João César da Neves

Fátima entranha-se.

Não me lembro quando me confrontei pela primeira vez com a mensagem de Fátima. Desde pequeno, como católico português, vivo à sua sombra. Nascido na Terra da Santa Maria e no 40º. Aniversário das aparições, elas fizeram parte da minha vida desde sempre.

Do que lembro foi da luta que essa mensagem gerou em mim. É que a Senhora tinha pedido para rezarmos o terço todos os dias, e quando era jovem tinha muita dificuldade naquela longa repetição que me parecia sem sentido. Eu e o terço tivemos uma guerra demorada e dramática, com muitas fases e episódios, que ele acabou por ganhar, quando eu já era crescidito. A fidelidade foi vencendo o enfado, mas só em adulto, sobretudo através da devoção de São João Paulo II, consegui compreender e aderir ao sentido e beleza dessa oração.

Os acontecimentos de Fátima, e aquilo que a Senhora tinha vindo dizer ao mundo nesta terra do fim do mundo, era algo que eu conhecia e meditava, mas foi preciso um acontecimento particular para Fátima chegar realmente ao centro da minha vida espiritual. Vou contá-lo, não porque o considere milagroso ou sequer especial, mas para testemunhar os seus efeitos sobre a minha relação com as aparições, como me pediram.

A 9 de Maio de 2002 fui convidado pelo padre José Maria Cortes para fazer uma conferência, parte da preparação da visita da Imagem Peregrina à paróquia de São Pedro de Alverca do Ribatejo. Essa visita, que se realizaria a 13 de Maio seguinte, era especial por incluir a cerimónia de início das obras da primeira igreja do mundo dedicada aos beatos Jacinta e Francisco. O tema que me deram, Fátima e o Século XX, levou-me a alinhar as datas mais importantes do século, que eu tinha recolhido por causa das minhas aulas de Economia, junto com as do fenómeno de Fátima. Notara já coincidências, mas só com este exercício o padrão se destacou com clareza. No final da sessão, a doutora Madalena Fontoura, outra conferencista da noite e conhecida autora sobre Fátima, disse-me que eu tinha de publicar este texto. Nunca tinha pensado nisso, mas senti-o como um apelo.

Passar aquela pequena intervenção para livro exigia muito trabalho, e foi nesse estudo de Fátima que mergulhei nos meses seguintes, deixando tudo o resto, excepto as aulas. Foi um dos tempos mais notáveis da minha vida, com muitos pequenos factos que, parecendo banais, foram decisivos. Conto apenas dois para ilustrar este testemunho.

Um mês depois, a 8 de Junho, fui fazer mais uma conferência. Tinha prometido e não me podia escapar. Minutos antes de começar a falar notei que era festa do Imaculado Coração de Maria e que a palestra seria na Junta de Freguesia de Pernes, local de onde, na noite de 22 de Outubro de 1917, dez dias após a última aparição, tinha partido o primeiro ataque maçónico que devastou a Cova da Iria. Estar ali, naquele dia dedicado à Senhora, a falar dela, tocou-me muito. Três dias depois, a 11, numa visita à feira do livro, encontrei num alfarrabista uma prateleira cheia com os livros mais antigos e marcantes da história de Fátima. Comprei 18, que foram preciosos para a investigação. Assim nasceu o livro O Século de Fátima, hoje em terceira edição, e que me mudou a relação com as aparições.

A minha vida espiritual passou a seguir os caminhos da Senhora do Rosário. Nunca fui lá a pé, nem sequer costumo estar nas peregrinações aniversarias de dia 13. Mas adoptei na minha vivência de fé o aroma de Fátima: as orações de Fátima, as devoções de Fátima, o apelo à intercessão da Senhora e dos pastorinhos. Nós, portugueses, temos um dever especial para com esta mensagem, que foi confiada a três dos nossos para a levar a todo o mundo. Mas o primeiro lugar onde a tenho de levar é à minha vida quotidiana.

Hoje, depois de tudo disto, permanece uma luta que essa mensagem gera em mim. É que o anjo tinha dito: “De tudo que puderdes, oferecei um sacrifício em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores”. Só que eu não consigo estar nesta disponibilidade reparadora, e desperdiço muitas oportunidades de sacrifício. Mas sei que, tal como o terço foi uma conquista difícil, também este é um caminho a percorrer. E sinto que a Senhora e os pastorinhos, tal como o tio Manuel Marto, o doutor Formigão, a Madre Godinho, a senhora Maria da Capelinha, D. José Correia da Silva, São João Paulo II e tantos outros santos de Fátima, me acompanham neste esforço, chorando com as minhas falhas, incentivando-me nas dúvidas, alegrando-se com os meus pequenos sucessos. Afinal, porque a mensagem é para o mundo inteiro, ela é também para mim.

JOÃO CÉSAR DAS NEVES

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