Da destruição ignorante à Super Bock
Quem nunca ouviu falar do Palácio de Cristal, ou nos seus jardins de cariz romântico, que são um marco incontornável da cidade do Porto? Pois no último fim-de-semana tivemos o prazer de lá estar a trabalhar e usufruir do seu ambiente.
Durante o dia foram às centenas os turistas que ali se dirigiram para apreciar os jardins e as suas ruas, à beira-rio, proporcionando vistas deslumbrantes sobre o Rio Douro, a zona ribeirinha de Gaia e a Foz.
Pena é que os jardins encerrem as portas às sete da tarde, impossibilitando os visitantes de poderem apreciar o espectacular pôr-do-sol que dali se pode ver.
No nosso caso, não tivemos muito tempo para desfrutar os últimos raios de sol, visto estarmos a servir refeições a quem passava. Depois das sete da noite servimos muitos clientes que se dirigiam para o Porto Blues Fest 2019. Trata-se de um festival já com bastante tradição na cidade do Porto. Durante dois dias reúne artistas de renome da música Blues.
Em termos de organização foi do melhor com que nos deparámos até hoje, mas não podemos deixar de criticar o preço dos bilhetes para um evento que pecou pela pouca participação. Vinte euros por dia ou trinta euros pelas duas noites é um valor excessivo, na nossa opinião, para ouvir apenas dois grupos por noite. Tal resultou em pouca afluência do público, situação que no último dia foi penalizada por coincidir com o último jogo da Primeira Liga de futebol, em que o Futebol Clube do Porto ainda poderia vencer o campeonato. Acabaram por somente aparecer umas centenas de pessoas (talvez um milhar no conjunto das duas noites) quando a organização previa cerca de mil ou duas mil por noite. Claro está que em termos de negócio foi muito mais fraco do que estávamos à espera.
Os jardins do Palácio de Cristal são, por si só, um marco na cidade do Porto, e ostentam este nome apesar do “palácio” já não existir. Muitos ainda pensam que o icónico edifício, que se pode ver de vários pontos da “Invicta” e do outro lado do Rio Douro, com a sua cúpula vidrada, é o Palácio de Cristal. Mas tal não é verdade! O Palácio de Cristal existiu sim, tendo sido inaugurado em 1865. Projectado pelo arquitecto Thomas Dillen Jones, foi construído em pedra, ferro e vidro, inspirado no original Crystal Palace de Londres. Tinha mais de setenta metros de largura e mais de 150 metros de comprimento, dividido por três naves. O imponente edifício acabaria por ser demolido em 1951, para dar lugar à actual estrutura que se encontra no mesmo local – no início foi-lhe atribuída o nome de Pavilhão dos Desportos, sendo rebaptizada em 1991 como Pavilhão Rosa Mota, em homenagem a uma das mais ilustres atletas portuenses, também bem conhecida em Macau.
A inauguração do antigo Palácio de Cristal foi presidida pelo rei D. Luís, na companhia da rainha e do príncipe herdeiro a 18 de Setembro de 1865, quatro anos após a sua construção. Foi projectado com o objectivo de receber a Exposição Industrial, onde participaram empresas de França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica, Brasil, Espanha, Dinamarca, Rússia, Holanda, Turquia, Estados Unidos e Japão.
Em 1933, depois de vários anos de abandono e pouco zelo, a Câmara Municipal do Porto adquiriu os jardins e o edifício. Durante mais de oito décadas de existência o Palácio de Cristal foi um marco incontornável da cultura do Porto. Foi lá que o compositor Viana da Mota ou a violoncelista Guilhermina Suggia revelaram os seus dons musicais, por exemplo.
O actual Pavilhão Rosa Mota ainda não alcançou as oito décadas de existência do seu antecessor, mas conta já com uma extensa lista de eventos.
Idealizado pelo arquitecto José Carlos Loureiro e pelo engenheiro António dos Santos Soares, e erguido em 1951, o Pavilhão dos Desportos foi projecto para receber o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins, onde Portugal se sagrou campeão.
Um facto curioso que ajuda a explicar o porquê do Pavilhão Rosa Mota continuar a ser conhecido por Palácio de Cristal é a contestação social que teve lugar aquando da demolição do antigo edifício.
Só para os leitores terem uma ideia, durante os trabalhos de demolição, que se prolongaram por um ano, o antigo órgão de tubos (um dos maiores do mundo à época) foi destruído à martelada pelos trabalhadores que ignoravam o valor do instrumento musical. Pessoalmente pudemos comprovar que é muito mais eficaz perguntar onde fica o Palácio de Cristal a um residente do Porto do que o Pavilhão Rosa Mota…
Actualmente algumas áreas dos jardins estão em obras, o que limita drasticamente o número de zonas a visitar. Também o Pavilhão Rosa Mota deverá apresentar-se de cara lavada este ano e com uma adenda ao nome, pelo menos nos próximos vinte anos: Pavilhão Rosa Mota – “Super Bock Arena”.
João Santos Gomes