«Deus não permanece distante» do sofrimento humano
O Papa afirmou que a morte de Jesus na cruz mostra aos crentes o «rosto» de Deus, próximo da Humanidade e dos seus sofrimentos. «Deus já não mora atrás de um véu; o seu rosto é agora totalmente visível no crucifixo. É ali, naquele homem atormentado, que se revela o maior amor. É ali que podemos reconhecer um Deus que não permanece distante, mas penetra na nossa dor até às profundezas», assinalou Leão XIV, na Audiência Geral da última quarta-feira, que decorreu na Praça de São Pedro.
A reflexão evocou os relatos dos Evangelhos sobre a morte de Jesus, recordando que «deixa a sua vida com um grito». «Este grito abrange tudo: dor, abandono, fé e oferenda. Não é apenas a voz de um corpo que cede, mas o sinal máximo de uma vida que se entrega», precisou.
O Papa abordou ainda a pergunta que os evangelistas colocam na boca de Cristo, “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”. «É o primeiro versículo do Salmo 22, mas nos lábios de Jesus assume um peso singular. O Filho, que sempre viveu em íntima comunhão com o Pai, experimenta agora o silêncio, a ausência, o abismo», indicou.
Leão XIV centrou a sua intervenção no valor do «grito», que considerou uma manifestação do coração e um «profundo acto de humanidade». «Na jornada da vida, há momentos em que guardar tudo dentro de nós pode consumir-nos lentamente. Jesus ensina-nos a não ter medo do grito, desde que seja sincero, humilde e dirigido ao Pai», observou.
O Papa disse que o grito pode ser «a forma suprema da oração, quando já não restam mais palavras»: «Gritamos quando acreditamos que alguém ainda pode ouvir. Clamamos não por desespero, mas por desejo».
Leão XIV convidou os participantes a imitar Jesus no seu «grito de esperança quando chega a hora da provação extrema». «Se exprimida com a confiança e a liberdade dos filhos de Deus, a voz angustiada da nossa humanidade, unida à voz de Cristo, pode tornar-se fonte de esperança para nós e para os que nos rodeiam», apontou.
Na saudação aos vários grupos de peregrinos presentes na Praça de São Pedro, o Papa citou o exemplo dos santos Pedro Jorge Frassati e Carlos Acutis, canonizados no último Domingo, que faleceram jovens: «Quando chegar o momento da provação, como os novos santos Pedro Jorge Frassati e Carlos Acutis, aprendamos com Cristo o grito de esperança e o desejo de abrir os nossos corações à vontade do Pai, que quer a nossa salvação».
Leão XIV deixou ainda uma «afectuosa saudação» aos peregrinos de língua portuguesa. «Não há amor maior do que o de Jesus na cruz, oferecendo-se ao Pai por cada um de nós. Abramos sem medo os nossos corações a este amor que é a razão da nossa esperança», recomendou.
Falando aos participantes vindos da Polónia, o Papa associou-se ao dia das crianças vítimas da guerra, que «comemora simbolicamente os seus sofrimentos e a sua contribuição para a reconstrução da Polónia após a II Guerra Mundial».
MÉDIO ORIENTE E NA UCRÂNIA
Na mesma ocasião, o Papa reforçou a sua preocupação com a situação no Médio Oriente, evocando em particular o sofrimento das crianças. «Lembrai nas vossas orações e nos vossos projectos humanitários as crianças da Ucrânia, de Gaza e de outras regiões do mundo atingidas pela guerra. Confio todos vós e as crianças que hoje sofrem à protecção de Maria, Rainha da Paz, e abençoo-vos de coração», apelou.
Aos peregrinos provenientes da Terra Santa, Leão XIV deixou também uma saudação: «Convido-vos a transformar o vosso clamor nos momentos de provação e tribulação numa oração confiante, porque Deus sempre ouve os seus filhos e responde no momento que considera melhor para nós. Que o Senhor vos abençoe a todos e vos proteja sempre de todo o mal».
No dia anterior, terça-feira, ao sair da residência de Castel Gandolfo, onde regressou durante algumas horas, o Papa falou de «notícias realmente graves», referindo-se ao ataque israelita aos representantes do Hamas em Doha, capital do Catar: «Não sabemos para onde as coisas vão, cada vez mais graves, temos de rezar muito e continuar a trabalhar, procurar, insistir na paz».
Quanto à ordem imediata de evacuação por parte de Israel aos residentes da cidade de Gaza, tendo em vista uma escalada das operações militares, o Papa explicou ter tentado contactar o pároco da Sagrada Família, padre Gabriel Romanelli. Horas depois, o pároco de Gaza informou que tinha conseguido comunicar com Leão XIV.
Entretanto, a presidente da Comissão Europeia defendeu que a fome provocada por Israel em Gaza «não pode ser uma arma de guerra» e «tem de acabar», anunciando medidas para aumentar a pressão sobre Telavive. «Pessoas mortas enquanto imploravam por comida, mães segurando bebés sem vida… Estas imagens são simplesmente catastróficas», disse Ursula von der Leyen, no discurso sobre o Estado da União, durante a sessão plenária que decorreu na cidade francesa de Estrasburgo.
In ECCLESIA – texto editado