O Tradicionalismo Católico – IV
Na última edição, trouxemos à colação algumas sociedades ou movimentos católicos tradicionalistas. Sem desprezo pelas demais, escolhemos deixar aqui alguma informação sobre a mais numerosa, conhecida e talvez a mais fracturante, até cronologicamente falando, dessas sociedades: a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (em Latim, Fraternitas Sacerdotalis Sancti Pii X), ou FSSPX. Trata-se de uma sociedade de vida apostólica católica tradicionalista com implantação internacional, tendo sido fundada em 1970 pelo arcebispo francês D. Marcel Lefebvre (1905-1991). O actual superior geral da sociedade é o sacerdote italiano Davide Pagliarani, desde 2018.
A Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fundada por D. Marcel Lefebvre, foi aprovada pela Igreja por decreto do bispo de Lausana-Friburgo (Suíça), D. François Charrière, a 1 de Novembro de 1970. A FSSPX recebeu a Carta Laudatória do Prefeito da Sagrada Congregação para o Clero, cardeal Wright, em 18 de Fevereiro de 1971.
Primeiro que tudo, esta sociedade está em tensão e conflito com a Igreja Católica Apostólica Romana. Mesmo os sectores mais tradicionais ou conservadores dentro desta contestam esta sociedade. No senso comum, a FSSPX é conhecida como intransigente defensora da Missa Tridentina, a forma celebrativa anterior ao Concílio Vaticano II (1962-1965), concílio que contestam em absoluto, pois não o consideram dogmático, mas sim pastoral.
A sociedade fundada por D. Lefebvre em 1970 defende que o Vaticano II gerou ensinamentos erróneos, que até classifica como heréticos, em questões como a revisão da liturgia, a liberdade religiosa, a supremacia da Igreja Católica sobre as outras religiões e as relações com os judeus e os não-cristãos, entre outros aspectos. O ecumenismo é uma das facetas conciliares mais contestadas pelos lefebvrianos.
O Papa Bento XVI declarou que, por motivos doutrinais mas não disciplinares, a FSSPX não tem estatuto canónico regular na Igreja Católica. Devido a essa falha canónica, a Igreja considera que os ministérios exercidos pelos seus sacerdotes não são legítimos perante a Igreja, bem como as consequências que deles advenham. O anterior superior geral da sociedade (entre 1994 e 2018) e sucessor de D. Marcel Lefebvre, o bispo suíço D. Bernard Fellay, afirma que o ministério eclesial dos sacerdotes da sociedade é legítimo, sendo o resultado da necessidade de manter a Igreja na tradição. A sociedade defende a sua importância como defesa da tradição também pela crise que adjudica à Igreja Católica desde há mais de cem anos, agudizada pelo Vaticano II, pelo que as sagrações feitas por monsenhor Lefebvre na crise actual são legítimas.
A FRATERNIDADE DE SÃO PIO X
A Fraternidade Sacerdotal São Pio X opõe-se, de modo crítico, às reformas introduzidas na Igreja Católica pelo Concílio Vaticano II, criticando especialmente o ecumenismo, a liberdade religiosa e a colegialidade dos bispos. Nesta linha, os lefebvrianos acusam a Igreja de estar a seguir uma linha desviante na tradição, aproximando-se mais do Protestantismo, cedendo ao Liberalismo e imbuindo-se de ideais da Maçonaria, além de fazer concessões ao Modernismo e à Ciência. Muitos acusam pois a Igreja Católica Apostólica Romana de herética.
Como estribo das suas posições doutrinárias, chegam a usar documentos do Magistério Ordinário, escolhendo alguns documentos teologicamente consumados e cristalinos, produzidos pela Igreja, como “Mortalium Animos” do Papa Pio XI, “Quod aliquantulum” de Pio VI, “Post tam diuturnitas” de Pio VIII, “Mirari vos” de Gregório XVI, “Quanta cura” e “Syllabus” de Pio IX, bem como “Rerum Novarum”, “Humanum Genus” e “Immortale Dei” de Leão XIII. A interpretação é diferente, claro, em vista à defesa das suas posições doutrinárias.
A FSSPX recebera autorização, aquando a sua fundação, para uso de fórmulas e rituais pré-Vaticano II, mas perdeu-a devido aos conflitos sobre o seu posicionamento em relação ao Vaticano. Este permitiu desde então a criação de sociedades apostólicas em comunhão com Roma abertas à celebração da Missa Tridentina e ao estilo anterior ao Vaticano II, numa forma de abraçar os católicos tradicionalistas da FSSPX e outros à submissão da hierarquia conciliar. Embora a comunhão com Roma seja imperativa, além da obrigatoriedade do ensino da Missa de Paulo VI e da aceitação da legitimidade conciliar. Perante esta aproximação, a FSSPX considera que essas sociedades apostólicas tradicionais em comunhão com Roma, as sociedades Ecclesia Dei, são um engodo para os católicos tradicionalistas, pois reconhece-se-lhes jurisdição, a troco da aceitação dos documentos conciliares.
A FSSPX é uma Sociedade Sacerdotal de Vida em Comum sem Votos. Os membros da Fraternidade vivem totalmente dedicados ao Santo Sacrifício da Missa, pois a finalidade da sociedade é, segundo a mesma, o sacerdócio e tudo que com o mesmo se relaciona. Do ponto de vista orgânico, a FSSPX, de acordo com os seus estatutos, reconhece como legítimo Sumo Pontífice o Papa Francisco, e como legítimos pastores os bispos por ele nomeados. A FSSPX, que se assume a si mesma como uma regular congregação da Igreja Católica, tem um Superior Geral, Superiores Provinciais e de Seminários, assim como Superiores locais. Os seus membros são sacerdotes, irmãos, oblatas e terceiros. Mantém também a Congregação das Irmãs da Fraternidade São Pio X, um ramo feminino que acolhe as jovens com vocação para a vivência da espiritualidade centrada na Missa.
Como já referimos, a FSSPX vinca a sua existência na presunção de que há uma crise geral na Igreja, materializada no Concílio Vaticano II. Por isso, proclama que adere “de todo o coração, de toda a alma, à Roma católica, guardiã da Fé católica e das tradições necessárias à manutenção desta Fé, à Roma eterna, mestra da sabedoria e da verdade”. No entanto, acusa Roma – e recusa-a por isso – de seguir uma tendência neo-modernista e neo-protestante, na qual afiliou as reformas conciliares.
Em 2017, a FSSPX contava com 637 sacerdotes, 123 irmãos, 195 irmãs, 19 irmãs missionárias do Quénia (congregação criada pela sociedade), 79 oblatas, 204 seminaristas e 56 pré-seminaristas. Está presente em 37 países e tem contactos regulares com outros 35, estando em expansão, em efectivos e países. Possui uma Casa Geral, em Menzingen, na Suíça, uma organização baseada em distritos (14), além de Casas Autónomas (em número de quatro). A ela estão ligados quatro conventos carmelitas, seis seminários, 165 priorados, 772 centros de missa e mais de cem escolas (do Ensino Básico ao Secundário), bem como duas universidades e sete casas de repouso para idosos. Tem também comunidades de várias ordens religiosas latina e orientais em todo o mundo.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa