Caminhar é lutar pela vida

Caminhar é lutar pela vida

Há dores que se alojam no nosso coração, que nos bloqueiam, dando origem a algum grau de dificuldade em passar à escrita. É preciso então dar tempo ao tempo. Aconteceu comigo. A doença prolongada e muito sofrida de uma irmã. Sobretudo pelo bom exemplo que nos deixou. No meio de tanto sofrimento os seus olhos enormes brilhavam, repletos de esperança, até ao último momento, com vontade de ultrapassar a sua doença oncológica. Mas não foi assim! Deus tinha outros desígnios para ela. Recordo hoje a sua simplicidade, humildade, generosidade: nunca falava mal de alguém, desculpava sempre. Também possuía uma enorme capacidade de ouvir e de entender o outro. Nunca saíamos de mãos vazias de perto de dela. Era como um fósforo que se acende numa sala e que não a ilumina toda mas que todos o vêem. E, contudo, não foi poupada a um sofrimento atroz. Desgostosa com o momento que vivenciava, que me trouxe ao pensamento situações semelhantes que já tinha anteriormente atravessado. Apesar de todos os esforços desenvolvidos por não me deixar ir abaixo, algumas coisas ficaram mesmo para trás, tal como a escrita. Sei que somos filhos de Deus e que devemos aceitar o que não entendemos. Acho que perdi um pouco as defesas. E lá estava a doença Covid-19 à espreita, se bem que com sintomas muito ligeiros. E, aos poucos, constrangida, vi todos à minha volta tornarem-se positivos. Melhorava um, adoecia o outro. E assim fomo-nos alternando a tomar conta uns dos outros. «Deus é grande!». Como referia a avó Isabel. Pensava, entretanto, na minha irmã que ia piorando. Agora não a poderia visitar. E ela preocupava-se muito comigo. Pedia para me telefonarem para saber como me encontrava, bem como os outros “positivos”. Querida irmã, já prestes a partir para a Casa do Pai e ainda te preocupaste connosco. Bem, Deus sabe mais. Tudo concorre para o bem. Tenho de manter a serenidade, alguma alegria, já que as dificuldades não têm a última palavra.

A vida é dura, mas também nos traz muitas alegrias. «A graça de Deus será o vosso conforto», dizia Nossa Senhora em Fátima aos pastorinhos. Quem não precisa de encorajamento, de uma palavra amiga, sobretudo, nos momentos mais difíceis. E um dia, já recuperada, estava a preparar-me para sair quando, de repente, senti que o seu fim se encontrava iminente. Tinha de fazer algo. E uma ajuda inesperada surgiu, vinda certamente do Céu. Tudo parecia estar predestinado. No meio de uma grande dor que abrasava o meu coração, tive uma enorme alegria. Consegui vislumbrá-la com os seus olhos enormes, repletos de alegria por me ver, a seu pedido. Era a despedida possível, via WhatsApp. Como ficámos felizes! Conforme foi a sua vontade tinha-lhe sido conferida a Unção dos Doentes. E esta alegria perdurará para sempre na minha memória acompanhada por uma frase de Santo Agostinho que na altura foi referida por alguém. “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova… Fulguraste e brilhaste e tua luz afugentou minha cegueira… Eu te saboreei e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora ardo no desejo de paz”. Dois dias depois estava a conduzir, e esta frase veio-me de um modo intenso ao pensamento. O telemóvel toca. Uma outra irmã, e seguidamente uma sobrinha, pediam para me dirigir ao hospital para me despedir da minha irmã. Quando tinha acabado de estacionar o carro telefonaram a dizer que já tinha partido para a Casa do Pai. Tinha sido no momento em que a frase veio ao pensamento. Vai em paz querida irmã. Que Deus te acolha no Seu Reino. «Mais uma estrelinha no Céu», como referia a minha neta mais tarde, explicando-me qual delas era… Graças a Deus sentia-me reconfortada por me ter despedido, ainda que pelos meios digitais. Também por saber que já não se encontrava em sofrimento. E retomei os meus passeios à beira-rio. Precisava de fazer o luto. E sei que ao caminhar e ao observar o rio, as gaivotas, o céu azul, com o coração aquecido pelo Sol sinto-a, de algum modo, presente nestas caminhadas, como tanto gostava. Até sempre querida irmã!

Ainda a fazer o luto e já outras preocupações surgem. Incrédula, observo atentamente na televisão os horrores provocados pelos ataques russos na Ucrânia. Mal posso acreditar! Como é possível que a guerra surja novamente? Nunca pensei que tal viesse a acontecer. Dava como adquirida a paz na Europa. Coração, coração na Cruz! É tão grave e aterrador e com tantas consequências devastadoras para a Humanidade. Caiem-me as lágrimas ao ver tanto sofrimento e injustiça. Também ao ver todo o enorme apoio, solidariedade e fraternidade a nível mundial. Também tantas orações, vigílias, recolhas de roupa e alimentos, promovidas por diferentes paróquias e movimentos. O Santo Padre convocou para o dia 2 de Março, Quarta-feira de Cinzas, católicos e cristãos de outras igrejas e todas as pessoas, um dia de jejum e oração pela Ucrânia apelando às consciências com as armas de Deus para pedir pelo fim da guerra, e solidariedade para aqueles que sofrem. E como refere o Santo Padre na sua mensagem para a Quaresma: “Não nos cansemos de semear o bem”. Esta chamada para semear o bem deve ser vista, não como um peso, mas como uma graça pela qual o Criador nos quer activamente unidos à Sua fecunda magnanimidade… Cada ano, a Quaresma vem recordar-nos que o bem, aliás como o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam de uma vez para sempre: hão de ser conquistados cada dia. Nossa Senhora, Rainha da Paz, intercedei por todos nós!

Maria Helena Paes 

Escritora

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