Homenagem ao padre e ao mártir.
A convite da senhora Thuy Tien de Oliveira, presidente da NamPor, Associação de Amizade Portugal-Vietname, participei numa Conferência Internacional sobre as Relações entre o Vietname e Portugal, que teve lugar na Universidade de Ciências de Hue, a 15 de Dezembro de 2017. A conferência surgiu na sequência de um seminário organizado com o mesmo intuito na Sociedade de Geografia de Lisboa em Fevereiro desse mesmo ano e que contou com a presença de alguns oradores do mencionado estabelecimento de ensino vietnamita. Cerca de centena e meia de participantes, maioritariamente alunos universitários, presenciaram as comunicações de catorze oradores repartidos por quatro painéis, sendo cinco portugueses, oito vietnamitas e uma luso-vietnamita. O encontro visou, sobretudo, assinalar os 400 anos da chegada às terras do Viet Dao (assim se denominavam na altura os territórios que constituem hoje o Vietname) do jesuíta Francisco de Pina, daí que a maioria das comunicações versasse os diferentes aspectos da vida e obra desse distinto personagem. Convém lembrar que a este missionário jesuíta se deve a lusitanização (feliz expressão de Thuy Tien de Oliveira) da língua anamita. Se hoje os vietnamitas comunicam entre si e com o mundo através de uma escrita romanizada, isso se deve aos esforços e estudos de Francisco de Pina, embora os créditos recaiam sobre o seu confrade e aluno, Alexandre de Rhodes que, sem o pretender, se quedaria para posteridade com os méritos devidos ao seu professor.
Fernando Nobre, na qualidade de presidente da AMI e divulgador entusiasta das comunidades luso-descendentes asiáticas, abriu as hostilidades com uma apresentação subordinada ao tema “Portugal-Ásia – Passado, Presente e Futuro”. Visando dar o seu ao seu dono, Thuy Tien de Oliveira concentrou o seu discurso na obra de Francisco de Pina, enquanto Fátima Marinho, vice-reitora da Universidade do Porto, num gesto de charme e com a ajuda de um atractivo vídeo, piscou o olho a potenciais alunos e aproveitou a ocasião para assinar um protocolo com o seu contraparte, tendo em vista a troca de discentes entre as duas instituições no âmbito do programa Erasmus, o que já acontece mas que se pretende que venha a atingir uma bem maior expressão. Kol de Carvalho, presidente da Comissão Asiática da Sociedade de Geografia de Lisboa, lembrou Diogo de Carvalho (com Francesco Buzomi, pioneiro no Vietname) e a extensão da sua evangelização à ilha de Hokkaido, dando a conhecer alguns dos programas desenvolvidos pela Fundação Oriente, nomeadamente as Bolsas de Curta Duração, Investigação ou Aperfeiçoamento da Língua. Tempo ainda para uma intervenção da professora da Universidade do Porto, Zulmira Santos, versando a literatura de viagens portuguesa da época dos Descobrimentos.
Das prestações locais, realço a do professor Nguyen Van Tran relativa às “actividades comerciais de Portugal no Sul e Norte do Vietname, ao longo dos séculos XVI-XVII”, e a dos seus colegas Bui Thi Than e Mai Van Duoc, acerca da “importância dos portugueses na romanização do alfabeto vietnamita”. Já a actividade missionária ao longo destas duas centúrias mereceram a atenção do historiador Nguyen Van Dang, enquanto “as relações de Portugal com o Vietname e o Japão” e as “do reino de Champa com diversos países ocidentais” mereceram os cuidados de, respectivamente, Tran Thi Than e Nguyen Can Quang.
A grande surpresa deste encontro seria, no entanto, o empenho e entusiasmo manifestados por três jovens investigadores locais, excelente augúrio para os anos vindouros. Decorem os nomes: Nguyen Thi Vinh Linh – que focou a sua atenção nas “actividades de Portugal no Vietname”, estabelecendo “elos comparativos com a China e a Índia”, merecendo Macau aqui especial atenção, como a própria confessou –; Hoang Thi Anh Dao – que estuda as actividades dos missionários no Sul do Vietname –; e Le Nam Trung Hieu (com a colaboração de Duang Quang Hiep) que se tem debruçado sobre a actividade de João da Cruz, fundidor português activo no Vietname no século XVII.
Da minha parte, trouxe a lume o jesuíta botanista e erudita João de Loureiro, porventura quem mais deu a conhecer o Vietname na Europa da época, muito devido à enorme repercussão sua obra “Flora Conchichinense”, e aproveitei a oportunidade para salientar, em breves linhas, o papel fundamental de Macau nas relações entre Portugal e o Vietname, pois pelo território obrigatoriamente passam todos os aspectos das relações entre estes dois países.
Para além das sessões de trabalho e dos momentos de convívio gastronómico, os participantes tiveram a oportunidade de visitar alguns lugares históricos ligados à presença portuguesa no Vietname. Foi o caso da cidade imperial de Hue e da cidade de Hoi An (antiga Faifo), onde seria estabelecida a primeira missão católica no Vietname. A delegação portuguesa prestou ainda homenagem a Francisco de Pina, visitando a igreja dedicada ao mártir André de Phu Yen, na povoação de Thanh Chiêm, uns quantos quilómetros a sul de Hoi An. A NamPor aproveitou a ocasião para oferecer à paróquia uma placa de madeira evocativa da nossa visita, isto momentos antes da início da missa dominical à qual tivemos a oportunidade de assistir. O pároco local aproveitou para nos mostrar quatro sepulturas situadas no terreno anexo à igreja, numa dos quais, alegadamente, repousam os restos mortais desse conhecido proto-mártir vietnamita.
Joaquim Magalhães de Castro