A Esperança: fieldade ao presente, ao hoje – 7
Uma compreensão renovada da esperança – tanto humana como cristã – ajudou-me, ao longo dos anos, a tomar cada vez mais consciência do significado único deste dia, do hoje. Na perspectiva da fé, da vida espiritual e moral, qual é o significado de “hoje”?
O Salmista convida-nos: Oxalá hoje escutásseis a sua voz! Não endureçais os vossos corações! (cf. Sl., 95, 7-8). Hoje, não amanhã, escutai a voz de Deus; não façais o mal, que endurece o vosso coração, mas fazei o bem. São Paulo aconselha-nos: «A noite vai passando e chega ao seu final; o dia logo alvorecerá. Portanto, abandonemos as obras das trevas, e revistamo-nos da armadura da luz» (Rm., 13, 12).
Escutemos hoje a voz de Deus, porque hoje «é o dia com que nos presenteou o Senhor: festejemos e regozijemo-nos nele!» (Sl., 118, 24). Jesus diz-nos: «Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações. É suficiente o mal que cada dia traz em si mesmo» (Mt., 6, 34). Hoje é o tempo de Deus para nós (cf. Catecismo da Igreja Católica nos 2659 e 2660). “Não deixeis para amanhã o bem que podeis fazer hoje. Talvez não tenhais um amanhã” (São João Bosco).
O dia de hoje é verdadeiramente importante na nossa vida. “Hoje” é o tempo da bênção, «o dia da salvação» (2 Cor., 6, 2), da salvação universal (cf. Act., 2, 39). Pelo contrário, “hoje” pode tornar-se – se endurecermos o nosso coração – tempo de maldição, de desobediência e de perdição. Dizem-nos que a palavra “hoje” é usada quarenta vezes no Novo Testamento, metade das quais em Lucas. No hino de Zacarias, o Benedictus, rezamos a Deus para «o servirmos livres do medo, em santidade e justiça na sua presença, durante todos os dias de nossas vidas» (Lc., 1, 75). Jesus nasce «hoje» (Lc., 2, 11). “Hoje” se cumpre esta Sagrada Escritura, diz Jesus numa sinagoga (cf. Lc., 4, 21). “Hoje” Jesus encontra o pecador Zaqueu: «Zaqueu! Desce depressa, pois preciso ficar hoje em tua casa» (Lc., 19, 5). Um dos discípulos de Jesus queria segui-lo mais tarde e não hoje: queria cuidar primeiro do seu pai. Jesus diz-lhe: “Segue-me”, isto é, não amanhã, mas hoje, não mais tarde, mas agora! (cf. Mt., 8, 21-22). Da cruz, Jesus diz ao bom ladrão crucificado perto dele: «Hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc., 23, 43). O hoje implica obediência e abandono ao projecto de Deus (Massimo Grillo). Para o cristão, o crente, o “hoje” não é apenas o dia cronológico, chronos, marcado pelo calendário, mas um dia teológico ou espiritual, um Kairos – a graça e o amor de Deus em nós e por nós.
Diariamente rezamos: O pão nosso de cada dia nos dai hoje (cf. Mt., 6, 11). Este pedido do Pai-Nosso “recorda-nos que tudo o que temos vem de Deus” (São Tomás de Aquino). Pedimos a Deus Pai, Pai Nosso, todos os dias, que nos dê o pão da graça, o Pão da Eucaristia (cf. Jo., 6, 51), o pão da Palavra de Deus (cf. Mt., 4, 4), e o pão ou alimento deste dia. “Dai-nos”: não só a ti e a mim, mas também aos nossos irmãos e irmãs, particularmente àqueles que não têm pão e com os quais temos de partilhar o nosso pão.
Deus fala-nos hoje no seu Filho Jesus Cristo, o nosso Salvador. Deus Pai diz-nos hoje o que disse a Pedro, João e Tiago no Monte da Transfiguração: “Este é o meu Filho, escutai-o”. Escutar Jesus significa segui-lo, praticar a nossa fé cristã: «Quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática será como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha» (Mt., 7, 24).
Deus fala-nos hoje. Rezamos-lhe no Te Deum: “Dignare Domine die isto sine peccato nos custodire” (“Senhor, livrai-nos hoje do pecado”). Escutamo-lo.
