Missionários atenuam dificuldades da população
Passado um ano após a instalação do Conselho Presidencial de Transição (CTP), o padre Marc-Henry Simeon, porta-voz da Conferência Episcopal Haitiana, faz um balanço bastante sombrio das “conquistas” deste organismo, que era suposto tirar o País da insegurança provocada pelos gangues criminosos que o assolam. «O Estado está a entrar em colapso progressivo, deixando a porta aberta aos gangues armados que estão a expandir a sua área de controlo, especialmente na capital», disse o sacerdote.
Num recente debate televisivo transmitido pela Rádio Télé Métropole, a propósito do assassinato das religiosas Evanette Onezaire e Jeanne Voltaire, das Pequenas Irmãs de Santa Teresa do Menino Jesus, ocorrido a 31 de Março na comuna de Mirebalais, a cerca de cinquenta quilómetros a nordeste da capital, o padre Simeon lembrou o «carácter mártir do povo haitiano» e referiu que a Igreja Católica estará sempre em comunhão com esse povo, partilhando com ele «o seu sofrimento colectivo».
São de tal forma precárias as condições de segurança em Mirebalais que ainda não foi possível recuperar os corpos das duas religiosas para lhes prestar os serviços fúnebres condignos.
Perante o que denomina de «fracasso colectivo», o padre Simeon apelou a uma «revolução moral em vez de uma revolta brutal». Pediu ainda aos líderes políticos para que façam uma introspecção sincera e se abram «a um diálogo inclusivo», por forma a encontrar uma solução fiável para a crise. «Aqueles que falharam na sua humanidade jamais abandonarão o poder sozinhos», concluiu.
Segundo a ONU, há mais de um milhão de deslocados no Haiti, um número que triplicou no espaço de um ano. A violência dos gangues na capital Porto Príncipe obrigou milhares de famílias a fugir por diversas ocasiões. De acordo com as Nações Unidas, nos primeiros três meses do ano, pelo menos mil 518 pessoas morreram e 572 ficaram feridas, devido à violência dos gangues, das milícias de autodefesa e das operações policiais.
Apesar de tão hostil panorama, a população tenta levar uma vida normal. Todas as manhãs, por exemplo, cerca de 250 crianças enfrentam durante horas caminhos íngremes e perigosos para chegar à Escola Primária de Pourcine Pic Makaya. São oriundos das aldeias espalhadas pela região: uns sobem dos vales próximos; outros descem do topo do planalto, enfrentando trilhos pedregosos e escorregadios, que com a chuva ou até o orvalho se tornam quase intransitáveis. Um dos missionários presentes na comunidade conta que todas as manhãs, bem cedo, aguarda à entrada do pátio da escola a chegada dos «nossos jovens heróis, com idades compreendidas entre os quatro e os catorze anos [de idade]». Muitos chegam bem vestidos, «dentro das suas possibilidades», com os uniformes escolares. Até os mais pequenos, «que percorrem longas distâncias», antes de sair de casa têm o cuidado de se lavar no tanque público. «A pontualidade, porém, nem sempre é possível», sublinhou o religioso.
Adoecer em Pourcine Pic Makaya é um infortúnio que deve ser evitado a todo o custo. O hospital local, deficientemente equipado, fica longe e está reservado aos casos mais graves, que para ali são transportados – uma vez atravessado um vale profundo: uma caminhada de seis horas – primeiro à mão, numa maca, e depois de moto, ou, com sorte, no interior de um dos raros veículos motorizados que por ali passam.
As doenças, especialmente as menos graves, são tratadas recorrendo à medicina tradicional, que combina o uso de plantas medicinais com rituais difíceis de compreender para os espíritos mais racionais. Em muitos casos, o método é eficaz e decisivo; porém, situações há que, pela sua gravidade, exigem tratamento imediato e a presença de pessoal qualificado. Nesses casos, insistir nos medicamentos tradicionais pode ter consequências fatais. Nos últimos meses, várias pessoas morreram por causa dessas “falsas crenças”.
Em Pourcine Pic Makaya, a casa do pároco tornou-se um ponto de referência para todos aqueles que adoecem, seja com uma simples dor de dentes, bronquite ou pequena ferida… Já para não falar das crianças em idade escolar que ali chegam com parasitas, febre, tosse, ligeiros ferimentos, etc.
Por enquanto, os voluntariosos representantes da Igreja de Cristo vão monitorizando os sintomas e ajudando as pessoas a atravessar o profundo vale, onde, com sorte, poderão chegar ao hospital. «Fico sempre surpreendido», revelou o nosso missionário anónimo, «ao ver como é que pessoas com a saúde debilitada conseguem fazer uma viagem tão árdua e difícil». Chegam à Paróquia a arder em febre ou gravemente feridos e ainda conseguem arranjar forças para chegar ao hospital. «Este é, sem dúvida, um povo de heróis», rematou o missionário.
Em 2024 e neste primeiro semestre de 2025, foram tomadas algumas medidas que visam melhorar as condições de vida da comunidade local. Nos restantes meses do ano continuar-se-á este caminho, apesar das enormes dificuldades que o País enfrenta. Serão iniciados, em breve, projectos de alfabetização de adultos, obras de manutenção de alguns troços dos trilhos e caminhos de mulas na região, obras no segundo troço de um aqueduto e a segurança de duas outras fontes, e ainda a manutenção de um viveiro de café. Contudo, o maior desafio continua por fazer: a construção de uma pequena clínica que satisfaça as cada vez mais prementes necessidades de saúde da população.
Joaquim Magalhães de Castro