CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXLVI

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXLVI

O Pentecostalismo – XVIII

Haverá mesmo um “fascismo evangélico” na América Latina? É verdade que o protestantismo histórico trilhou, diríamos, direcções politicamente mais “liberais”, tendo mesmo gerado uma tradição muito enraizada de compromisso social. Todavia, o seu enquistamento em certos nichos sociais, a que se somam as derrotas históricas dos projectos políticos mais à “esquerda”, contribuiu para uma relativa perda de relevância na sociedade latino-americana. Os evangélicos foram sempre tendencialmente mais conservadores, mas chegaram a implantar alguns compromissos sociais em tempos já distantes. Depois, os pentecostais, senão também os neopentecostais – somados foram o mais numeroso e decisivo grupo evangélico durante várias décadas – encetaram também várias experiências de relacionamento político com as massas populares. De um modo geral, é possível delinear quatro momentos nessa relação nos diferentes países da América Latina.

O desenvolvimento inicial do Pentecostalismo na América Latina incluiu a denúncia dos aspectos materiais e institucionais tradicionais da sociedade. Como a política, que devia ser por isso repudiada. A origem estrangeira dos primeiros agentes pentecostais pesou nesse repúdio, pelo facto de que não tinham capacidade de ligação ou acção sequer em grupos políticos e tomar qualquer posição por isso nas suas disputas. Uma característica desses pioneiros a reter é o seu anticomunismo primário, trazido das origens americanas. A situação minoritária e estigmatizada de uma religiosidade que era vista como “dissidente” colou-se, na primeira fase, a esses grupos iniciais, reforçada pelo facto desses primeiros grupos de crentes locais pertencerem a populações social, económica ou culturalmente marginalizadas.

Depois formou-se, gradualmente, um corpo de líderes endógenos com um forte vínculo às sociedades locais. Começava a segunda fase. Constituídos como uma minoria religiosa, em geral a partir dos anos setenta, começaram a lutar pela protecção dos seus direitos. Neste contexto, surgiu uma gradual politização, a qual assumiu o carácter de defesa limitada do pluralismo religioso, uma vez que os pentecostais procuravam, em geral, o seu reconhecimento como fenómeno religioso, a par, principalmente, da Igreja Católica, maioritária.

ENVOLVIMENTO POLÍTICO

O Pentecostalismo, posteriormente, tornou-se atractivo para muitos políticos estabelecidos, além de suscitar o envolvimento político dos emergentes evangélicos líderes, tidos como altamente “empreendedores”. Deu-se também um crescente número de eleitores evangélicos, com grande poder das suas redes. A essas conexões, acrescente-se o facto de que os crentes evangélicos poderiam dar legitimidade específica e adicional a projectos políticos com objectivos de denúncia da corrupção, o principal alvo das críticas evangélicas a nível político. A partir daí, ou se tentava criar partidos confessionais – sem muitos resultados – ou se procurava a nomeação de evangélicos em partidos não confessionais. Esta segunda opção revelou-se mais eficiente. Como exemplos, temos a participação de evangélicos nas campanhas de Alberto Fujimori na sua primeira eleição no Peru (1990), de Fernando Collor de Mello no Brasil, em finais dos anos 80, ou nas eleições para a Prefeitura do Rio de Janeiro, em que Benedita da Silva, mesmo contra os avisos da sua igreja, seria eleita vereadora municipal, afirmando-se sempre como «mulher, negra, favelada e pentecostal». Chegou a governadora do Estado do Rio de Janeiro e também ao cargo de senadora.

Nesta fase, a actividade política intensificou-se em diferentes grupos pentecostais e evangélicos, através de compromissos políticos ou alianças com grupos políticos e partidários. Por exemplo, na Argentina, os pentecostais que se mobilizaram politicamente fizeram-no em torno do Peronismo (movimento político na Argentina, surgido na década de 1940 e liderado por Juan Domingo Perón), além de grupos de centro-direita. No Brasil, onde as mais poderosas denominações pentecostais apoiaram os Presidentes da República Collor de Melo (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), antes do advento do chamado “perigo comunista” do Partido dos Trabalhadores (PT), juntando-se depois à frente promovida pelo mesmo partido (PT) nas quatro eleições que venceram, com Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016). De seguida, deram também o seu aval ao projecto de Marina Silva (evangélica e ambientalista que foi ministra do primeiro Governo Lula, 2003-2007, que depois lideraria uma das suas primeiras dissidências) e, finalmente, numa corrida atrás do seu eleitorado, acabariam a apoiar a candidatura de Jair Messias Bolsonaro (eleito em 2019).

Este momento de maior envolvimento político coincide com o de maior expansão do Pentecostalismo entre todos os grupos evangélicos. Neste contexto, os evangélicos não apenas começaram a participar na política eleitoral, mas tornaram-se interlocutores nos diálogos sobre políticas públicas: a sua agilidade e capilaridade territorial tornaram-nos em agentes decisivos para os processos pelos quais vários Estados começaram a considerar cada vez mais as populações excluídas ou marginalizadas. Um exemplo importante dessa importância é o seu envolvimento na luta contra o narcotráfico e a violência em várias sociedades latino-americanas. Esta mobilização política e social tornou-se gradualmente fundamental para o reconhecimento da importância política dos pentecostais.

Para muitos líderes de diferentes igrejas e associações evangélicas e pentecostais a fórmula canónica de secularização (Religião livre de Estado e Estado livre de Religião) não se aplica. Por isso, diferentes aspectos da experiência evangélica não só podem ser atraentes para os políticos que os convidam ou para os evangélicos tentarem converter a situação religiosa em poder político, mas também um projecto pode ser delineado tendo em vista a conquista da sociedade como um todo para os valores cristãos. Há assim um forte investimento político em várias regiões, que coincide com o alastramento do dito “fascismo evangélico”. Este ocorre quando os evangélicos enfatizam a sua oposição ao casamento igualitário e à legalização da interrupção voluntária da gravidez, além da defesa de certas limitações ao pluralismo religioso, que deve ser exercido contra as “seitas” e religiosidades afro-americanas e até, em alguns casos, em intentos de regulação no domínio religioso que afectariam, por exemplo, as expressões autónomas do Pentecostalismo.

Há, pois, um crescendo de importância do Pentecostalismo na vida política. Numa quarte fase, na actualidade, sem necessitarem sobremaneira de partidos ou movimentos políticos, os pentecostais involucram-se cada vez mais na política, que os “procura”, que através da sua capilaridade procura “chegar” ao povo, aos marginalizados principalmente, actuando e tentando desenvolver políticas de acção social. O que equivale a votos….

Vítor Teixeira 

Universidade Fernando Pessoa

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