Filosofia, uma dentada de cada vez (46)

Então, por que é que o Homem é tão imprevisível?

Vimos antes que o Homem tem a capacidade de “aparecer com novas ideias” e que isso está baseado no facto de que ele pode ir para além das meras aparências das coisas. Nós temos uma capacidade que nos ajuda a descobrir – abstrair – a essência das coisas, a partir das imagens geradas pelos nossos sentidos internos. E, como vimos, essa imagem sensorial contém as características específicas de cada coisa de per si, individualmente, que nós conhecemos: a sua cor, o seu aspecto, a sua textura, o seu cheiro, etc. A mente vai para além dessas aparências.

Quando encontramos uma pessoa os nossos sentidos reconhecem a sua estatura, cor, e os outros aspectos óbvios. Mas os sentidos não podem alcançar o invisível, o âmago essencial. Precisamos de um poder mais elevado, o intelecto, que tem a capacidade de abstrair a essência. Além disso, no texto nº 7 desta série (edição de 17 de Março de 2017) vimos que esta capacidade mais elevada efectua três simples operações básicas: A apreensão simples, o juízo e o raciocínio.

Já antes falámos bastante sobre estas operações (ver as edições entre os nos 8 e 21, de 24 de Março a 23 de Julho de 2017). Devido ao facto do Homem possuir um intelecto, ele não actua baseado apenas no que sente (nos sentidos). Um homem que actue baseado apenas no que sente não está a actuar como um ser humano, mas mais como um animal. Não é humano “julgar pelas aparências”, reagir baseado apenas nas primeiras impressões. Este facto explica, parcialmente, porque é que as acções do Homem são imprevisíveis. Mas existe mais um elemento a considerar para se abranger toda a situação.

Assim como no nível animal existem os sentidos de conhecimento e os sentidos de apetite (ou tendências), no nível espiritual temos o conhecimento intelectual e o apetite intelectual. O apetite intelectual ou raciocínio é chamado de “vontade”. Quando os sentidos reconhecem algo que pode ser ou útil ou perigoso, os sentidos de apetite são “activados” e provocam uma reacção no animal (as paixões ou emoções). Deste modo, quando o intelecto detecta algo bom ou mau também activa a vontade. No entanto, tal não significa que a pessoa reaja de imediato. Uma pessoa com alguma formação intelectual e treino de vontade não reage apressadamente aos estímulos, a menos que esse estímulo represente uma grande e/ou eminente ameaça. Uma pessoa amadurecida leva algum tempo a pensar, reflectir e deliberar.

Sabemos que quando o intelecto vê (identifica) algo como “bom” a vontade tem uma inclinação inicial para isso. No entanto, o intelecto necessita de identificar se essa coisa é boa para ele, “aqui e agora”. Quando vejo o último modelo de “smartphone” exposto na vitrina da loja, naturalmente que ele atrai a minha atenção. Mas eu tenho que pensar se é bom para mim adquiri-lo naquele instante. O meu actual telemóvel talvez ainda funcione bem. E eu não esteja com vontade de me separar de tantas patacas, ganhas tão arduamente. Logo, essa despesa não é necessária, aqui e agora.

Mas ainda precisamos de mais alguns passos. Se eu penso que algo é bom para mim aqui e agora, ainda assim tenho que pensar sobre quais os meios possíveis que irei usar para obtê-lo. Apenas quando realizar qual será o melhor método entre os possíveis é que eu actuarei. Podemos ver nesta explicação simplificada porque é que diferentes meios reagirão de forma diferente ao mesmo estímulo. Esta interacção entre o intelecto e a vontade são a raiz da capacidade que temos de escolha. Esta capacidade peculiar das criaturas intelectuais é conhecida como liberdade. Teremos mais no próximo ensaio.

Pe. José Mario Mandía

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