Onde é que Deus nos fala? Ele fala-nos na sua maravilhosa criação. Deus, Javé, é o Senhor da criação, da terra, das montanhas, do mar… (cf. Sl., 95). Quem não se comove com a beleza arrebatadora dos versos de São João da Cruz do seu “Cântico Espiritual”? “Derramando mil graças, / Passou apressado por estes bosques; / E tendo-os contemplado, / Só com a sua imagem, / Revestiu-os de beleza. – A noite tranquila / Ao nascer da aurora, / A música silenciosa, / A solidão sonora, / A ceia que refresca e aprofunda o amor”.
A voz de Deus fala na nossa consciência (cf. João Paulo II, Encíclica Veritatis Splendor n.º 58). Uma boa consciência discerne a hora actual ao ler e interpretar os sinais dos tempos (Mt., 16, 1-4) como mensageiros de Deus, como a mão de Deus nas circunstâncias da nossa vida no mundo. Os sinais do nosso tempo: solidariedade, não-violência, paz, espiritualidade, sinodalidade, respeito pela criação, amor preferencial pelos pobres e marginalizados do nosso mundo, responsabilidade ecológica….
Deus fala-nos no fundo do nosso coração, na oração silenciosa e contemplativa. «Fala, Senhor, o teu servo está à escuta» (1Sm., 3, 10). Escutamos a voz de Deus na nossa oração litúrgica: «Porque onde dois ou três se reúnem em meu nome, eu estou no meio deles» (Mt., 18, 20). Ouvimos a voz de Jesus, nosso Salvador, na celebração eucarística: “Esta é a Palavra de Deus, ‘Este é o meu Corpo…’; ‘Este é o cálice do meu Sangue’” (Orações Eucarísticas). O teólogo Karl Rahner aconselha-nos a “rezar o quotidiano”, a rezar e a não nos importarmos se gostamos ou não, apenas rezar. E acrescenta: “cuidado com a pessoa que não reza” (in Karl Rahner, “A necessidade e a bênção da oração”). Deus escuta a linguagem silenciosa do amor (São João da Cruz).
Ouvimos a voz de Deus nos outros, nos nossos irmãos e irmãs, particularmente naqueles que sofrem, são abandonados ou têm fome. Estes são os representantes de Cristo (São Basílio): «Tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber» (Mt., 25, 35).
Concentrarmo-nos no dia de hoje não significa esquecer o dia de ontem: este dia assenta nos nossos dias passados. Nem significa esquecer o amanhã: somos peregrinos da esperança a caminho de Deus, e “o hoje é sempre um ainda não” (António Machado). “Confiai o passado à misericórdia de Deus, o presente ao seu amor e o futuro à sua Providência. Como a nossa memória é o presente do passado, a nossa esperança é o presente do futuro” (Santo Agostinho). A Eucaristia ilustra perfeitamente os laços necessários entre o ontem, o hoje e o amanhã: é memorial da paixão de Cristo (ontem); penhor da glória futura (amanhã), e graça e amor todos os dias (hoje). A nossa vida cristã é uma tensão dinâmica entre o passado e o futuro vivida no presente: uma viagem desde o já da morte e ressurreição de Cristo até ao ainda não da felicidade eterna, vivendo este dia fiel e criativamente como criaturas e filhos de Deus, e como irmãs e irmãos uns dos outros – de todos.
Perguntaram a Santa Teresa de Calcutá: «– Quais são os seus planos para o futuro?». Respondeu: «– Não tenho planos para o futuro; só me preocupo com o dia de hoje, porque hoje é o dia em que tenho de amar Jesus». São Francisco de Sales aconselha-nos: “Vivei um dia de cada vez, deixando o resto ao cuidado de Deus; Ide com confiança na Providência divina, preocupando-vos apenas com o dia de hoje e deixando o vosso coração ao cuidado do Senhor”. O dia de hoje tem, pois, uma grande importância na nossa vida, na nossa vida quotidiana. Uma boa maneira de viver o nosso hoje: Viver o dia de hoje como se fosse o último dia (São Galileu).
No seu “Diário Espiritual”, São João XXIII começa muitas entradas diárias com estas palavras: “Só por hoje…”. Para ele, para nós, a vida é uma série de dias: “Cada dia é um bom dia para nascer e cada dia é um bom dia para morrer”.
Pe. Fausto Gomez, OP