Caridade como amor aos inimigos

Caridade como amor aos inimigos

Roberto Carlos canta na sua popular canção “O Progresso”: “Eu queria poder abraçar o meu maior inimigo”. Bíblia: «Amai os vossos inimigos» (Mt., 5, 44). Será realmente possível?

Amar significa desejar o bem ao outro, fazer o bem aos outros. Ajuda aqueles que o possuem a sair de si mesmos, do seu “ego inflado” e do amor egoísta, e a abrir-se aos outros.

Por natureza, o Ser Humano anseia pela felicidade. Só o amor verdadeiro pode tornar-nos relativamente, mas verdadeiramente, felizes nesta vida terrena. A vida humana significa aprender a amar – e amar cada vez mais de forma ascendente. Na verdade, ser é amar, e viver é amar: o amor verdadeiro torna a pessoa honesta, livre, responsável, compassiva. Além disso, aprendemos melhor aquilo que amamos (J. L. Martin Descalzo).

O amor é o maior valor e virtude humana: o amor como “philia”, ou amizade (amor afectivo), e como ágape, ou amor generoso incondicional (amor benevolente supremo). Com o amor afectivo amamos os nossos familiares e amigos: é natural amá-los. Com o amor ágape, amamos os nossos entes queridos – os mais queridos e próximos – e os mais pobres. Além disso, e com intensidade diferente, mas verdadeira, amamos todos, incluindo os nossos inimigos.

Na tradição cristã, o amor como caridade – o amor de Deus em nós – é considerado “a forma”, a mãe e a força motriz de todas as virtudes. Na perspectiva do Reino, a caridade dá vida a todas as outras virtudes e permeia-as com paz, alegria e misericórdia – com empatia universal.

Deus ama toda a Sua criação. Ele ama todos os seres humanos, que não são apenas Suas criaturas, mas também Seus filhos. Deus não tem inimigos, porque Ele a todos ama e não odeia ninguém. Os crentes, os cristãos, são chamados pela sua fé a imitar o amor de Deus, que é universal e no qual todos estão incluídos: os bons e os maus, mulheres e homens, crianças e idosos, santos e pecadores, pobres e ricos.

Jesus Cristo, o Filho de Deus, ama a todos. Os seus seguidores têm um mandamento primordial: com caridade nos nossos corações (cf. 1 Jo., 4, 19), amamos a Deus e a todos os nossos vizinhos, incluindo os inimigos. Para aqueles que acreditam em Jesus, é um amor universal, um amor fraterno que não exclui ninguém. Este amor está sempre fundamentado na graça divina e fortalecido pela oração.

São Paulo escreve: «Amai o vosso próximo como a vós mesmos» (Gal., 5, 14). Isto implica amar também aqueles que nos odeiam. Com ódio no coração, não podemos amar os nossos inimigos. Pelo contrário, com amor no coração, os nossos inimigos deixam de ser nossos inimigos e tornam-se nossos irmãos e irmãs em Cristo, o Salvador de todos. São Tomás de Aquino explica que o mandamento de Jesus «ama os teus inimigos» significa “não odiar a pessoa, mas o seu pecado”. Odeia o pecado, mas ama o pecador; odeia o mal, foge do Maligno, Satanás, o Tentador, que como um leão rugindo anda à procura de alguém para devorar (cf. 1 Pd., 5, 8; Mt., 10, 36). “Assim como o amor fraterno vem de Deus, o ódio vem do diabo” (São Pedro Crisólogo). Odiar o mal implica combatê-lo com humildade e paz.

Jesus pede aos seus seguidores que amem os seus inimigos. As suas palavras exactas são: «Foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. Mas eu vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus» (Mt., 5); «Bendizei os que vos maldizem, orai pelos que vos maltratam» (Lc., 6, 28); «Pai, perdoa-lhes» (Lc., 23, 34). Hoje, então, Jesus pede aos seus discípulos que amem os seus inimigos, que os perdoem e que rezem por eles. Palavras sábias: “Ninguém pode rezar por outro homem e continuar a odiá-lo” (W. Barclay).

Ao nos consciencializarmos da nossa inclinação para o egoísmo, a raiva e a impaciência, é muito difícil – com o fraco poder da nossa natureza ferida – amarmos os nossos inimigos e, portanto, não os odiar. Um membro da incrível “Peanuts Family” (série de animação “Snoopy e Charlie Brown”) afirmou: «– Amo a humanidade; não suporto as pessoas». E pensa o telespectador: “Amo os meus inimigos, excepto aqueles que me trataram mal”. Ora, excluir amar alguns inimigos é selectivo e, portanto, não cristão: o amor cristão, a caridade, não é algo selectivo, mas universal.

A formulação positiva da Regra de Ouro, a norma ética universal, determina: “Façamos aos outros o que queremos que os outros nos façam”. Jesus convida todos a praticar a Regra de Ouro (cf. Mt., 7, 12) e vai para além da ética da reciprocidade e da ética do ágape, ou amor incondicional, ao completá-la e aperfeiçoá-la: «Amai os vossos inimigos e rezai pelos que vos perseguem» (Mt., 5, 44).

Palavras para reflectir: “O nível mais elevado de amor fraternal é amar os nossos inimigos, e não há maior incentivo para tal do que lembrar a maravilhosa paciência exercida por aquele que (o mais belo dos filhos dos homens) ofereceu o seu rosto gracioso para ser cuspido pelos seus inimigos (…) Ao ouvir aquela voz maravilhosa, cheia de gentileza e amor, dizendo ‘Pai, perdoa-lhes’, quem não abraçaria imediatamente os seus inimigos? O Senhor até inventou desculpas para aqueles que o crucificaram (…) Para amar os seus irmãos ainda mais perfeitamente, ele [o discípulo] deveria abrir os braços para abraçar até mesmo os seus inimigos” (São Aelredo de Rievaulx, “O Espelho da Caridade”).

É muito difícil amar os nossos inimigos, ou os Cains do nosso tempo, ou particularmente este ou aquele inimigo? Sim, claro, mas felizmente temos ajuda disponível, se realmente quisermos ser ajudados. Cristo deu-nos o mandamento de amar os nossos inimigos e, portanto, dá-nos a graça de que precisamos para o cumprir, com a nossa modesta cooperação. Jesus disse-nos: sem mim, nada podeis fazer, e Mateus encerra o seu Evangelho com estas palavras esperançosas de Jesus: «Lembrai-vos, eu estou convosco todos os dias, até ao fim dos tempos» (Mt., 28, 20).

Um exemplo maravilhoso de como devemos amar os nossos inimigos é o mártir São Óscar Romero. O então arcebispo de El Salvador pregava: “Eu nunca sou inimigo de alguém. Mas que aqueles que sem motivo querem ser meus inimigos, se convertam ao amor (…) Eu não os odeio. Não quero vingança. Não lhes desejo mal. Peço-lhes que se convertam, que sejam felizes”.

E para concluir. Nas suas “Confissões” – sempre úteis –, Santo Agostinho escreve: “Ó, feliz é o homem que te ama, meu Deus, e ama o seu amigo em ti, e ama o seu inimigo por tua causa”.

Pe. Fausto Gomez, OP

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