Adeus ao Papa de coração aberto a todos
Numa cerimónia carregada de emoção, centenas de fiéis reuniram-se, ao início da noite da passada terça-feira, na igreja da Sé Catedral, para uma missa de homenagem ao Papa Francisco, falecido na segunda-feira de Páscoa, aos 88 anos de idade. A liturgia, celebrada pelo bispo D. Stephen Lee em três línguas – Chinês, Português e Inglês –, reuniu um grande número de devotos, provenientes de diferentes origens, que rezaram pela alma do Pontífice e pediram a Deus que o acolha na imensidão do Seu amor.
Na homilia que proferiu – repetida nos três idiomas em que foi celebrada a cerimónia eucarística – o bispo de Macau expressou a profunda dor da Igreja Católica pela morte do Papa Francisco. D. Stephen Lee evocou a orientação pastoral e espiritual que o Santo Padre procurou incutir na Igreja. Ao longo de doze anos de Pontificado, Francisco encarnou de forma humilde o amor de Cristo pela Humanidade, afirmou o prelado: «Apesar da sua fragilidade e do seu sofrimento nesta recta final, o Papa Francisco escolheu percorrer este caminho de entrega até ao último dia da sua vida terrena. Seguiu as pegadas do seu Senhor, o Bom Pastor, que amou as suas ovelhas até dar a própria vida por elas. E fê-lo com força e serenidade, junto do seu rebanho, a Igreja de Deus, ciente da frase de Jesus citada pelo Apóstolo Paulo: ‘A felicidade está mais em dar que em receber’».
Por sua vez, os fiéis elevaram as orações e os corações a Deus, em agradecimento e louvor pela vida e legado espiritual do Santo Padre.
Durante a homilia, D. Stephen Lee convidou os católicos do território a seguir o exemplo de Francisco, que norteou o seu percurso de vida pela misericórdia e esperança. «Era um Papa de coração aberto a todos. Foi também um Papa atento aos sinais dos tempos e ao que o Espírito Santo despertava na Igreja. Dizia sempre que a Igreja é uma casa para todos, uma casa com as portas sempre abertas. Utilizava frequentemente a imagem da Igreja como um hospital de campanha, depois de uma batalha em que muitos ficavam feridos», disse o epíscopo, acrescentando: «Uma Igreja determinada a cuidar dos problemas das pessoas, das grandes ansiedades decorrentes do mundo contemporâneo. Uma Igreja capaz de se curvar sobre cada pessoa, independentemente das suas crenças e das suas condições, para curar as suas feridas. O Papa Francisco sempre colocou o Evangelho da Misericórdia no centro, sublinhando repetidamente que Deus nunca se cansa de nos perdoar».
Antes do início da Missa, na qual participou praticamente todo o clero ao serviço da diocese de Macau, D. Stephen lembrou, em declarações ao Canal Macau da TDM, quatro dos aspectos mais relevantes do Pontificado de Jorge Mario Bergoglio. A exemplo do que fez o cardeal D. Giovanni Batistta Re, na Santa Missa das Exéquias do Papa Francisco, o bispo de Macau disse que este será para sempre «o Papa do povo»: «Acerca do Papa, gostaria de referir quatro aspectos: em primeiro lugar, era o Papa do povo, tendo insistido muitas vezes que a nossa Igreja a todos deve acolher, sem excepção. O Papa Francisco falava muitas vezes da misericórdia e do perdão de Deus. Em segundo lugar, insistiu também na alegria. Quando escreveu a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium defendeu a alegria de se ser cristão. Em terceiro lugar, chamou a atenção do mundo para os nossos deveres e responsabilidades partilhadas para com a nossa casa comum, a Terra. Por fim, o Papa Francisco referiu muitas vezes a importância de construir pontes, no lugar de muros».
PAPA DOS POBRES E MARGINALIZADOS
A Sé Catedral revelou-se pequena para as centenas de pessoas que se quiseram despedir do Papa Francisco. Entre os fiéis que participaram na Missa de Réquiem, estiveram diplomatas, dignitários políticos, académicos, advogados e personalidades conhecidas da sociedade de Macau, unidos pelo respeito a «um homem bom» e «líder de excepção».
O exemplo de Francisco, defenderam alguns católicos ouvidos pel’O CLARIM, é a prova de que vale a pena lutar por aquilo em que se acredita.
Alexandre Leitão, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, recordou a dimensão inter-religiosa e humanista do Pontificado de Francisco e a inquestionável capacidade de erguer pontes e de chegar aos outros. «O Papa Francisco teve esse condão de comunicar, como disse, e bem, o Senhor Bispo, com todos os outros: os não-crentes e os crentes noutras religiões, de uma forma extraordinariamente acessível, muito ecuménica. Penso que o mundo se despede de um homem que é considerado, em geral, como um homem bom», argumentou o diplomata. «Penso que o Papa Francisco foi um homem que acentuou permanentemente a dimensão humana de todos nós. Somos humanos, erramos, pecamos, mas construímos uma sociedade e temos de ser humanistas. Temos de colocar sempre o Ser Humano, enquanto criação de Deus, no centro e não nos distrairmos com a venalidade e o individualismo excessivo», acentuou ainda.
Para Paul Pun, o aspecto mais significativo do legado de Jorge Mario Bergoglio como líder da Igreja Católica foi a atenção que dispensou aos pobres e marginalizados. Mais do que chorar a sua morte, o secretário-geral da Cáritas de Macau é também apologista de que os católicos devem seguir o exemplo de Francisco e praticar os seus ensinamentos: «O mundo vai sentir a falta do Papa Francisco. Mas mais importante do que isso, é que a nossa sociedade coloque em prática aquilo que ele ensinou. Coloque em prática não apenas a sua sabedoria, mas sobretudo o seu lugar. O maior legado que o Papa Francisco deixou ao mundo é a forma como prestou atenção aos mais vulneráveis, às pessoas que sofrem, às que são negligenciadas e às que vivem sozinhas. Trazer esperança a estas pessoas é uma boa forma de manter vivo aquilo que nos ensinou».
Por último, Álvaro Barbosa, vice-reitor para a Internacionalização e Assuntos Académicos da Universidade de São José, considera que o desaparecimento do Papa Francisco deixa um vazio na Igreja e no mundo. Perante o actual quadro de líderes mundiais, a partida do Pontífice argentino é motivo de tristeza e apreensão. «Mesmo fora do âmbito da Igreja, o Papa Francisco era o único líder a nível mundial que as pessoas reconheciam como alguém que liderava por empatia, que se preocupava com as pessoas e não com as dinâmicas de poder», disse o académico, concluindo: «Acho que vai fazer muita falta».
Marco Carvalho