Há sempre tesouros para descobrir
Para a Maria, a Linda foi uma paixão à primeira vista, já que até então a sua única experiência com equinos havia sido mal sucedida, aquando da nossa estadia em Grenada, a ilha das Caraíbas. Andávamos nós no veleiro Dee e tínhamos muitas vezes como companhia o saudoso Gentileza, um Bavaria de uma família brasileira, sendo que a Júlia, a filha mais nova do casal, era a maior amiga da Maria. O primeiro encontro com um burro foi precisamente na companhia da Júlia. Esta é dois anos mais velha do que a Maria, e na ocasião a nossa menina, com pouco mais de dois anos, não achou piada nenhuma.
Desta vez, numa fugida ao Ribatejo, depois de termos visitado um casal de amigos em Setúbal, também da época da vida a bordo (o Zé e a Helenita, do pequenino Joly Breeze), aproveitámos para fazer algo que nunca havíamos experimentado. Encontrámos na Internet uma quinta que aceita a pernoita de auto-caravanas. Inseridas as coordenadas GPS, lá fomos rumo a Manique do Intendente.
Chegados à Herdade da Hera (www.herdadedahera.pt), fomos recebidos por um Vítor, casado com uma Susana, que é filha dos proprietários do local. No terreno havia um eucaliptal, adquirido há quase vinte anos, e desde então os actuais proprietários têm vindo a desenvolver, pouco-a-pouco, outras actividades, colocando de lado a exploração florestal, ainda para mais de uma espécie que prolifera por todo o País, com graves consequências para a biosfera. Criaram várias zonas com porcos pretos, galinhas, perus e póneis, que vivem livremente pela quinta, sendo apenas recolhidos ao final do dia para que possam pernoitar nas suas “boxes”. Dado que fomos a meio da semana, acabámos por ser os únicos visitantes e assim tivemos o espaço todo para nós. Logo que viu os póneis, a Maria ficou toda entusiasmada, tendo o Vítor prometido que ao final do dia – se fosse possível – ela teria a oportunidade de andar de pónei pela primeira vez.
Qual não foi a nossa surpresa quando foi dito à Maria que para montar a Linda, um pónei com catorze anos reservado para a primeira experiência das crianças com equinos, tinha de a escovar e limpar os cascos. Esta acção de preparar o animal e cuidar da sua higiene contribui para que se gere um laço de maior cumplicidade entre a criança e o pónei. Uma estratégia que achámos extremamente inteligente e muito educativa para as crianças, que assim não ficam a olhar para os animais como algo que está ali sempre pronto para elas “brincarem”. Até para os pais é agradável, pois acabam por também se envolver na actividade dos filhos, ao invés de simplesmente “depositarem” a criança.
É um facto que gostamos de tudo em Portugal desde que cá chegámos. Por exemplo, adoramos a sensação de conseguir ver um mundo de estrelas depois de anoitecer. Desta vez, voltámos a fazer algo que já era uma tradição no nosso barco: depois de jantarmos ficámos sentados debaixo do céu estrelado a identificar estrelas e constelações a que frequentemente recorríamos na navegação nocturna. Foi uma surpresa para a Maria que ainda sente dificuldade em perceber que as estrelas que se vêem em Portugal são as mesmas que víamos no Dee.
Na manhã seguinte começámos por tomar o pequeno-almoço, tendo a Maria aproveitado para visitar a Linda na sua “boxe”. Prometeu-lhe que irá voltar em breve.
Prosseguimos viagem a tempo de chegar a Mira à hora de almoço, como havíamos prometido aos avós, com muitas histórias para contar, mas não sem antes passarmos pela vila de Manique do Intendente, uma localidade com um passado muito peculiar, que numa próxima oportunidade vai merecer uma visita a pé.
Esta vila ribatejana ganhou o seu nome de Diogo Inácio de Pina Manique, Intendente-geral da Polícia da Rainha D. Maria I, que lha concedeu a 11 de Julho de 1791. O Intendente tinha grandes planos para a pacata aldeia: fazer dela uma majestosa cidade planificada de cunho neoclássico, sede de concelho e até, talvez no futuro, capital de Portugal!
Segundo o plano urbano esboçado pelo Intendente, o centro da povoação teria uma imponente praça de formato hexagonal (baptizada de Praça dos Imperadores), de onde irradiariam seis extensos arruamentos com nomes de imperadores romanos e um palácio para residência do próprio Intendente Pina Manique.
No entanto, o megalómano plano foi suspenso com a morte do Intendente. A Praça dos Imperadores foi construída mas, dos imponentes edifícios que a deveriam rodear, apenas foi edificada a neoclássica Casa da Câmara, limitando-se os restantes a casas simples. Do palácio de Pina Manique apenas foi concluída a capela, que se tornou a igreja matriz da vila, e parte da sua imponente fachada. Uma ponte (Ponte D. Maria), também da mesma altura dos anteriores monumentos, que tinha como objectivo ser um “tapete vermelho” para o palácio, também não foi concluída, sendo que os habitantes construíram casas no local em que seria a estrada.
Apesar do plano urbano de Manique do Intendente só ter ficado pelo início, a vila ainda hoje surpreende pela grandiosidade arquitectónica, ainda para mais por se tratar de uma povoação do interior rural.
Uma surpresa às portas de Lisboa que merece ser visitada, aproveitando para se pernoitar na Herdade da Hera.
João Santos Gomes