IGREJAS DO SRI LANKA PERMANECEM DE PORTAS FECHADAS

IGREJAS DO SRI LANKA PERMANECEM DE PORTAS FECHADAS

Atentados semearam morte, medo e indefinição

Quase quatro centenas de mortos, mais de meio milhar de feridos, três igrejas e várias unidades hoteleiras esventradas. Um país vergado ao medo e à incerteza. Cinco dias depois de uma série de ataques simultâneos terem vitimado 359 pessoas em três cidades do Sri Lanka, o receio e a indefinição continuam a pairar sobre a ilha com forma de lágrima imortalizada por Luís Vaz de Camões no Canto I de “Os Lusíadas”.

Os atentados, que foram reivindicados pelo Estado Islâmico, terão sido perpetrados por extremistas muçulmanos afiliados ao National Thowheed Jamaat, uma pequena e obscura organização que acolhe, entre os seus membros, cidadãos do Sri Lanka que combateram nas fileiras do Estado Islâmico na região do Levante.

Entre os alvos dos nove bombistas suicidas que conduziram os atentados estiveram a igreja de Santo António, em Colombo, e a igreja de São Sebastião, em Negombo. Em Batticaloa, cidade de maioria tamil situada na costa nordeste do País, os atacantes visaram as instalações da igreja do Sião, um espaço de oração de orientação evangélica.

As explosões, que ocorreram à mesma hora em vários pontos do antigo Ceilão, tiveram o condão de semear o medo nas principais cidades do País e de sequestrar emocionalmente a ilha-nação, disse a’O CLARIMo padre Danushka Silva, da Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria. «Neste momento, os católicos do Sri Lanka são, de certo modo, reféns de uma grande incerteza. Há muitos rumores a dar conta de outros possíveis ataques e todos sabem que as forças de segurança controlaram vários outros incidentes ao longo dos últimos dias», explicou o sacerdote claretiano, acrescentando: «Há muitas pessoas a ser investigadas em ligação aos atentados e ninguém está em posição de afirmar que novos ataques do género não vão ocorrer».

O exército e as forças de segurança do Sri Lanka montaram, desde as primeiras horas da manhã de Domingo, um apertado aparato de segurança ao redor de instalações públicas, igrejas, centros de culto, mesquitas e instituições pertencentes ou afiliadas à Igreja Católica. Os serviços religiosos, segundo o padre Danushka Silva, estão interrompidos desde o fim-de-semana e não é certo ainda que as igrejas possam voltar a abrir as portas para a celebração da eucaristia do Domingo de Pascoela. «As igrejas continuam encerradas ao público e ainda não é possível afirmar se poderemos ou não celebrar missa no próximo Domingo. Mesmo que seja possível, sob que condições é que a celebração da eucaristia vai decorrer? As pessoas têm medo e optam por agir de forma muito cautelosa», disse o missionário.

Professor de Filosofia e de Teologia no Seminário Nacional de Kandy, o principal centro de formação de novas vocações no Sri Lanka, o padre Danushka Silva estudou em Negombo e conhece bem a comunidade católica que frequenta a igreja de São Sebastião, um dos templos visados pelo National Thowheed Jamaat.

Situada em pleno coração do antigo Ceilão, a cidade de Kandy escapou ilesa à investida terrorista e o claretiano terá sido um dos poucos sacerdotes a anunciar a Boa Nova da Ressurreição de Jesus Cristo antes das notícias que davam conta da vaga de atentados se terem tornado conhecidas. «Pessoalmente, nunca pensei que algo desta magnitude pudesse acontecer. Presidi a uma bela celebração de Páscoa numa das paróquias com as quais colaboro. Quando os atentados ocorreram, já a nossa celebração tinha terminado. Os fiéis que assistiram à eucaristia regressaram a casa felizes porque receberam a Boa Nova da ressurreição de Cristo», contou o jovem sacerdote.

«Estávamos longe de poder imaginar que menos de vinte minutos depois o País já se teria inteirado dos ataques e que as circunstâncias destruiriam por completo a alegria associada às celebrações da Páscoa», referiu o padre Danushka Silva.

Menos sorte teve Michael Pietersz, a duzentos quilómetros a leste de Kandy. Nascido em Batticaloa e falante do crioulo indo-português do Ceilão, Michael trocou há pouco mais de três anos o centro-norte do Sri Lanka pela capital do País, Colombo, à procura de melhores oportunidades de vida. No fim-de-semana regressou à terra natal para celebrar em família a mais importante data do calendário católico. O jovem, a mulher e a filha, de três anos, rumaram como habitualmente à igreja de São José, mas o anúncio da Ressurreição de Cristo não se chegou a materializar. Na ilha de Puliyanthivu, no coração da lagoa que fragmenta a cidade, a explosão de uma bomba num espaço de culto evangélico, a igreja do Sião, vitimou 27 fiéis e obrigou à interrupção das celebrações pascais nos restantes templos da cidade. «Perdemos muitos amigos na explosão e não chegámos verdadeiramente a celebrar esta Páscoa», disse Michael Pietersz, em declarações a’O CLARIM. «Por causa do recolher obrigatório ficámos retidos em Batticaloa. Só conseguimos regressar a Colombo depois da situação ter normalizado minimamente».

A normalidade de que fala Pietersz é a de um quotidiano pautado pelo receio e pela incerteza. O padre Danushka Silva estima que sejam necessários meses para que os católicos da Taprobana voltem a prostrar-se sem medo perante o sacrário nas centenas de igrejas espalhadas pelo País. «Os fiéis nunca sentiram receio de entrar numa igreja. Pelo contrário, sentiam-se seguros e protegidos. Esta série de ataques virou esta perspectiva do avesso. Ouvi pessoas dizer no rescaldo dos atentados que não será fácil para elas entrar numa igreja e concentrar-se em Deus e na oração», sublinhou o missionário claretiano.

«Os líderes da Igreja Católica terão que fazer um grande esforço com o propósito de convencer os fiéis a regressarem às igrejas. O regresso à normalidade é, no meu entender, possível, mas nunca em termos imediatos», referiu.

A mesma posição é partilhada por um outro membro da Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria. Numa carta enviada aos demais sacerdotes claretianos, o padre J.M Joseph Jeyaseelan defende que o Sri Lanka vai emergir mais forte dos trágicos acontecimentos do Domingo de Páscoa, mas a forma como a população reage aos atentados vai depender em muito do exemplo dado pelos líderes políticos e religiosos do País. “Os líderes, sejam eles políticos, religiosos ou de qualquer tipo, têm um papel relevante a desempenhar no que toca ao fomento da contenção, da empatia e da solidariedade. Vamo-nos juntar enquanto nação que sofre e, juntos, vamos dar a volta a esta tragédia. Não devemos ter a tentação de fazer justiça com as nossas mãos e devemos permitir que as autoridades façam o seu trabalho; fazer o que está ao nosso alcance para que sejam bem sucedidas. Se mantivermos a paz, exercermos contenção e formos cidadãos responsáveis já estaremos a ajudar”, escreve o sacerdote.

Marco Carvalho

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