Cinco anos inesquecíveis.
Maria Arcelina Chantip Clementino de Santiago nasceu em 1953 no Hospital Conde de São Januário. Foi registada na freguesia da Sé. Na grande parte do tempo que passou em Macau andou entre a zona das Portas do Cerco e a Rua da Madrezinha, onde viviam os avós. Depois dos primeiros anos na península mudou-se para Coloane, passando a viver dentro do acantonamento militar porque o seu pai fazia parte do contingente português ali estacionado.
A mãe, sino-mexicana, que para além do Espanhol materno também dominava o Chinês paterno e o Português, conheceu o pai nos primeiros anos que este serviu em Macau como militar. Nascida no México, a mãe muito cedo radicou-se em Macau (com doze ou treze anos) porque os avós maternos de Maria Arcelina regressaram do país da América Central à procura de melhores oportunidades de vida. O avô materno, chinês de Cantão, tinha imigrado para o México fugindo de uma China que se desmoronava e vivia tempos difíceis. No entanto, depois de conhecer a esposa (mexicana), achou que o México também não reunia as condições que considerava necessárias para singrar na vida. «Tendo conhecimentos de Espanhol e, por semelhança, de Português, Macau apresentou-se como a solução ideal para a sua busca, ainda para mais que está próximo da sua Cantão natal e da sua pátria, a China», explicou a’O CLARIM.
Maria Arcelina veio para Portugal com três anos de idade, tendo regressado a Macau com cinco e voltado para Portugal com oito. Os primeiros anos de vida desenrolaram-se muito ao sabor das comissões militares do pai. Desde 1961 que não ponha o pé em Macau, um interregno que terminou há seis anos, em 2011, quando decidiu ir ver a sua Macau e a sua Coloane.
Em Portugal, Maria Arcelina estudou em Viana do Castelo e ingressou no Ensino Superior em Lisboa. Terminada a licenciatura fixou residência em Espinho e hoje passa maior parte do tempo em Monção, onde com o marido aposta na produção de excelentes vinhos de mesa.
Em Lisboa, onde cursou Germânicas, viveu no Lar de Estudantes Ultramarinas, onde ficou amiga de várias alunas vindas de Angola, Timor-Leste e Macau. Foi esta convivência com estudantes de Macau que avivou ainda mais as suas raízes. No entanto, o contacto com o território nunca se perdeu, pois a família sino-mexicana ficou em Macau, sendo frequente comunicarem entre todos. Maria Arcelina recordou a’O CLARIM, com alguma nostalgia, do avô de Cantão «queixar-se que como apenas teve descendentes filhas ficava sempre sozinho. Na época era usual, na cultura chinesa, a filha ir sempre com a família do marido». As outras duas filhas, tias de Arcelina, também casaram com portugueses da “metrópole” e vieram viver para Portugal.
Da passagem académica por Lisboa e pela residência feminina ficaram amizades macaenses que ainda hoje recorda e que gostaria de recuperar. Lembra-se muito bem de Regina Freitas, que é médica, e de Ivone Amaral que era colega do curso de Germânicas. Com esta última ainda manteve alguma correspondência, mas devido a uma mudança de casa perdeu o contacto e, desde aí, nunca mais teve notícias. A’O CLARIM confessou que espera que esta conversa chegue às amigas e que assim consiga localizar duas amizades dos tempos da universidade.
Sobre Ivone Amaral, Maria Arcelina tem conhecimento que possivelmente vive em Portugal, mas não tem o contacto. Quanto a Regina de Freitas, não tem qualquer informação.
Da curta vivência de Macau e de Coloane guarda memórias que o tempo não conseguiu apagar, como ir todas as semanas com a mãe a Macau (não havia pontes e a ida a Macau era um evento especial). Nos anos cinquenta Coloane era muito longe. A ida à península servia para visitar os avós maternos e para a mãe ir ao cabeleireiro e fazer compras na famosa mercearia do Largo do Senado onde se abasteciam de produtos portugueses.
A viagem a Macau era como que um ritual em que se fazia sempre as mesmas coisas e pela ordem habitual. «Havia tempo para rezar na capela onde se encontra o Senhor dos Passos (o Senhor do Pau dos chineses – atirou Maria Arcelina, entre sorrisos), para almoçar nas tasquinhas que havia para os lados das Ruínas de São Paulo e visitar os avós antes de regressar ao anoitecer a Coloane». Quando havia tufões tinham que ficar em casa dos avós. Lembra-se bem de «ver o avô, atarefado, a pregar tábuas nas janelas e a segurar tudo o que havia nas varandas antes da chegada da tempestade».
Outra das memórias bem vivas é a de ver grupos de chineses rodeados pela polícia durante as campanhas de vacinação. Por ser muito criança não compreendia porque é que aquelas pessoas não queriam ser vacinadas. Sendo, de certo modo, o filho que os pais nunca tiveram, foi ensinada a ser corajosa e nunca mostrar medo quando era para ser vacinada. Por isso, para ela, era difícil perceber porque é que aqueles adultos tinham medo das vacinas.
Da infância em Macau guarda ainda o Cantonense, que perdurou mesmo que em casa não se falasse o dialecto do sul da China. A mãe era fluente em Cantonense, Espanhol e Português, mas foi das empregadas domésticas que aprendeu a falar Chinês, que ainda hoje não esquece.
JOÃO SANTOS GOMES