Bengala e o Reino do Dragão – 2

O porto pequeno de Satgaon

Tomé Pires e Duarte Barbosa são os primeiros a dar-nos notícias dos reinos de Bengala povoados por “gente de peleja e de trato”, ou seja, guerreiros e mercadores, chamando desde logo a atenção para riquezas como o algodão, o açúcar, o gengibre e os “panos pintados e finos”. Foi apenas uma questão de tempo até que os portugueses começassem a chegar, aportando ao principal porto fluvial (com o nome de Bengala), e percorrendo depois o leito do rio a jusante ao longo de dois dias até chegar ao porto de Satgaon, que passaria a ser designado como “Porto Pequeno”, para diferenciá-lo de Chatigão, também conhecido como Porto Grande de Bengala, e onde os portugueses se encontravam instalados pelo menos desde 1518.

Há notícia de aí ter chegado, em 1533, Afonso de Melo, capitaneando uma frota de cinco navios e uma centena de homens com presentes para o sultão local que, pelos vistos, não terá apreciado o gesto pois colocou a ferros os visitantes, o que motivaria o envio, por teimosia do vice-rei em Goa, de nova frota portuguesa, capitaneada por Diogo Rebelo, que teria sucesso e logrou abrir o porto de Satgaon ao comércio português. Assim, em 1535 os portugueses viam a sua presença solidificada naquelas paragens, embora com altos e baixos e nem sempre conseguindo manter a sua permanência. Seria a natureza a impor as suas regras, com a sedimentação do leito do rio que acabaria de vez com aquele ancestral porto. Como opção, os portugueses estabelecer-se-iam uns cinco quilómetros para sul, e em Bandel (do Árabe Bandar) – a quarenta e dois quilómetros da actual Calcutá – viriam, em 1537, a estabelecer feitoria.

Ambos os portos eram desde há muito bastante frequentados por árabes, persas, abexins e hindus, que ali comerciavam vasta panóplia de produtos, entre os quais o arroz tão necessário a Malaca. Foi, aliás, para suprir essa falta que Afonso de Albuquerque, seguindo uma estratégia concertada, e visando os quatro pontos-cardeais, enviou os seus emissários.

Duarte Barbosa chama atenção para uma nada recomendável actividade, pelos vistos predilecta naquelas paragens, e que era a compra (ou roubo) de jovens rapazes que “depois de castrados e educados” vendiam-se como guardiões das fazendas e das mulheres dos senhores, bem resguardados nos serralhos, e destinados ainda “para outras vilezas”. Datada de 1518, uma carta redigida em Cochim por um tal João de Lima, chamando atenção para a barateza dos produtos locais, comprova que já nessa altura os portugueses por lá mercadejavam.

Em 1579, o mercador Pedro Tavares consegue em Agra, onde estava sedeada a corte do imperador mogol Acbar, autorização para uma concessão comercial – firman – e assim se erguia uma cidade que foi buscar o nome ao rio que a banha, o Hooghly, ficando a ser conhecida entre os portugueses como Hugli ou Uglim. Nessa mesma data há notícia da existência nesse local de um porto, bem como um forte, sendo esse considerado o momento fundador dessa cidade que esteve na génese da gigantesca urbe que é hoje Calcutá.

Os casados (assim se denominavam estes portugueses) eram autónomos do poder em Goa, embora devessem obediência, em teoria, ao capitão-geral do Ceilão, e eram eles que nomeavam os capitães da cidade. Em 1598, os católicos em Hugli totalizavam cerca de cinco mil, entre nativos e mestiços. Os portugueses tinham deste modo o exclusivo do comércio para a Europa de todos produtos que os povos das mais diversas proveniências faziam chegar a Bengala.

A região encontrava-se sob domínio de muçulmanos locais que governavam em nome do nababo que tinha a sua corte na cidade de Rajmahal, na margem oeste do Ganges. Uma quarentena de quilómetros mais a sul, na margem leste desse mesmo rio, erguia-se a cidade de Gaur (ou Gour) visitada alguns anos antes por António de Brito e Diogo Pereira, que partiram de Chatigão em Outubro de 1521.

Gaur, importante cidade do antigo império medieval hindu de Sena, era na época o expoente máximo da civilização bengali. Brito e Pereira ficaram atónitos com a extensão do local, muito fértil e abundante em produtos agrícolas, tendo comparado as ruas e travessas com as nossas, pois eram feitas de tijolo “ao modo da Rua Nova de Lisboa”. Quem visita o local, onde só restam ruínas da gloriosa época de outrora, dificilmente tem ideia da dimensão dessa cidade onde era tal a afluência de gente que “os senhores encarregavam homens de lhe abrir o caminho à custa de pancadas com canas, porque de outro modo os seus cavalos espezinhariam muitos”.

Após ter seguido os passos dos pioneiros missionários que de modo sistemático percorreram os mais recônditos reinos tibetanos, trabalho que resultaria na publicação de inúmeros artigos em revistas e jornais, um livro (Viagem ao Tecto do Mundo) e quatro episódios de um documentário exibido na RTP 2 com o título “Himalaias, Viagem dos Jesuítas Portugueses”, regresso aquela parte do mundo, desta feita para refazer a pouco conhecida mas não menos relevante rota encetada pelos dois jesuítas sedeados no sul da Índia, e de cuja viagem resultará um novo documentário, em pós-produção neste momento.

Joaquim Magalhães de Castro

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