Filosofia, uma dentada de cada vez (6)

Ler, porquê?

Ainda estamos a discutir os três reinos: a realidade (o mundo exterior a nós), o conteúdo mental (o nosso mundo interior feito de sensações e pensamentos) e a linguagem (falada e escrita). Seguindo a explicação de Aristóteles dissemos que a linguagem depende do conteúdo mental e o conteúdo mental depende da realidade.

Também vimos que existem diferentes graus de complexidade no mundo real, desde a mais simples das matérias dos elementos químicos (ex: oxigénio) até ás realidades espirituais (ex: amor). Quanto mais complexo ou sofisticado é o “ser” (objecto do estudo), maior é o conhecimento que podemos obter dele. Quanto mais sabemos sobre ele, mais podemos falar sobre ele. Deixem me dar-vos um exemplo.

Na maioria das linguagens ocidentais existe apenas uma palavra para “o amido ou para os grãos de uma gramínea anual, Oryza sativa, que é cultivada nos climas quentes e utilizada como comida” (definição do www.dictionary.com) Essa palavra é “Arroz”. Mas nos países que realmente cultivam o arroz há diferentes nomes para (1) o arroz que ainda não foi colhido, (2) arroz descascado, (3) arroz cozido e (4) para os restos de arroz cozido que ficam no fundo das panelas.

Nos países do Norte da Europa há muitos nomes para “neve”. O povo Sami, que vive nos extremos norte da Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia, possui 180 palavras para “neve”. Nesse conjunto de diferentes palavras incluem-se definições para o granizo, para uma camada muito fina de neve, para neve misturada com lama, neve fresca, neve congelada, e por aí adiante.

E o que estes exemplos nos mostram? Quanto mais rica é a realidade, mais rico é o nosso conhecimento; quanto mais rico é o nosso conhecimento, mais rica é nossa linguagem.

E como enriquecemos os nossos conhecimentos? Uma das formas é lendo (lembram-se da terceira forma pela qual sabemos?).

Vivemos numa era de imagens que nos são apresentadas em rápida sucessão. Esse facto deixa-nos muito pouco tempo para reflectir sobre o que estamos a ver. Dificilmente temos uma oportunidade para verificarmos se o que estamos a ver é verdadeiro ou falso. E assim ficamos com poucas possibilidades para julgarmos se o que nos é apresentado é, ou não, bom para nós.

Estamos a educar uma geração de pessoas que não conseguem fixar as suas mentes em conceitos claros, ou a raciocinar com coerência, pessoas que não vivem num mundo real, mas num mundo virtual, e que não estão preparadas para enfrentarem a vida com os seus desafios inerentes. Estes factos reflectem-se na forma como falam, no modo como escrevem e na maneira como vivem.

Por vezes, algumas escolas dão-se ao trabalho de fazerem os seus alunos memorizarem palavras com o intuito de ajudar os estudantes a escreverem ou a falarem melhor. Trabalho inútil.

Ler liga-nos ao mundo, é uma excelente forma de nos auto-educarmos. Ler leva-nos a lugares e/ou épocas que poderemos nunca ter a possibilidade de conhecer pessoalmente.

Quando escolhidos correctamente, os livros ajudam-nos a adquirir critérios que nos tornam menos ingénuos, melhor informados, menos dependentes de emoções quando precisarmos de tomar decisões.

Além disso, estudos mostram que ler melhora a actividade cerebral e mantém a mente jovem, ajuda a reduzir o “stress” e ajuda-nos a ter um sono melhor (desligue esse telefone!).

Ler é importante, e não apenas para os estudantes. É ainda mais importante para os que têm que os ensinar. “Nemo dat quod non habet” (Ninguém pode dar o que não tem) diz o ditado.

É particularmente recomendado ler obras clássicas. É considerada uma obra clássica aquela que é lida por gerações consecutivas mesmo muito depois dos seus autores terem falecido. Porquê? Porque nos ensinam verdades intemporais sobre o mundo e sobre nós próprios.

Em 1970 Aleksandr Solzhenitsyn, durante o discurso de aceitação do seu Prémio Nobel da Literatura, disse: «O único substituto para uma experiência que nós nunca tivemos é através da arte, da literatura. A literatura possui uma maravilhosa capacidade: para além das diversidades de línguas, estruturas sociais, pode transmitir experiências de vida de uma nação inteira para outra… a literatura transmite experiência condensada de irrefutável valor… de geração em geração».

Pe. José Mario Mandía

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