CANONIZAÇÕES, EVENTOS E ENCÍCLICAS

CANONIZAÇÕES, EVENTOS E ENCÍCLICAS

Nas pegadas de Francisco

Há precisamente onze anos, ainda mal o Papa Francisco acabava de celebrar um ano de Pontificado e já Roma recebia centenas de milhares de peregrinos para as cerimónias de canonização dos Papas João Paulo II e João XXIII.

A 27 de Abril de 2014 (completam-se onze anos este Domingo), o pequeno Estado do Vaticano foi mais uma vez o centro do mundo, tendo-se naquele dia atingido o recorde de número de fiéis estrangeiros, a ponto da grande maioria ter sido encaminhada para as mais emblemáticas praças de Roma, algumas delas até algo distantes do Vaticano.

Durante uma manhã inteira, os olhos estiveram vidrados nos ecrãs espalhados pela cidade, sendo garantido que após as cerimónias as autoridades policiais iriam abrir os cordões de segurança para que todos os peregrinos pudessem finalmente chegar ao Vaticano.

O Papa Francisco ia lembrando os feitos de João Paulo II e de João XXIII, como que em jeito de homenagem. Foi de João Paulo II que Jorge Mario Bergoglio recebeu o barrete cardinalício, era então arcebispo de Buenos Aires. Por sua vez, João XXIII, que havia sido Papa há mais tempo, não se cruzou na vida de Francisco, mas foi quem iniciou os trabalhos do Concílio Vaticano II – iniciativa que marcou até aos dias de hoje a Igreja Católica, pois deu-lhe um novo ardor pastoral. Os trabalhos do Vaticano II terminaram já no Pontificado do Papa Paulo VI.

Se Francisco já estava nos corações dos fiéis, aquela manhã de Abril foi o selar da união dos católicos como o seu pastor principal. Vejamos os factos:

Um ano antes, o Papa Bento XVI abdicara para grande surpresa de toda a família cristã. Por concluir deixara os processos de canonização de João Paulo II e de João XXIII, e uma Encíclica por finalizar. Num primeiro gesto de humildade, Francisco não se fez rogado; aceitou as decisões e a vontade do seu antecessor e terminou a Encíclica Lumen fidei (“Luz da fé”). Esta viria a ser publicada a 29 de Junho de 2013, dia dedicado à Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo. Nela escreve: “Consciente da tarefa confiada ao Sucessor de Pedro, Bento XVI quis proclamar este Ano da Fé, um tempo de graça que nos tem ajudado a sentir a grande alegria de crer, a reavivar a percepção da amplitude de horizontes que a fé descerra”. E ainda: “Estas considerações sobre a fé – em continuidade com tudo o que o magistério da Igreja pronunciou acerca desta virtude teologal – pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas encíclicas sobre a caridade e a esperança”. Duas referências, pois, ao Papa emérito, numa atitude de agradecimento e reconhecimento.

Depois, deu-se então a canonização dos dois Papas, com todas as implicações emocionais do momento, para mais tratando-se da canonização de dois dos Pontífices mais amados no Século XX. Resumindo: Francisco construiu a ponte entre o seu Pontificado e a herança deixada pelos últimos antecessores.

A 24 de Maio de 2015, na Solenidade de Pentecostes, é publicada a Encíclica Laudato si’ (“Louvado sejas”), texto que iria revelar-se a sebenta do mistério de Francisco. Encarada como a “encíclica ecológica”, é um tratado sobre a coabitação do Homem com a Natureza (tanto a ambiental como a humana). Se Bento XVI chancelou definitivamente a missão que lhe foi confiada com a Encíclica Deus caritas est (“Deus é amor”), Francisco fê-lo com a Laudato si’, havendo quem considere que as duas cartas encíclicas se complementam. Aliás, o Ano Jubilar que a Igreja Católica agora celebra tem no próximo mês de Maio como um dos seus pontos altos o décimo aniversário da publicação da Laudato si’. Nos parágrafos 3, 4 e 6 encontramos referências a João XXIII, Paulo VI e Bento XVI, respectivamente.

