Furacões nas Caraíbas

Como falar de uma catástrofe?

Quando este texto for publicado o tremendo pesadelo que assolou as Ilhas Antilhas, nas Caraíbas Ocidentais; a ilha de Hispanhola; Cuba e a península da Florida, nos Estados Unidos, estará quase terminado. No entanto, a sua realidade irá pairar no ar por muitos meses, quiçá, anos.

Quando nos foi pedido para escrever sobre o que sentimos ao ver a catástrofe que se assolou as Antilhas Ocidentais na semana passada, fiquei com um misto de tristeza e de obrigação em explicar a tragédia que aquelas gentes viveram.

Antes de mais convém explicar que das ilhas afectadas não conhecemos a primeira onde o furacão 
Irma entrou, a de Barbuda. Este pequeno país independente (Antigua e Barbuda é um país pertencente à Commonwealth) ficou completamente arrasado, como muitas vezes afirmou o seu Primeiro-Ministro nos canais de televisão internacionais. A ajuda humanitária internacional é mais do que necessária. Após a ilha de Barbuda, o Irma entrou pela ilha partilhada por França e Holanda, a ilha de Saint Martin (em Francês), ou Sint Maarten (em Holandês) – perdoem-me, mas eu nunca concordei com a tradução de nomes. Aqui o impossível aconteceu… Se em Barbuda o Irma fez estragos catastróficos, em Saint Martin considero que se deu o Fim do Mundo! Tudo, mas mesmo tudo, ficou arrasado, e menos de um por cento das infra-estruturas da ilha se mantiveram operacionais.

Nós estivemos, durante a nossa viagem de veleiro pelas Caraíbas, por diversas vezes em Saint Martin, tanto na parte francesa como na holandesa. E como várias vezes dissemos nos artigos publicados sobre a viagem, a ilha tinha um ar europeu. Havia portugueses a viver e as infra-estruturas eram, de certa forma, de muito boa qualidade. Nada faltava, desde um aeroporto de nível mundial (o aeroporto é bem conhecido de quem navega pela Internet, pois pode-se ver os aviões a aterrar quase tocando no areal da praia), a hospitais de nível europeu, hotéis, restaurantes e centros comerciais. Hoje nada existe e o que se mantém de pé não está operacional. É o caso do aeroporto, que ainda não está aberto ao público, sendo apenas usado para os voos militares que chegam com a ajuda necessária para colocar em ordem a confusão e anarquia que rapidamente se instalaram numa ilha que ficou à mercê de tudo.

Para se ter uma noção da realidade que aquelas pessoas viveram, estiveram 48 horas sem acesso ao mundo exterior e sem qualquer tipo de segurança, enquanto milhares de delinquentes e criminosos, entretanto fugidos das prisões, saqueavam as ruas e pilhavam tudo o que encontravam. Houve grupos criminosos – nestas alturas rapidamente se organizam – armados com equipamento dos paióis da polícia, entretanto pilhados, a vaguear pelas ruas. O caos, relatado por quem lá vive, foi total. Finalmente, ao terceiro dia, com a chegada dos militares franceses, que saíram da ilha de Guadalupe, foi colocada alguma ordem e arrancaram os trabalhos de apoio. Foi uma corrida contra o tempo porque, no horizonte, havia outra tempestade, o furacão Jose… Felizmente, este passou sem grandes consequências. Aliás, pouco já haveria para destruir, segundo me confessou um amigo.

Outro dos locais – na sua quase totalidade dizimado – foi o aglomerado de ilhas geralmente conhecido por Ilhas Virgens Britânicas, o paraíso, “per si”, da vela e das praias nas Caraíbas. Por termos vários amigos que viveram a realidade na primeira pessoa, a situação foi seguida com mais emoção. Infelizmente, as perdas foram totais. Perderam as embarcações onde viviam e todos os bens pessoais. Em terra, a destruição foi igualmente indescritível como tinha sido em Saint Martin, com a agravante das infra-estruturas nas BVI (sigla em Inglês das Ilhas Virgens Britânicas) serem de qualidade muito inferior às da ilha franco-holandesa. A ilha de Anegada e de Tortola, onde um casal brasileiro amigo perdeu tudo o que tinha, foram completamente apagadas do mapa. Restaram apenas pilares de cimento e uma ou outra árvore que, por milagre, não foi arrancada. Da ilha de Anegada todas as pessoas foram evacuadas antes da chegada da tempestade. Se tivessem permanecido não estariam hoje vivas, uma vez que da ilha nada sobrou.

