CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXIII

A Teologia da Prosperidade – I

Temos aqui falado da Teologia da Libertação, do Evangelho da Pobreza. Da Igreja dos pobres, dos marginalizados, à procura do rosto humanizado de Cristo em cada mendigo, em cada sofredor. De uma Igreja que pugna pela igualdade e justa repartição da riqueza e das oportunidades, à luz do Evangelho. Não foi atirada para a fogueira das heresias, não foi condenada, sofreu e tem tido resistências por parte de alguns sectores da Igreja mais tradicionais, além de certas concepções de Estado ou ideologias mais conservadoras. Mas… e quanto à Teologia da Prosperidade?

Há, sim, há uma Teologia da Prosperidade, ou Evangelho da Prosperidade. E quase todos os que não a defendem ou comungam, apodam-na de heresia. Nem mais. Mas vamos saber afinal o que é, onde existe e como chegou até nós.

Trata-se de uma doutrina religiosa cristã que defende que é desejo de Deus para os cristãos abençoá-los nas finanças, ou ajudá-los nessa área. Por outras palavras, a fé dos Homens, uma mente e práticas positivas, bem como – e principalmente! – as doações para os ministérios cristãos, tudo isto ajudará a aumentar a riqueza material do fiel. Ou seja, a felicidade material também é cristã e deve-se rezar por ela, trabalhar para ela. Mas, vejamos, isso é heresia? A Igreja nada tem contra o bem-estar material dos seus fiéis. A Teologia da Libertação também o advoga, por isso, onde é que reside a heresia, ou, pelo menos, a sua conotação negativa?

MAIS DO QUE UMA FÉ…

Esta doutrina cristã baseia-se em interpretações “livres” e menos tradicionais da Bíblia. O foco de atenção principal é o Livro de Malaquias, livro profético do Antigo Testamento que mostra a necessidade de reformas religiosas e sociais antes da vinda do Messias. Foi escrito em 430 a.C., sendo o último livro dos chamados Profetas Menores (Malaquias, aliás, só é referenciado neste livro, em toda a Bíblia). Mas a principal razão pela qual serve como inspiração é a abordagem inserida no livro sobre as ofertas e os dízimos (ML., 3,7-12), sendo um conjunto de passagens muito utilizadas desde sempre pela Igreja, através dos pregadores e em diversos contextos, quer por igrejas protestantes e pentecostais modernas, com o objectivo da justificação da exigência e recolha dessas formas de captação de fundos para uma instituição religiosa. Ou seja, a inspiração bíblica da colecta de rendas para amparo dos sacerdotes, ministros ou fiéis pertencentes a uma instituição religiosa.

Os ideólogos desta doutrina vêem pois a Bíblia como um contrato entre Deus e os homens, na forma da condição de que se estes tiverem fé em Deus, Ele irá cumprir as suas promessas de segurança e prosperidade e amparar os que nEle acreditam e seguem. O reconhecimento destas promessas como verdadeiras é entendido como um acto de fé por parte dos fiéis, que Deus jamais deixará de honrar. Muitos dos que defendem esta doutrina vêem nela uma marca do caminho para a influência e prevalência da fé cristã da sociedade, argumentando que a promessa divina de dominação sobre as Tribos de Israel se aplica aos cristãos de hoje. Além desta relação bíblica, a doutrina realça a importância da prosperidade e ascensão pessoal, pois ninguém poderá negar que é da vontade de Deus que o seu povo seja feliz e esteja materialmente confortável. Por outro lado, a expiação das falhas e dos pecados, para a reconciliação com Deus, é interpretada como forma de alívio das doenças e da pobreza, maldições que só podem eliminadas pela fé.

A Teologia da Prosperidade ganhou forte ênfase nos anos cinquenta do século XX, nos Estados Unidos. Foi precisamente nos “Healing Revivals” (movimento carismático de renovação evangélica) que a Teologia da Prosperidade ganhou proeminência nos Estados Unidos, apesar de alguns estudiosos do fenómeno adjudicarem as suas origens ao designado movimento do “New Thought”, surgido anos antes no mesmo país. Os ensinamentos desta doutrina ganhariam relevo mais tarde no movimento “Word of Faith”, bem como no tele-evangelismo dos anos oitenta. Nos anos noventa e na primeira década do século XXI, a Teologia da Prosperidade seria abraçada por influentes líderes do Movimento Carismático e promovida por missionários cristãos em todo o mundo, levando à construção de templos enormes com base nas doações dos fiéis. Os líderes mais destacados no desenvolvimento desta Teologia da Prosperidade foram E. W. Kenyon, Oral Roberts, T. L. Osborn e Kenneth Hagin, todos oriundos de igrejas cristãs reformadas (protestantes).

Mas são muitos os líderes de várias denominações cristãs que têm zurzido de críticas o movimento em questão. Mesmo entre os movimentos pentecostais e carismáticos, do seio dos quais nasceu esta doutrina, têm surgido reacções críticas firmes, que acusam esta teologia de irresponsabilidade, promoção da idolatria e ser contrária às Escrituras. Fora do âmbito religioso, entre os leigos, as críticas são mais arrasadoras, pois acusam a Teologia da Prosperidade de explorar os pobres, além denunciarem práticas financeiras de certos pregadores – escandalosas e muitas com processos judiciais e acusações de fraudes e ilícitos graves. As igrejas nas quais este “Evangelho da Prosperidade” é ensinado são geralmente não-denominacionais e também dirigidas por um único pastor ou líder, apesar de que algumas desenvolveram redes que se assemelham a denominações.

O dízimo é para muitas dessas igrejas o pilar doutrinal fundamental, sobre o qual desenham o aparelho teológico. A partir daí, todo o discurso é positivo, a fé é também positiva, porque justificam esta doação de rendas aos que os ajudam espiritualmente. Também a doutrinação dos fiéis sobre responsabilidade financeira faz parte do plano de ensinamentos dos pastores, ensinando os crentes a investirem, cuidarem e multiplicarem os seus investimentos, ungidos pela Teologia da Prosperidade. Muitos especialistas em economia, académicos e jornalistas têm alertado e denunciado os abusos destes conselhos financeiros, que reputam de enganosos e falsos. Por outro lado, também são imensos os críticos, mesmo entre as Igrejas Reformadas, de que em alguns há uma promoção, por parte da Teologia da Prosperidade, de organizações e principalmente práticas autoritárias, através das quais os líderes controlam as vidas dos membros, principalmente no aspecto material, mas não só…

A implantação da Teologia da Prosperidade é assinalável nos dias de hoje, em particular na Coreia do Sul, mas aqui em grande parte devido às semelhanças com a cultura xamanista tradicional coreana, onde existe uma prática de contribuição para os “líderes religiosos” por parte dos seus súbditos (mais do que fiéis…). No Ocidente, a Teologia da Prosperidade tem seguidores, oriundos principalmente das designadas “classes média e baixa”, devido às semelhanças com alguns cultos (“Cargo Cult”, na Melanésia), à religiosidade tradicional africana e a certos sectores da Teologia da Libertação em igrejas afro-americanas.

Vítor Teixeira (*)

(*) Universidade Católica Portuguesa

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