Madagáscar: uma sugestão de viagem

A Grande Ilha do Trópico de Capricórnio

Estive trinta dias em Madagáscar e não avistei um único lêmure. Tão pouco enchi o olho com o emblemático embondeiro. Um e outro, espécies indígenas. E, não obstante, é como se tivesse visto tudo sem ter visto quase nada, tal a intensidade do viver nestas paragens onde o tempo, dir-se-ia, congelou. Já vos explico: uma estada de um mês chega para muito pouco. A não ser que se opte pela via aérea, uma constante entre os turistas ocidentais (orientais? nem vê-los!), pois as estradas são bastante básicas. Para terem uma ideia: a número 7, suprassumo rodoviário malgaxe, equivale a uma estrada terciária de qualquer país europeu. O resto, bem, o resto são picadas e trilhos no saibro, intransitáveis na época das chuvas que aqui ocorre de Novembro a Abril. Que querem? Estamos em África. Ou melhor, entre a Ásia e África, pois Madagáscar, a quarta maior ilha do planeta – há dois mil e quinhentos anos ainda por habitar – foi inicialmente povoada por gleba marítima vinda do arquipélago indonésio, aos quais se seguiriam africanos de proveniência banto e árabe omanita. Desse caldo étnico, que sofreu óbvias miscigenações, resultaram diferentes realidades tribais com as quais tiveram de lidar os navegadores portugueses que a esta ilha aportaram em 1504, chamando-a de São Lourenço. Dois desses pioneiros, Diogo Dias e Pedro Soares, inspirariam o nome da cidade de Diego Suarez, actual Antsiranana.

Sim, eu sei. Se acham complicado pronunciar essa palavra experimentem soletrar Ambodhiatrimo, uma das onze colinas envolventes à capital Antananarivo. Para resolver o assunto os malgaxes encontraram uma solução engenhosa. Assim, Antananarivo é simplesmente Tana; e Fianarantsoa, importante cidade mais a sul, Finnar.

País montanhoso em todo o seu interior, com bolsas de verde transmutadas em reservas naturais (dezoito ao todo); a costa oeste, árida e praticamente despovoada em contraste com a exuberante costa leste, onde se enraizou gente de tradição comercial como os árabes, os indianos e os chineses. O Islão entrou por essa via, seguido pelo Cristianismo, profusamente difundido ao longo de uma colonização feita a dois tempos: a inglesa e a francesa, esta última perduraria. Hoje apresenta-se com os seus diferentes dogmas, vertentes, que turbas de missionários ajudaram a perpetuar. O resultado está à vista: nas igrejas (anglicanas, luteranas, católicas), na tipologia das casas a fazer lembrar o norte da Europa, nas baguetes barradas com manteiga que se comem ao pequeno almoço.

Convido-vos a encetar uma viagem terrestre rumo ao sul do País, em furgões e furgonetas sobrelotadas, os designados taxi-brousses. Não vos prometo conforto nem dia e hora certa de chegada, e quase de certeza haverá um ou outro percalço. A mim calhou-me uma noite inesquecível a deslumbrar-me com o Cruzeiro Sul e outras constelações austrais, bem enquadrada pelo perfil de um gigantesco embondeiro, graças a um eixo partido na Mercedes Sprinter colectiva que nos obrigou a pernoitar num descampado, felizmente não muito longe de uma aldeia de cubatas. Prometo-vos, isso sim, um constante desfilar de realidades “tecnicolor” sem que tenham vontade de fazer um intervalo – elegantes casas de barro de dois andares com varandas de madeira e tectos de colmo, florestas de coníferas, imponentes blocos de granito despontando da terra, e pessoas fantásticas, gentis, de sorriso franco e luminoso. E ao fim do trilho, a cidadezinha de Toliara, numa baía com montantes e vazantes de maré a cada oito horas. Juntam-se às comunidades piscatórias dos laboriosos vezos, alguns expatriados franceses que introduziram o hábito de passear de “quad” e ler banda desenhada. O peixe é do melhor que há. Aqui comi as melhores espetadas de camarão do mundo, regadas com rum de canela ou gengibre, cortesia do proprietário Gilles, ex-legionário com vida pousada, mulher malgaxe e filho para contar a história num futuro não muito distante. Uns quilómetros a sul, a aldeia de pescadores de Saint Augustin, com um pequeno delta por onde se passeiam minúsculos zambucos que fazem lembrar os do Nilo, foi buscar o nome à bonita baía de Santo Agostinho, baptizada pelos navegadores portugueses, serve de antecâmara ao retiro de Anakao, um luxo há beira mar plantado com piscina e spa. Feito à medida para quem gosta de se imaginar nas Seychelles.