Dois anos volvidos, em 2017, deu-se o primeiro grande encontro entre o Papa Francisco e os portugueses. A cidade de Fátima, mais concretamente a Cova da Iria, engalanou-se para receber o Santo Padre. Ainda hoje os números não são oficiais, mas terão estado mais de quinhentas mil pessoas no Santuário de Fátima. A 13 de Maio de 2017, sob um Sol abrasador, Francisco presidiu à missa de canonização de dois dos Pastorinhos de Fátima, Francisco e Jacinta Marto.

A 3 de Outubro de 2020, junto ao túmulo de São Francisco de Assis, o Papa promulgou a Encíclica Fratelli tutti (“Todos irmãos”) sobre a Fraternidade e a Amizade Social. Este texto contempla um subtítulo dedicado à Esperança (integra o Capítulo I – As sombras dum mundo fechado), antevendo-se à época que Francisco pretendesse vir a dedicar o tema da Esperança a um evento maior…

A frase “todos irmãos” seria repetida vezes sem conta em Lisboa, em 2023, na Jornada Mundial da Juventude.

Largas centenas de milhares de jovens de todo o mundo deslocaram-se à capital portuguesa, para junto do Papa celebrarem a fé, numa fase tão importante e crucial das suas vidas.

De Lisboa saiu uma frase que ficará ligada ao resto do Pontificado do Papa argentino: «– Jovens e idosos, sãos, doentes, justos e pecadores. Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos».

E foi com o tripleto “todos, todos, todos” ainda na mente dos fiéis e não fiéis que o Pontífice publicou, em 24 de Outubro de 2024, a Encíclica Dilexit nos (“Amou-nos”) sobre o Amor Humano e Divino do Coração de Jesus. Nesta Carta sobressaem duas frases retirados da obra “Meditações sobre as passagens dos santos Evangelhos relativas às quinze virtudes” (Beato Charles de Foucauld, 1858-1916): “O nosso coração, como o da Igreja, como o de Jesus, deve abraçar todos os homens”. “O amor do coração de Jesus pelos homens, o amor que ele manifestou na sua paixão, é o amor que nós devemos ter por todos os seres humanos”. E no final, o Papa afirma: “Peço ao Senhor Jesus Cristo que, para todos nós, do seu Coração santo brotem rios de água viva para curar as feridas que nos infligimos, para reforçar a nossa capacidade de amar e servir, para nos impulsionar a fim de aprendermos a caminhar juntos em direcção a um mundo justo, solidário e fraterno”.

A Encíclica Dilexit nos “permite-nos descobrir que o que está escrito nas encíclicas sociais Laudato si’ e Fratelli tutti não é alheio ao nosso encontro com o amor de Jesus Cristo, pois bebendo desse amor tornamo-nos capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum” (Dilexit nos, n.º 217).

Em Janeiro deste ano, o Papa Francisco teve um último encontro com os profissionais da Comunicação Social no Jubileu do Mundo da Comunicação, realizado na Santa Sé. Tratou-se do primeiro dos jubileus temáticos programados para o Ano Santo.

Dirigindo-se aos jornalistas e comunicadores, Francisco afirmou que «comunicar significa sair um pouco de mim mesmo para oferecer do que é meu ao outro», sendo que – continuou – «a comunicação não significa apenas sair, mas também ir ao encontro do outro. Saber comunicar é uma grande sabedoria, uma grande sabedoria!». E acrescentou: «Estou feliz com este Jubileu dos comunicadores. O vosso é um trabalho que edifica: constrói a sociedade, constrói a Igreja, leva todos a progredir, contanto que seja verdadeiro».

Já na Dilexit nos, publicada três meses antes, Jorge Mario Bergoglio lembrara que “o empenho pastoral e o ardor missionário serão intensamente inflamados quando os sacerdotes e os fiéis, para difundir a glória de Deus, e seguindo o exemplo da caridade eterna que Cristo nos mostrou, orientarem os seus esforços para comunicar a todos os homens as riquezas insondáveis de Cristo”.

José Miguel Encarnação

N.d.R.: O jornalista fez a cobertura in loco de todos os eventos referidos no texto.

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