CONFLITO INDO-PAQUISTANÊS EM TORNO DE CAXEMIRA

CONFLITO INDO-PAQUISTANÊS EM TORNO DE CAXEMIRA

Vaticano inspira Paz

Na sequência da recente crise militar entre o Paquistão e a Índia – uma vez mais veio reacender a ameaça de um apocalipse nuclear – Sukhjinder Singh Randhawa, um deputado sikh, exortou o Primeiro-Ministro indiano, Narendra Modi, a trabalhar com organismos internacionais, tendo em vista o início de um processo de “reconhecimento adequado” para encontrar uma urbe que se apresente como “um lugar simbólico de paz para a Humanidade”. Amritsar, a cidade sagrada do Sikhismo, junto à fronteira entre a Índia e o Paquistão, e sede do famoso Templo Dourado, é uma candidata ideal a esse desígnio, devendo por isso ser declarada “zona livre de guerra” e receber protecção internacional, como acontece com o Vaticano.

O assunto – bem explicitado numa carta aberta redigida para o efeito – tem um profundo significado espiritual e nacional, pois Amritsar não é apenas local estratégico em termos geopolíticos, mas serve de “farol de amor e paz” a cerca de trinta milhões de pessoas – crentes da religião sikh em todo o mundo. Ademais, “a sua aura sagrada” – acentua Sukhjinder Randhawa – “transcende as fronteiras religiosas, oferecendo conforto, unidade e compaixão, num mundo cada vez mais dilacerado por conflitos e divisões”.

Recorde-se que para o Sikhismo a cidade de Amritsar tem o mesmo significado espiritual que Meca tem para os muçulmanos e o Vaticano para os católicos. Por conseguinte, Randhawa “solicita humildemente” que o significado espiritual global de Amritsar seja oficialmente reconhecido e que sejam adoptados mecanismos de segurança internacional apropriados, semelhantes aos que protegem o Vaticano.

Randhawa lembra que as recentes tensões geopolíticas – sobretudo na linha fronteiriça que separa o Norte da Índia do Norte do Paquistão – vieram reacender as preocupações legítimas sobre a potencial vulnerabilidade de Amritsar em caso de um conflito militar. O apelo expresso na dita missiva não é um pedido de soberania política (como a de que goza a Cidade do Vaticano), mas antes um pedido de reconhecimento espiritual internacional e de protecção permanente da segurança. “Num momento marcado pelo aumento das tensões globais e crescente militarização dos Estados, é imperativo que Amritsar seja protegida da ameaça de guerra e violência, agora e para sempre”, afirma o parlamentar, evocando os ensinamentos universais do “Guru Granth Sahib” (o texto sagrado do Sikhismo), que se baseiam na paz, na humildade e na fraternidade, e representam “uma poderosa força moral contra a crescente onda de militarismo no mundo”.

Enquanto muitas potências globais estão cada vez mais inclinadas para o conflito, o ethos sikh de “Sarbat da bhala” (“o bem-estar de todos”) permanece como uma das últimas esperanças da Humanidade para a coexistência e a paz. No entender deste legislador, as preocupações expressas pela comunidade sikh e pela sociedade civil em toda a Índia exigem uma perspectiva mais ampla, para além dos círculos regionais e dentro de um contexto internacional, “de forma a garantir a segurança e a santidade desta cidade venerada em todas as circunstâncias”.

Solicitando o apoio de outros deputados de todas as confissões religiosas, Randhawa insta o Primeiro-Ministro indiano a tomar desde já as medidas diplomáticas e legislativas necessárias para declarar Amritsar uma “zona livre de guerra” e um lugar reconhecido e respeitado por todos, pois “transporta em si uma mensagem de paz e harmonia para todo planeta”.

Já antes, no pré-Conclave e na Missa de início do Pontificado de Leão XIV em Roma, o cardeal D. Oswald Gracias, arcebispo emérito de Bombaim, recordou as palavras do Santo Padre na sua primeira Regina Coeli: «Fiquei feliz por saber que houve um cessar-fogo entre a Índia e o Paquistão e espero que, através das próximas negociações, possamos em breve chegar a um acordo duradouro».

Para D. Gracias, a relação entre as duas nações só pode ser cordial. Afinal, «somos irmãos e irmãs, partilhamos a mesma cultura, tradições, pensamentos e sentimentos. Isto torna ainda mais importante sentarmo-nos e olhar nos olhos para tentar resolver, através do diálogo, o conflito na região de Caxemira, que sofremos desde a independência».

A questão de Caxemira é uma antiga disputa territorial que causou suficientes guerras, dor e sofrimento. Os líderes políticos actuais devem ter a coragem de procurar a paz, uma paz justa e duradoura. «Devemos deixar de lado o ódio, o ressentimento e encontrar um acordo para o bem dos nossos povos e de toda a Humanidade», disse o prelado indiano de ascendência portuguesa. Segundo ele, «uma nova guerra entre as duas potências nucleares poderá, de facto, ter consequências catastróficas para o mundo». Por isso, é do interesse da comunidade internacional propor e organizar a mediação, que parece necessária neste momento e pode envolver grandes potências como os Estados Unidos e a China, ou ser liderada por instituições internacionais como a ONU.

No conflito de Caxemira – lembrou o cardeal – há «um factor religioso» que desempenhou um papel desde o início. «Caxemira é uma região de maioria muçulmana e a Índia é uma nação de maioria hindu, um factor importante no processo histórico, social e político do conflito». Mas cabe aos líderes políticos de hoje superar as tendências nacionalistas religiosas e promover a paz com realismo. «E porque não», sugere D. Gracias, «a Santa Sé apresentar-se como “terceiro” actor. O Vaticano poderia estar entre aqueles que facilitam o diálogo e a mediação a nível religioso».

Joaquim Magalhães de Castro

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