Bordejando a costa, enfiados em pirogas de velas desfraldadas, homens prosseguem a faina, e outros, em embarcações inteiramente de madeira, à vela e sem motor a auxiliar, aguardam a subida da maré para iniciarem mais uma navegação por cabotagem, transportando produtos de primeira necessidade para as povoações existentes ao longo da costa.

De permeio, há que reservar uns dias para deambular pela paisagem absolutamente irreal, por vezes lunar, do Parque de Isalo, um maciço de granito e grés, legado do período jurássico, entalhado com desfiladeiros e picos atrevidos, oásis de palmeiras e piscinas naturais inesperadas, numa extensão de cem quilómetros, de norte a sul. Um mero passeio não é garante de avistamento substancial de vida animal, mas são muitas as probabilidades de deparar com algum exemplar das várias espécies de lêmures e pássaros que ali vivem, além de vasta plêiade de répteis e, claro, as plantas ali superiormente representadas.

Prossigamos viagem, ainda mais para sul, desta feita num camião de caixa aberta e bancos de madeira. Dia e meio de jornada por um interior agreste feito de fetos e cactos pós glaciação. Devido ao isolamento seriam preservadas duzentas mil espécies de plantas e animais, proporcionando a Madagáscar uma flora e uma fauna únicas no mundo. Prova que também se pode viver com a natureza. Sucedem-se povoados, alguns abençoados por rios caudalosos, fartos em carpas que nos são servidas a troco de alguns milhares na moeda local. Também há um delicioso frango caseiro bem picante, preparado como só as mães sabem preparar. E o sorriso desta gente? Inigualável! Pratica-se em todo o sul uma agricultura de subsistência, exceptuando o sisal e o algodão, produzido em grandes plantações de investimento estrangeiro, já mais perto da costa, fustigada pelo gélido e persistente vento da Antártida.

Reveste-se a paisagem de verde e de orografia elegante, embelezada pelos cumes que resguardam a reserva natural de Andohahela, guardiã dos muitos segredos que nos reserva Tolagnaro, ou melhor, Fort Dauphin. Depara-se aqui o visitante com uma das mais belas e longas baías já vistas: a Baía dos Galeões. De um lado, mar picado, apressado; no lado oposto, ondas pausadas e curvilíneas, ideais para o banho e o surf. Faltam – queixam-se os locais – os visitantes. Desmotivados, ao que consta, pelas dificuldades de acesso. O facto, garanto-vos, não me incomoda. Tenho agora muitas mais razões para regressar. E ficar. Desta vez, muito mais tempo.

Como ir – Kenya Airways voa de Hong Kong, via Banguecoque e Nairobi, três vezes por semana. Também a Cathay Pacific/Air Madagascar, com paragem em Banguecoque, mas com voos mais caros.

Onde ficar – Em todas povoações e cidades há alojamento que varia entre hotéis de 3 e 4 estrelas a modestas pensões e maisons d’hôtes, como lhe chamam aqui. Junto às praias, os habituais resorts com bungalows.

O que comer – Peixe e marisco, sempre fresco e a bom preço. As melhores lagostas e camarões do mundo!

A não perder – O Parque Nacional de Isalo, com uma flora que remonta ao período jurássico. É imensa a diversidade de plantas endémicas. Aqui encontramos várias espécies de lêmures, répteis e pássaros.

Joaquim Magalhães de Castro

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