CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXVI

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXVI

O Sionismo Cristão – I

Não se trata já tanto de uma heresia, mas mais de uma ideologia, ou até uma conotação política de um projecto religioso, dir-se-ia. Falamos do Sionismo Cristão, uma crença de alguns cristãos em torno do retorno dos judeus à Terra Santa. O estabelecimento do Estado Judaico de Israel em 1948 é assim uma antecâmara da segunda vinda do Messias, para esses cristãos. Ou seja, uma “colagem” ao messianismo sionista, ou dos judeus, de acordo com a profecia bíblica. O termo Sionismo Cristão foi popularizado em meados do século XX. Até então era conhecido como Restauracionismo, embora este conceito tenha várias derivações, como veremos. O Sionismo Cristão pode-se dizer que se sobrepõe ao Judaico, mas são distintos.

Mas o que é o Sionismo, em primeiro lugar? É conhecido, essencialmente, como o movimento migratório judaico desde finais do século XIX para a restauração de uma pátria dos judeus na Terra Santa, um movimento de matriz religiosa mas muito mais político e nacionalista. O Sionismo, um movimento politizado desde o seu início, tornar-se-ia gradualmente mais uma ideologia do que um conceito religioso ou messiânico. É pois um movimento internacional a favor do retorno dos judeus a Sião, ou à Terra de Israel, e daí ao direito de se autogovernar como Estado e Nação, apoiando-se nas promessas das Escrituras Hebraicas, onde encontram a sua fundamentação e raízes. De facto, em Génesis 12 e 15, Deus faz uma aliança com Abraão prometendo-lhe que os seus descendentes herdariam toda a terra entre o Egipto e o rio Eufrates (no actual Iraque). Ora, na perspectiva mais nacionalista e de observância literal das Escrituras, esta reivindicação encerra em si não apenas a criação de um Estado mas também uma perigosa definição dos seus limites, no contexto geopolítico do século XX.

A SEGUNDA VINDA DO MESSIAS

Para muitos judeus, e não só, o Sionismo nada tem a ver com a formação religiosa do seu povo. Porque nasceu mais como movimento político, assim o defendem os judeus não religiosos e muitos não judeus (“gentios”). O Sionismo foi, para esses sectores, uma reacção dos judeus à sua perseguição por todo o mundo desde sempre e principalmente a partir de finais do século XIX, ganhando maior impacto durante as Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Como nenhuma nação quis acolher e abrigar boa parte dos contingentes de judeus em fuga da Europa, muitos foram forçados a lutar pela criação da sua própria nação, considerando a terra dos seus ancestrais como o lugar mais indicado. Onde viviam perenemente comunidades judaicas, que nunca dali saíram. Mas onde eram minoritárias. Pode ser uma justificação rebuscada e de conotações sionistas, mas em parte foi assim. O processo para a prossecução desse intento é que pode não ter corrido bem, mas não é aqui o espaço para se julgar.

Se o movimento nasceu em finais do século XIX, com Theodor Herzl, a partir de 1890, cumpriu-se em 1948, quando Israel foi oficialmente reconhecido como um Estado e recebeu das Nações Unidas a soberania como nação dentro do antigo território britânico da Palestina. Se o movimento político sionista se concluía nessa data, tecnicamente, a ideologia perpassava a mesma, mas a polémica também, aumentando a cada dia, com a guerra a rondar a jovem nação. Na esfera dos debates, muitos advogam que o Sionismo se tornou inspiração para o racismo, porque era também uma reacção ao anti-semitismo. Muitos vêem também no Sionismo uma forma de patriotismo, ou nacionalismo, judaico. A conotação religiosa, para quase todos, já se perdeu, ou foi mitigada e secundarizada sob a capa da política.

Associado ao Sionismo Judaico surgiu entretanto o Sionismo Cristão. O Sionismo Cristão é, na essência, o apoio dos “gentios” ao Sionismo Judaico com base nas promessas de Israel encontradas na Bíblia, passagens como Jeremias 32 (a terra continua a pertencer ao povo, fruto da promessa feita a Abraão) e Ezequiel 34 (outra vez a promessa que alimenta a esperança). Refira-se, em antecipação, que os cristãos sionistas são principalmente evangélicos e dão o seu apoio ao Estado Judaico de Israel. Tudo isto porque vêem o retorno dos judeus à Terra Prometida como o cumprimento da profecia de Jeremias. Outros, como os membros do designado “dispensacionalismo cristão”, vêem em tudo isto um sinal de que o mundo entrou no fim dos tempos.

Vários cristãos sionistas acreditam, com efeito, que o “acantonamento” dos judeus num Estado como o de Israel é como que um pré-requisito para a segunda vinda do Messias, no caso Jesus. Os “fiéis” do dispensacionalismo cristão são dos que mais apoiam esta ideia, mas não os únicos. Há um certo proselitismo cristão nesta concepção messiânica e na sua materialização no Estado de Israel. De facto, a ideia de que os cristãos devem apoiar activamente esse retorno dos judeus à Terra de Israel corre paralelamente à ideia de que os judeus deveriam ser encorajados a converterem-se ao Cristianismo, como cumprimento também de uma profecia bíblica. Este intento é antigo e foi sempre muito propalado nos círculos protestantes desde a Reforma.

Além de tudo isso, para muitos cristãos sionistas, o povo de Israel continua a fazer parte do povo escolhido de Deus, juntamente com os cristãos gentios “enxertados” (Romanos 11,17-24) do Judaísmo. Esta ideia tem assim o efeito adicional de transformar os cristãos sionistas em defensores do Sionismo Judaico.

Não faltam teóricos do Sionismo Cristão. Stephen Sizer é um dos mais famosos, pela sua concepção de que o movimento moderno desta forma de Sionismo pode ser compreendido de forma mais clara através do conceito de dispensacionalismo, ou seja, pela crença de que o ser humano deverá atravessar sete eras de provações divinas que desembocarão no Armagedão, que é o confronto final entre Deus e a Humanidade, o qual será desencadeado no mítico monte Megiddo, no Norte de Israel (Apocalipse 16,16), do qual resultará o segundo advento do Messias.

Destas profecias brotam ideais que inspiram os chamados sionistas cristãos, que se assumem como uma ala ideologicamente conservadora, com poderosos “lobbies” políticos e não só, congregando comunidades, instituições e pessoas que exercem uma vasta ascendência sobre governantes das nações do Ocidente, com o objectivo de angariar protecção para concretizar as suas aspirações sionistas, abrigadas na concepção ultranacionalista judaica que apoiam. Esta, todavia, não se circunscreve apenas a Israel, mas a todas as partes do Planeta.

Mas como todos o grupos religiosos, existe aqui também uma doutrina, um caminho de fé e um ideário de salvação, por mais que esteja subvertido, aparentemente, a propósitos políticos e ideológicos. Mas é importante reter que apesar de serem pouco conhecidos, a sua acção e “lobby” são muito fortes e apoiados.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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