuda tradicional nos seus países. Com o risco adicional de gerar novos descontentes, engrossando as fileiras dos jovens vulneráveis à radicalização islâmica, como se tem visto, no interior da própria Europa.

A Europa vai mudar? Quer se queira quer não, a Europa está já a mudar. Mas a direcção de tal mudança é da responsabilidade, antes de mais, das lideranças políticas das sociedades democráticas.

Estarão elas à altura do desafio?

Carlos Frota 

Universidade de São José

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