Já nas Ilhas Virgens Americanas (USVI na sigla inglesa) a destruição, apesar de extensa, não foi em tão grande escala, muito graças à qualidade das infra-estruturas. Contudo, numa zona que também bem conhecemos, a baía da capital da ilha de Saint Thomas, Charlotte Amalie, muitos dos barcos sofreram danos ou afundaram, apesar de estarem preparados na marina para enfrentar o furacão. O aeroporto internacional recebe somente voos militares e humanitários.

Esta realidade que vos descrevo foi vivida por todas as populações ao longo da cadeia ocidental das ilhas das Caraíbas, nas Bahamas, e mais recentemente na península da Flórida, onde alguns residentes de Macau se encontravam. Felizmente, pelo que sabemos, nada sofreram.

Falamos de um furacão como nunca se tinha registado. Uma tempestade que ultrapassou a mais forte que até hoje se conhecida, o furacão Katrina, que arrasou a zona de Nova Orleães, nos Estados Unidos, em 2005, e que passados doze anos continua a viver os efeitos da catástrofe. Será fácil imaginar a tragédia que assolou estas pobres ilhas, onde os recursos são infinitamente menores do que os disponíveis na parte continental dos Estados Unidos.

Vivemos esta tragédia de forma mais pessoal pelos amigos que ali se encontravam e pelas memórias que temos dos locais e das pessoas. É-nos impossível distanciar desta realidade, assim como não nos foi possível ficar indiferentes à destruição que o Hato levou a Macau e ao Sul da China.

Foi com um nó na garganta que 24 horas depois da tragédia liguei para um casal amigo, para de certa forma os consolar, depois de saber que tinham perdido tudo. Como se pode consolar uma pessoa que ficou sem tecto, sem documentos, sem uma muda de roupa, não havendo ninguém que a possa ajudar, porque como ela estão quase todos os que ainda se encontram nessas ilhas? Ficaram as palavras amigas na sua língua materna, o Português. Palavras que o casal agradeceu, ficando a certeza que podem contar com a nossa disponibilidade para o que for necessário. Colocámos-lhes o nosso veleiro à disposição. A embarcação nada sofreu, estando guardada em Curaçao. Por nós, podem ficar lá a viver até que se recomponham dos danos. Para dizer a verdade, sentimo-nos impotentes perante tanta destruição.

São pessoas sem posses, simples, embora muitos pensem que quem vive em veleiros é rico, o que é completamente descabido. A maioria das pessoas, como nós, que optaram por um estilo de vida em cima da água, luta diariamente para ganhar a vida e manter a sua “casa” habitável. Não é uma vida de praias e bebidas ao pôr-do-sol.

A terminar, a título de comparação, o tufão Hato que afectou Macau registou ventos na casa das 100 milhas por hora e causou os danos que todos sabemos. O furacão Irma atingiu as 185 milhas por hora durante vários dias.

Assim como desejamos que Macau se erga mais forte depois da passagem do Hato, desejamos a todos os residentes destas pobres ilhas paradisíacas que encontrem forças e apoio para retomar a sua vida o mais rapidamente possível. Aos nossos amigos afectados um forte abraço de solidariedade. Vai ser doloroso regressar às Caraíbas e não encontrar lugares que já faziam parte do nosso imaginário.

A imagem que ilustra este texto foi captada em 2014, aquando da nossa passagem por Road Town, nas Ilhas Virgens Americanas. Hoje, nada do que se vê atrás de nós existe…

João Santos Gomes

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