Macaense desenrascado.
Nascido em 1958, estudou em Macau até ao 11º ano, tendo depois viajado para Portugal com a intenção de ingressar no Ensino Superior. No entanto, as voltas da vida nem sempre apontaram para onde queria. «Na altura ingressávamos directamente no Ensino Superior, e assim pensava que iria acontecer comigo…», explicou Fernando Santos Ferreira.
Aluno com aproveitamento mais do que suficiente para cursar numa universidade portuguesa foi, nos anos 80, apanhado na onda das reformas e acabou vendo-se obrigado a frequentar o ano propedêutico, o que agora se chama 12º ano, para conseguir entrar na faculdade. «Uma má escolha de escola, colegas que não ajudavam nada e um sistema de ensino que estava em constante mudança», acabaram por ditar que os estudos iriam mesmo ficar pelo Secundário.
Desapontado com o desenrolar dos estudos e no calor da juventude, apostou em ir para França depois de ter ouvido dizer que se ganhava bem na apanha da laranja no Sul. Assim fez, e ali trabalhou durante quatro meses, tendo depois, no final da safra, regressado a Portugal.
O regresso acabou por ser por pouco tempo porque, infelizmente, não conseguia arranjar um emprego que satisfizesse a sua ambição. Depois de tentar um lugar de segurança numa empresa do ramo e de uma passagem pelos serviços das Páginas Amarelas, juntamente com um amigo espanhol decidiu passar umas férias ao Sul de Espanha, em Puerto de Santa Maria, na zona de Cádiz, sendo que o seu propósito era arranjar trabalho. Apesar de ter ido de férias, cedo se começou a interessar pela área do turismo, nomeadamente pelo trabalho das unidades hoteleiras e suas lacunas. Gasto o dinheiro das férias optou por rumar a Sevilha para ali tentar a sorte nos hotéis da cidade espanhola. No entanto, em Espanha, «ainda exigiam que os portugueses tivessem visto de emigrante para poderem trabalhar legalmente». Tal não foi razão para que este macaense irrequieto não arranjasse forma de ficar pelo calor da Andaluzia durante algum tempo.
O facto de dominar algumas línguas, algo que os macaenses sempre fizeram com grande desembaraço, levou a que Fernando decidisse enveredar pela hotelaria. Notou que havia uma grande lacuna no atendimento aos turistas estrangeiros, devido a não haver forma de comunicar com os clientes. Dando uso aos seus dotes linguísticos, Fernando foi-se «colando aos balcões das recepções dos hotéis; ajudava nas traduções e também ganhava com a angariação de clientes». Caído nas boas graças dos gerentes das unidades hoteleiras, que nele viam uma mais valia, começou a trabalhar atrás do balcão, embora sempre na condição de ilegal. Acabou por ser dispensado pelo gerente em resultado da «pressão das autoridades e dos avisos sucessivos de represálias, a nível legal».
No regresso a Portugal – algo que a mãe viu com muitos bons olhos porque não gostava de o ver longe, em Espanha – com a necessidade de “ganhar a vida”, Fernando optou pela Construção Civil. Primeiro como empregado e, mais tarde, como “biscateiro”. Segundo ele, «dava para viver» e «até deu sustento para sair de casa da tia, passando a viver numa pensão». Querendo sempre mais, com o apoio da irmã que vive em Paredes, no Norte de Portugal, foi trabalhar na fábrica de cadeiras do cunhado. Começou do zero, aprendendo a conhecer a madeira e, nas horas vagas, a trabalhar com as máquinas. Passado algum tempo, depois de considerar ter conhecimentos suficientes para avançar por conta própria e de já ter dado provas ao cunhado que sabia da arte, adquiriu maquinaria em segunda mão. O negócio andou de “vento em popa”, tendo aberto uma loja de móveis e decoração em Mafamude (concelho de Gaia). O negócio durou cerca de quatro anos, mas viu-se obrigado a dissolver a sociedade por incompatibilidades com a sócia. Foi então que abraçou um negócio mais abrangente: a remodelação e decoração de casas de macaenses um pouco por todo o País. Durante alguns anos foi responsável pelas casas que os macaenses e residentes em Macau iam adquirindo em Portugal, um trabalho que lhe começou a consumir muito tempo, fazendo com que estivesse sempre longe da família, especialmente da segunda filha que acabara de nascer. Com a chegada de mais duas gémeas ao seio familiar e perante o queda da construção em Portugal, mudou de vida, mais uma vez.
Já na casa dos quarenta, com três filhas, optou pelo funcionalismo público e ingressou nos Bombeiros Sapadores do Porto, profissão que desempenhou até se reformar. «Pagavam-me para fazer desportos radicais», confessou com um sorriso na cara. Foi então que Fernando, obrigado a estar em boa forma física, se voltou a apaixonar pelas artes marciais, com o taekwondo a tomar conta da sua vida até aos dias de hoje.
Desapontado com o treino imposto pelos mestres portugueses, foi contactando com mestres do Japão e de outros países. Na perspectiva de abrir o seu próprio ginásio, começou por importar equipamento, porque os preços que pediam nos ginásios em Portugal eram absurdos – «um passatempo que se transformou numa ocupação lucrativa».
Hoje é proprietário de um ginásio, onde para além da arte do taekwondo se praticam outras artes marciais e variantes de exercício físico. Em paralelo, mantém a empresa de importação de equipamento de artes marciais, sendo o fornecedor de grande parte dos ginásios da especialidade no Norte de Portugal.
Questionado sobre o que guarda de Macau com mais carinho, confessou que nunca irá esquecer «a paixão pela criação de peixes». Tudo começou ao ver os peixes nas lojas chinesas da Horta e Costa. Pequenote e desenvolto a falar Cantonense, Fernando ficava tempos infinitos a admirar os peixes nos aquários e tudo o que aquilo envolvia. Com o passar do tempo o dono de uma das lojas começou a pedir-lhe uns biscates e, em troca, oferecia-lhe pequenos peixes que levava para casa. Daí até aprender a fazer aquários e a usar o tanque do terraço da casa de família na Horta e Costa foi um pequeno passo. «Ajudava nas lojas, recebia peixes que depois criava e voltava a levar para as lojas para receber ainda mais peixes. Até que um dia, com tantos tanques e aquários em casa, o meu pai disse-me que aquilo tinha que parar. É que o espaço começava a escassear mesmo numa casa grande…».
Na memória estão também «os passeios de bicicleta até ao reservatório e os jogos de futebol até ao final da tarde, com os amigos portugueses que viviam entre a Horta e Costa e o Colégio D. Bosco. Havia as quezílias com os chineses da mesma idade, confrontos que faziam parte da adolescência e que nada mais eram do que apenas isso».
João Santos Gomes