O Tradicionalismo Católico – III
Mas não apenas a liturgia pós-conciliar (Concílio Vaticano II, 1965-1965) avivou o espírito crítico dos tradicionalistas. Estes apontam também a existência de influências negativas no seio do Concílio e da Igreja que nele se reformou. Influências como o Modernismo, o Protestantismo e a Maçonaria, nomeadamente na acusação de que se fez ao principal autor do “Novus Ordo Missae”, o sacerdote italiano Annibale Bugnini, até então Secretário da Congregação para o Culto Divino e que cujo nome constava numa lista de sacerdotes maçons publicados pela imprensa italiana à época do Concílio. Os tradicionalistas acusavam-no também de que enganara o Papa Paulo VI ao induzi-lo a acreditar que os especialistas em Liturgia eram a favor das mudanças introduzidas, o que nunca foi provado.
Por aqui se vê o clima de confusão e de acusações lançadas em torno do Concílio e contra os ventos que dele sopraram na renovação eclesial. Mas não foram apenas os tradicionalistas e o todo do movimento que os “congregava” (embora não homogénea e unitariamente) que se levantou em críticas ao Concílio e à nova liturgia. Alguns prelados conciliares, cardeais, em surdina ou mais explicitamente, não deixaram de enviar as suas farpas à reforma proposta. Como o cardeal Ottaviani, por exemplo, então número dois da Santa Sé e anteriormente Pró-Prefeito do Santo Ofício, ou o mais famoso rosto dos tradicionalistas, o monsenhor Marcel Lefebvre.
A Igreja estava dividida, mesmo que não parecesse, com parte da hierarquia a “simpatizar” mais com o Tradicionalismo Católico ou o pré-conciliarismo do que com as reformas que se impunham.
ESPIRITUALIDADE E DEVOÇÕES
Aqui reside outra reivindicação acesa dos tradicionalistas, a defesa acérrima de muitas formas devocionais anteriores ao Concílio Vaticano II, que pretendiam que se mantivessem em aplicação. Mas recordemos algumas das devoções mais caras aos católicos tradicionalistas que estes pugnavam por fazer regressar às práticas dos fiéis.
Comecemos pela do jejum de meia-noite antes de receber a Eucaristia, uma prática ancestral que Pio XII alterou em 1953 para três horas antes; muitos tradicionalistas não condenam, porém, esta alteração, embora defendam a disciplina anterior. Mais tarde, passou-se para uma hora de jejum (novo Código de Direito Canónico de 1983, promulgado por São João Paulo II), aqui com mais críticas por parte dos tradicionalistas. Os católicos tradicionais (diferentes e sem movimentos “separados”, como os tradicionalistas) aceitam uma hora de jejum, por exemplo. Outra polémica prende-se com a genuflexão (ajoelhar) para se receber a comunhão directamente na boca somente da mão de um sacerdote ou, como ministro extraordinário, o diácono. Essa prática é respeitada e autorizada, embora se tenha alterado, mas muitos tradicionalistas, e até tradicionais, consideram que receber a hóstia na mão é um abuso e um sacrilégio.
Outra face visível do Tradicionalismo mais devoto é o uso do véu por parte das mulheres, uma prática antiga na Igreja. Véu branco para as moças e mulheres não casadas, negro para casadas e viúvas. Porque São Paulo já o clamava quando dizia que «toda mulher que ora ou profetiza, não tendo coberta a cabeça, falta ao respeito ao seu senhor, porque é como se estivesse rapada» (I Cor 11,4-5). No acto da comunhão deverão estar com véu e ajoelharem-se. Ajoelhados deverão também estar todos os crentes no confessionário, para a confissão.
Não entraremos numa análise exaustiva do ritual da missa, mas é nessa celebração litúrgica que se centram as mais mediáticas disposições criticadas pelos tradicionalistas, a par das vestes cerimoniais.
Os tradicionalistas defendem ainda a manutenção de orações como o Santo Rosário e a Via Sacra, na forma e uso de anteriores ao Concílio, sem as alterações introduzidas – que se tornaram comuns embora não universais – pelo Papa Paulo VI; os tradicionalistas não incluem também, mesmo opcionalmente, os Mistérios Luminosos no Rosário introduzidos pelo Papa João Paulo II.
Estes intentos de recuperação de devoções e práticas antigas, uma vez mais convém recordar que não apenas os tradicionalistas ou tradicionais que as defendem, pois há muitos fiéis que as vêem com bons olhos e sem quaisquer intuitos de crítica ao Concílio ou de recuo na Tradição.
MOVIMENTOS TRADICIONALISTAS E TRADICIONAIS
Importa aqui enunciar alguns movimentos de leigos tradicionalistas e tradicionais na Igreja, em comunhão ou em colisão. Entre os tradicionalistas temos a “Association Saint Cyrille d’Alexandrie”, o blogue “Christus imperat”, “Fatima Network” e “Catholic Family News”; nos tradicionais, “International Una Voce Federation” (movimento internacional de promoção da liturgia católica tradicional), “Catholic Apologetics International”, “The Latin Mass Society” e “Ecclesia Dei”. No Brasil há a associação cultural tradicionalista católica “Permanência”, defensora da liturgia tradicional e da Missa de São Pio V. Entre os tradicionais no Brasil contam-se ainda a Associação Cultural Santo Tomás, a Associação Cultural Montfort e a Revista Catolicismo Tradicional.
Estas associações ou organizações de leigos estribam-se do ponto de vista doutrinal e canónico, até ao ponto em que não ponham em causa nem a doutrina nem o cânone, nas disposições da Carta Apostólica “Ecclesia Dei” do Papa João Paulo II, vertida para o efeito, isto é, de enquadrar todos os grupos e movimentos que reclamem a manutenção de uma perspectiva própria da Tradição.
Do ponto de vista das organizações de sacerdotes e religiosos tradicionalistas e tradicionais, cumpre elencar as seguintes. Para os tradicionais temos a Fraternidade Sacerdotal São Pedro, sociedade que continua a crescer em termos de efectivos e vocações de forma exponencial, com uma implantação assinalável (actualmente 287 sacerdotes e 150 seminaristas), fundada em 1988 na abadia de Hauterive (Suiça); o Instituto Cristo Rei (fundado em 1990 e de enfoque missionário); a Administração Apostólica São João Maria Vianney, em Campos, no Rio de Janeiro, Brasil (criada pelo Papa São João Paulo II em 18 de Janeiro de 2002, a partir da antiga União Sacerdotal São João Maria Vianney, um grupo de padres que conservavam a liturgia antiga, a disciplina e os costumes tradicionais); Instituto do Bom Pastor; Instituto do Bom Pastor Latino-América; para além de um conjunto de comunidades tradicionais nos Estados Unidos e Europa com aprovação eclesial.
Entre os tradicionalistas há algumas sociedades (críticos do Vaticano II, que consideram desadequado à Igreja Católica) como a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (fundada em 1970), a Fraternité Sacerdotale de Saint-Josaphat (greco-católica ucraniana, fundada em 2000) e vários conventos e abadias.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa