CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXVII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXVII

O Sionismo Cristão – II

O Sionismo Cristão existe, com efeito, e com ele uma série de novas interpretações e questões. Do ponto de vista geopolítico, este tópico está ainda camuflado em outros conceitos políticos, dividindo-se em “lobbies” e grupos de pressão, distanciando-se do fenómeno religioso e configurando-se mais como um conceito de pressão agregador de várias sensibilidades.

As ideias que sustentam este movimento sionista cristão são uma consequência do ressurgimento do método de interpretação literal das Sagradas Escrituras, que se opõe ao método alegórico aplicado à hermenêutica bíblica, defendida desde a época de Clemente de Alexandria e do seu discípulo Orígenes. Por oposição ao sentido literal, que os sionistas cristãos usam, temos os sentidos pleno e acomodatício, ou seja, uma interpretação que prepara o juízo da Igreja e que não o substitui. O método alegórico no pensamento cristão radica no entendimento das Escrituras segundo princípios de interpretação textual semelhantes aos que se haviam tornado populares no Renascimento, por influência da Reforma Protestante, além de aplicar o princípio de superioridade da Bíblia sobre os dogmas eclesiásticos ou a tradição apostólica.

As passagens das Escrituras que representavam promessas específicas para a Nação de Israel, definida como o conjunto dos descendentes de Abraão, Isaac e Jacob, deixaram de ser aplicadas à Igreja na forma de um “Israel espiritual” e começaram a ser aplicadas novamente àquilo que é o povo, terrestre e fisicamente conhecido como os “israelitas”, ou aos seus descendentes históricos que congregam a nação judaica. Uma nação, todavia, que durante muito tempo não esteve organizada na forma de um Estado, com território e Governo próprios, além de leis e poderes soberanos. A conexão bíblica da Nação de Israel estava assim definida, não mais como uma terra espiritual ou celestial prometida, apenas, num plano simbólico, mas enquadrada agora num território, que anteriormente era conhecido como terra de Canaã, então Reino de Israel, depois Judeia e Samaria, e que ficou conhecido como Palestina após a invasão romana que ocorreu devido à segunda revolta judaica (132-135), com a qual Roma procurou apagar toda e qualquer relação do povo judaico com um qualquer território ou espaço geográfico no mundo.

OS CRISTÃOS COM ISRAEL

No sentido literal, as promessas bíblicas endereçadas a Israel referem-se a uma nação judaica, literalmente. As promessas que se referiam à “Igreja”, somente a ela se referiam. Deus teria propósitos específicos para os judeus, diferentes das suas relações com a Igreja como um todo, o que destaca particularmente a promessa incondicional de possuir a Terra de Israel. Tal torna-se um princípio de divisão ou de definição de identidade étnica, o que, com base na interpretação literalista dos sionistas cristãos, deitava por terra a teoria antiga que legitimava a natural apropriação da Nação de Israel pela Igreja Cristã, estribada, segundo este movimento, no próprio Novo Testamento. Ou seja, o plano espiritual e divino da nação judaica, segundo aquela teoria antiga, que Israel tivera antes do advento de Cristo, tinha sido apropriada pela Igreja. Agora, retomava a sua identidade própria e encaixava no projecto de estabelecimento de uma nação organizada, no Estado Judaico. A igreja cristã não pode mais ser, em caso algum, a mesma Nação de Israel, especialmente até ao regresso de Jesus Cristo. Além disso, as promessas que Deus fizera a Israel em ser uma nação forte, não expirarão durante a espera messiânica da segunda vinda de Jesus.

O Sionismo Cristão moderno, segundo Stephen Sizer, um crítico deste movimento, está muito ligado à noção de dispensacionalismo, que mais não é do que a história humana terá passado por uma série de mordomias ou períodos administrativos de tratamento divino, que culminarão na referida segunda vinda de Jesus Cristo. Estas mordomias, também conhecidas como “dispensações”, teriam diferentes tempos de duração e termos de relacionamento entre Deus e o Homem, estando a sua quantidade exacta sujeita a várias opiniões e teorias. A maioria dos dispensacionalistas reconhece sete mordomias, das quais seis teriam sido concluídas, faltando apenas uma última. Há, pois, um certo apocaliptismo ou escatologia em torno destas considerações.

A última mordomia, referem alguns autores, representa o cumprimento final das promessas feitas a Israel, isto é, confere um papel transcendental à nação judaica nos eventos imediatamente anteriores à segunda vinda de Cristo e um papel especial durante o milénio subsequente ao retorno do Messias. Os defensores do Sionismo Cristão vêem, neste cenário do renascimento da Nação de Israel, a génese e afirmação de um Estado moderno localizado nas terras ancestrais almejadas pelos judeus, o sinal de um evento de proporções proféticas e um anúncio do iminente retorno do Salvador. Israel desempenha uma importante centralidade para os sionistas cristãos, além de assumir uma força simbólica determinante, prenunciadora do evento messiânico que se avizinha.

O Sionismo Cristão advoga, expressivamente, que todo os actos executados por Israel são orquestrados por Deus e devem ser tolerados, apoiados e até exaltados por todos, embora devam ser os judeus a liderarem o processo, pois tal resultará na bênção divina sobre o mundo inteiro. Pois, proclamam, todos os países devem reconhecer que Deus está presente e actuante em Israel e que trabalha através desta Nação/Estado. Portanto, todos os actos e medidas, políticas e projectos de Israel, estão abençoados por Deus e todos devem respeitar e apoiar esta nação, pois caso contrário ofendem a Deus e aos Seus desígnios.

Todavia, boa parte dos sionistas cristãos não considera correctas todas as acções de Israel como uma nação na actualidade, especialmente considerando as queixas levantadas pelos cristãos sobre a rejeição majoritária que persiste no Estado Judaico em relação ao proselitismo e à existência dos grupos judaicos messiânicos, que não se reconhecem como judeus por causa da sua fé em Jesus como Messias. Estes grupos, minoritários entre os judeus, são o exemplo do que para o Cristianismo em geral, incluindo certos grupos sionistas, é incorrecto em relação a Israel, pelo que nem tudo em legítimo ou pode ser respeitado. As acções do Estado de Israel em relação a grupos missionários cristãos, de qualquer credo ou denominação, além da penalização em relação aos referidos grupos judaicos, constitui alvo de críticas de algumas tendências sionistas cristãs. Contudo, o movimento não esmorece e a sua acção como grupo de pressão e de “lobbie” mantém-se, como veremos.

Vítor Teixeira (*)

(*) Universidade Católica Portuguesa

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