O Primeiro Bispo
Hoje vamos falar do primeiro bispo de Macau, de uma diocese que já foi uma das maiores do mundo, aquando da sua criação, em pleno tempo do Padroado Português do Oriente. Do primeiro bispo de Macau. Ou em Macau? Não queremos estar a polemizar, apenas procurar esclarecer, embora não estejamos a falar de nenhum enigma ou mistério da história.
Aprendemos, lemos sempre que o primeiro bispo de Macau foi o sacerdote jesuíta D. Melchior (ou Belchior) Nunes Carneiro Leitão, que terá estado por cá entre 1576 e 1581. Nasceu em Coimbra em 1519, professando em 14 de Março de 1543 na Companhia de Jesus, ainda uma congregação religiosa embrionária. Por essa década seria ordenado sacerdote. Em 23 de Junho de 1555, com 36 anos, era nomeado bispo titular de Niceia, na qualidade de bispo auxiliar do então designado patriarca da Etiópia, o jesuíta D. Nunes Barreto. Cinco anos depois, foi consagrado bispo. Nesse mesmo ano foi designado bispo da China e do Japão, por Pio V. Em 1568, instalou-se em Macau, exercendo aí o seu múnus apostólico. Por isso, era e é comummente designado como “bispo de Macau”, não o sendo nominal e efectivamente.
Foi na realidade governador da diocese da China e Japão a partir de Macau, até 1581. Antes, em 1573, pediu a resignação do cargo, sem provisão porém. Em 1577, com a morte de D. Andrés de Oviedo, foi nomeado para lhe suceder como Patriarca da Etiópia. Todavia, manteve-se no Governo da recém-criada diocese de Macau, fundada um ano antes, até à chegada do primeiro bispo titular efectivo, D. Leonardo Fernandes de Sá (1578-97). D. Melchior não era com efeito o bispo titular de Macau. Resignou ao título de Patriarca da Etiópia em 1581 (tinha-o já pedido em 1578), dois anos antes de falecer, em Macau, a 19 de Agosto de 1583.
A obra
Se sintetizarmos a sua acção como governador do bispado de Macau e administrador apostólico das missões na China e no Japão, diríamos que foi muito importante, decisiva e, se tal adjectivo se aplicasse a estas acções pastorais de um prelado, “positiva”. Sim, pois fomentou todo labor missionário no Extremo Oriente. Fundou em 1569 também a Santa Casa da Misericórdia (a mais antiga instituição europeia de caridade e de beneficência aos mais pobres e necessitados em Macau, e na China), a mais antiga na China, um hospital para cristãos e não-cristãos (o “Hospital dos Pobres”, mais tarde rebaptizado de “Hospital de São Rafael”), para além de uma leprosaria junto à igreja de São Lázaro, perto do centro da cidade de então.
Em 1579-80, acolheu em Macau os franciscanos hispano-filipinos, apesar das controvérsias dos alvores da união dinástica e dos conflitos daí resultantes. Estes religiosos juntaram-se à Companhia de Jesus activos no território desde a década de 1560. Este zelo pastoral e acolhimento foi marcante para a atracção e fixação de religiosos na Cidade do Santo Nome de Deus da China, incrementado a acção e presença da Igreja Católica e das suas instituições, particularmente no contexto reformador pós Concílio de Trento (1545-63).
D. Leonardo Fernandes de Sá
O primeiro bispo nomeado pela Santa Sé para Macau foi não D. Melchior Carneiro nem D. Leonardo de Sá mas sim Diogo Nunes de Figueira. Este recusou a nomeação no dia em que a recebeu, por altura da fundação da Diocese. Nunca viajou sequer para Macau e ficou apenas como o primeiro bispo nomeado. Apenas. Porque o primeiro bispo nomeado para a diocese de Macau propriamente dita (e não China e Japão, etc.) foi D. Leonardo Fernandes de Sá, que exerceu o cargo entre 1578 e 1597, antes sob Governo de D. Melchior (na prática, como veremos, este administrou até 1581).
D. Leonardo era um sacerdote diocesano português da Ordem de Cristo (alguns relacionam-no com a Ordem de Cister, mas não nos parece assim), foi confirmado bispo de Macau em 22 de Janeiro de 1578. No entanto, apenas chegou a Macau em 1581, com D. Melchior a desligar-se em definitivo do Governo da Diocese. Partiu da iniciativa de D. Leonardo a fundação do Leal Senado de Macau, corria o ano de 1585. Também ele acolheu na cidade missionários de outras ordens religiosas, entre 1586 e 1589: os frades agostinhos e dominicanos, maioritariamente de origem hispano-filipina. Foi ainda este prelado Provedor da Santa Casa da Misericórdia. Em Macau exalaria o seu último suspiro, no dia 15 de Setembro de 1597 (alguns dão a data, errónea, de 1599).
Algumas fontes referem que a diocese de Macau esteve vacante (sem prelado nomeado ou até residente) entre 1576 e 1581. Ora já se viu porquê: nunca desde a sua fundação – e antes até – a Diocese esteve sem antístite! D. Melchior administrou-a até à chegada em pé firme do primeiro bispo efectivo e nomeado, residente, da Diocese, D. Leonardo. Após a chegada de D. Leonardo, em 1581, D. Melchior retirou-se então para a Casa Professa da Companhia de Jesus, a sua congregação religiosa, fundada em Macau em 1565 pelos sacerdotes jesuítas Francisco Peres, Manuel Teixeira e André Pinto, perto da igreja de Santo António, a mais antiga da cidade. Naquela comunidade inaciana, faleceria o primeiro prelado a governar a diocese de Macau, a 19 de Agosto de 1583. Morreu de asma.
Esperamos pois trazer aqui alguma luz acerca do episcopológio de Macau, nas origens da Diocese, que acolhe entretanto um novo prelado, D. Stephen Lee, o mais recente na já extensa lista de pastores nesta fecunda vinha do Senhor, no Delta do Rio da Pérola. Na Cidade do Santo Nome de Deus da China, Não Há Outra Mais Leal.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa